Crash test: conheça a história dos dummies, os bonecos de teste

Conheça a história por trás dos Dispositivos Antropomórficos de Teste, usados em crash tests, e como eles ajudam a salvar nossas vidas

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Por Bárbara Angelo
Publicado em 22/03/2018 às 14h55
Atualizado em 24/02/2020 às 19h30

Você sabe para que serve um crash test de carro? Todo ano, no mundo inteiro, cerca de 1,25 milhão de pessoas morrem devido a acidentes de trânsito, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Embora o número seja assustador e ainda represente um problema, ele já foi muito maior.

Nos Estados Unidos, na década de 1960, morriam aproximadamente 55 mil pessoas no trânsito por ano, enquanto para a década de 2010, esta média é de 35 mil mortes. Por trás dessa evolução na segurança veicular, estão os famigerados dummies, ou Dispositivos Antropomórficos de Teste (ATD na sigla em inglês).

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Estes manequins têm sido desenvolvidos desde 1949 para tomar o nosso lugar na perigosa missão de testar aviões, carros e os limites do corpo humano quando enfrenta as leis da física. A

o longo destes 69 anos, os dummies de crash test evoluíram para se tornarem um dispositivo altamente tecnológico e indispensável durante o processo de testes sem os quais um carro não pode nem mesmo ser homologado.

O especialista em segurança veicular e consultor de engenharia para a Smarttech, José Celso Mazarin, conhece todos os detalhes sobre os simpáticos ATDs.

Ele esteve envolvido na montagem de um dos primeiros laboratórios de testes de impacto do Brasil, em 1997, e trabalha na área há 44 anos. O especialista é categórico quanto aos dummies: “ele é o equipamento de teste mais importante em um crash test”.

Foto Volvo | Divulgação

No Brasil, os automóveis disponíveis no mercado passam por testes de impacto independentes no Latin NCAP. A instituição opera a partir do Uruguai e analisa veículos de toda a América Latina em um laboratório creditado pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Atualmente, um dummy tem a capacidade de fazer inúmeras medições durante a simulação de uma batida, contando com sensores dentro da cabeça, no pescoço, tórax, pélvis, fêmur, tíbia, calcanhar e pés, esclarece o órgão de testagem.

Os ATDs usados hoje em dia são da terceira geração dos Hybrid, categoria que surgiu em 1971 com desenvolvimento da General Motors. Devido a todos os dispositivos que o equipam, o valor médio de um Hybrid III é de US$ 100 mil (R$ 330 mil, em conversão direta), segundo Mazarin.

O que os dummies fazem durante um crash test?

Mazarin dá detalhes sobre o que cada um dos sensores dentro do dummy deve detectar. Estas informações são então comparadas a dados científicos sobre o corpo humano e o que ele pode suportar através de fórmulas matemáticas complexas.

Assim, é possível determinar as lesões que uma pessoa dentro de determinado carro sofreria em uma batida, e também se esses ferimentos seriam letais.

  • Os sensores dentro da cabeça do dummy são acelerômetros, calculando a aceleração do crânio em três direções simultâneas (3D) e computando de 20 a 50 mil medições por segundo.
  • No pescoço, há seis sensores trabalhando ao mesmo tempo medindo força e torque para avaliar a ocorrência do whiplash, ou efeito chicote. Este fenômeno é o que ocorre com o pescoço humano quando submetido a uma desaceleração súbita, como ocorre em batidas, e pode ser fatal.
  • No tórax, é medida a compressão e também a velocidade dessa compressão, com atenção para o risco de lesão aos órgãos internos.
  • Já na pélvis, os sensores calculam apenas o deslocamento de forma a garantir que os joelhos do dummy não entrem em contato com o painel de instrumentos.
  • Dentro do fêmur e nos joelhos, entretanto, também há sensores para medir se isso ocorre e, caso sim, o nível de força ao qual o fêmur, na coxa, seria exposto.
  • Depois, na tíbia (a popular “canela”), mede-se o movimento chamado deflexão, que é uma espécie de tensão semelhante à de um arco-e-flecha.
  • Por fim, há sensores nos pés e calcanhar para detectar impactos mecânicos.

Apenas os braços de um dummy são desprovidos de sensores, porque lesões nestes membros são consideradas menos perigosas. Os braços estão presentes nos bonecos apenas para reproduzir a dinâmica do corpo humano durante uma batida, fazendo com o que o corpo do dummy se desloque da mesma forma.

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Estrutura que representa a coluna vertebral de um dummy (Foto Volvo | Divulgação)

Para ter um comportamento ainda mais fiel ao que ocorreria com uma pessoa, os materiais que compõem um ATD Hybrid III também são minuciosamente selecionados. Segundo o Latin NCAP, o crânio do dummy é composto de metal revestido com silicone. No pescoço, discos de metal presos com peças de borracha simulam as vértebras.

O tórax conta com modelos de costelas, esterno, clavículas, ombros e coluna vertebral, todos cobertos por uma camada de silicone. A pélvis, fêmures e joelhos também são de metal, com um revestimento de silicone que simula os tecidos musculares e a pele.

Durante o processo de um crash test, os dummies são ainda filmados com câmeras de alta velocidade que produzem imagens em câmera lenta. Assim, é possível determinar o momento exato em que uma possível lesão foi detectada, e qual parte do veículo a causou.

Outros testes de impacto

Apesar de toda a complexidade que envolve os testes de impacto com o Hybrid III, este é apenas um tipo de teste e existem, ainda, outros tipos de dummies. Todos os anos, montadoras e órgãos de segurança veicular fazem testes durante o processo de desenvolvimento de um veículo ou daqueles que já se encontram no mercado.

Vídeo: Este é o vídeo dos testes de impacto do Toyota Corolla feitos pelo Latin NCAP. Na sequência, pode-se ver a simulação da colisão frontal de pequena sobreposição, a lateral, e a lateral contra poste (Latin NCAP | Divulgação)

No caso das fabricantes, Mazarin conta que dois tipos de provas são feitos. Um deles envolve o crash test como é mais comumente conhecido: o veículo é colocado na pista de aceleração, onde atinge uma velocidade determinada por normas, na qual colide contra uma barreira.

Nos Estados Unidos, faz-se a avaliação a 48km/h. Já na Europa, a colisão ocorre a 56km/h.

A velocidade não é a única diferença entre as normas de uma região e outra. Na Europa, utiliza-se uma estrutura na frente da barreira que absorve parte do impacto, enquanto nos Estados Unidos, embora a velocidade determinada seja menor, o veículo se choca diretamente contra um bloco de concreto.

O outro tipo de crash test é feito sobre um dispositivo chamado sled que se assemelha a um trenó em cima de um trilho. Apenas a carroceria do automóvel é colocado sobre a estrutura, que então é acelerada sobre o trilho até colidir contra uma barreira.

Há ainda outra espécie de ensaio conduzido com o sled, que faz uso de um atuador hidráulico. O aparato produz uma espécie de tiro, explica o especialista, que simula a desaceleração que ocorre no momento de uma batida.

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Foto Volvo | Divulgação

A força produzida durante este último tipo de simulação está entre 100 e 200 toneladas, e é gerada de forma extremamente precisa.

Os equipamentos para executá-la custam de US$ 1,5 milhão a US$ 2 milhões. Mesmo assim, as montadoras podem economizar muito, porque com o uso do sled não precisam destruir um veículo inteiro para testar componentes específicos.

Muitas vezes, durante o processo de desenvolvimento, são esses os crash tests feitos para analisar bancos, cintos de segurança, volantes, airbags, painéis e outros.

Existem, ainda, os testes de impacto para colisões frontais de pequena sobreposição, laterais, laterais contra poste, e traseiras, além de capotamentos.

Em cada um desses casos, os riscos aos quais os ocupantes do veículo são expostos diferem. Há normas para definir todos os detalhes para cada tipo de simulação, como a velocidade e ponto de impacto do veículo contra a barreira, cujas características também são normatizadas.

Nas colisões laterais, um trolley – uma espécie de carrinho – carregado com um bloco sólido é acelerado para se chocar contra o veículo; nas laterais contra poste, o automóvel é colocado sobre um trenó e lançado contra um poste; nas traseiras, o trolley é arremessado contra a traseira do veículo; e no caso do capotamento, o carro é acelerado contra uma barreira de forma a causar seu rolamento.

O teste de colisão frontal com pequena sobreposição é similar à frontal comum, mas o veículo entra em contato apenas com uma parcela da barreira, simulando uma batida frontal em que um veículo toca apenas uma parte do outro. Este tipo de colisão é ainda mais comum do que uma batida frontal direta, como se fosse contra uma parede.

Dummies: uma família de bonecos de crash test

Os dummies não são apenas um manequim. Os Hybrid III possuem todo um conjunto de modelos representando homem, mulher e crianças.

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A família do Hybrid III conta com dummies de todos os tamanhos (Reprodução da internet)

Também há outras categorias de dummies específicos para os testes de impacto laterais e traseiros. Para o primeiro caso, utiliza-se o chamado EuroSID (Europa) ou Biosid (EUA), com sensores nas laterais do corpo para detectar a intrusão de objetos na cabine.

Este modelo nem mesmo possui os braços, e entre os instrumentos do dummy usado para crash test de impacto frontal, possui apenas os da cabeça.

O Hybrid III mais usado simula um homem adulto que representa 50% da população, ou seja, ele é mais alto que 50% dos homens e mais pesado que 50% dos homens. Assim, ele pesa cerca de 75 kg e tem 1,75 m de altura.

Já o dummy que representa uma mulher foi feito para ser pequeno, então sua categoria é 5% de percentil. Como detalha Mazarin, este dummy é mais alto e mais pesado que apenas 5% das mulheres, sendo mais baixo e mais leve que 95% delas. A fêmea da família tem 1,55 m de altura e pesa cerca de 55 kg.

Também há outro dummy para representar um homem maior que a média, que é 95% percentil, e dummies para simular crianças de diversas idades. Entre estes últimos, alguns são equipados com sensores e outros, não. Os dummies crianças são usados para testar as cadeirinhas, ou Dispositivos de Retenção de Crianças (DRC).

A razão para haver ATDs tão diferentes é que a dinâmica destes dispositivos é determinante para se avaliar, corretamente, a chance de lesões para seres humanos. Eles devem se comportar de maneira idêntica ao corpo de uma pessoa, e nem todas são do mesmo tamanho, possuindo dinâmicas diferentes.

No caso do dummy para representar uma mulher pequena, considera-se que quando uma pessoa é menor, ela se senta mais próxima ao volante, o que torna a ativação do airbag mais perigosa.

Dummies e crash test no Brasil

Mazarin, especialista em segurança viária, conta que há apenas dois laboratórios de crash test no Brasil equipados com dummies. Um pertence à Volkswagen e o outro à General Motors.

Não há laboratórios independentes capazes de fazer a análise. Os interessados, portanto, precisam enviar veículos ou outros dispositivos para serem testados fora do país. É o que também fazem as outras montadoras presentes aqui.

O laboratório da Volkswagen foi o primeiro a ser construído no Brasil, em 1971, segundo a própria fabricante. À época, entretanto, não se faziam provas com dummies, mas outras espécies de crash test. Apenas mais tarde o uso dos ATDs foi iniciado no país.

A Volkswagen informa que, atualmente, as instalações fazem nove tipos de crash test:

  • Colisão frontal, lateral e traseira com todo o veículo, em diferentes velocidades entre 5km/h e 64km/h com barreiras variadas
  • Testes com sled
  • Disparos de airbag sob temperaturas baixa, ambiente e alta
  • Testes de pêndulo para avaliação de para-choques; resistência em tanques de combustível
  • Ancoragem de cintos e Isofix
  • Amassamento de teto e portas
  • Impacto de cabeça em painel de instrumento e bancos
  • Teste de impacto em colunas de direção (body block)

Pouco tempo depois da chegada dos dummies ao país, através da Volkswagen, foi também construído o laboratório da General Motors, fundado em 1997. Mazarin acredita que não se faziam estas provas no país antes de 1990.

“No Brasil, infelizmente, a disponibilidade é muito abaixo da média, principalmente de países onde há desenvolvimento de produtos”, comenta o especialista.

O órgão de segurança que avalia os automóveis do Brasil é o Latin NCAP, localizado no Uruguai. A instituição analisa veículos do mercado de toda a América Latina. As colisões frontais são feitas a 64km/h contra uma barreira de absorção, à maneira da Europa, porém, com velocidade mais alta.

“Os dummies utilizados pelo Latin NCAP são os mesmos que os usados pelos testes de normativas técnicas de normas da ONU. Os adultos são 50 percentil Híbrido III, e os dummies de crianças são Q3 para três anos  e Q1.5 para 18 meses”, informa o órgão.

A história dos dummies

A história dos dummies começou em 1949 com o Sierra Sam, considerado o primeiro dummy do mundo. Até então, os crash tests eram feitos especialmente pela Força Aérea dos Estados Unidos, que investigava os limites do corpo humano transportado por aeronaves em voos de alta velocidade, ou lançados de paraquedas.

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John Stapp se submetendo a testes na Força Aérea norte-americana (Reprodução da internet)

O Sierra Sam foi construído por Samuel Alderson, da empresa Sierra Engineering, em colaboração com a Força Aérea norte-americana.

Ele pesava 90 quilos e tinha 1,77 m de altura, refletindo as características físicas medianas dos pilotos da Força Aérea de então. Sua estrutura era composta de aço e borracha, desenhada com moldes tirados de pilotos reais.

O Sierra Sam tinha articulações e membros móveis mas, além disso, não podia oferecer muitas informações sobre o comportamento do corpo humano durante os testes. No geral, ele era usado para ser lançado de paraquedas em assentos ejetáveis, e podia-se observar se algumas das partes do seu corpo se quebraram.

Ademais, por ser baseado em pilotos de guerra, ele era mais pesado e mais alto que 95% dos homens americanos, o que o categorizava como um dummy de 95% de percentil.

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Sierra Sam foi o primeiro dummy do mundo (Reprodução da internet)

Nessa mesma época, foi percebido que os dummies também eram necessários na indústria automotiva. John Stapp, um coronel da Força Aérea norte-americana, é considerado um dos responsáveis por introduzir essa ideia.

Até então, Stapp estava envolvido com as testagens com aviões e havia se destacado como um “dummy humano”, se colocando em todo tipo de situação perigosa para ver o que acontecia.

Então, os dados das mortes no trânsito dos Estados Unidos passaram a chamar a atenção, pois estavam aumentando a cada ano. Para se ter uma ideia, na década de 1960, morriam aproximadamente 55 mil pessoas no trânsito por ano, enquanto para a década de 2010, esta média é de 35 mil mortes por ano.

A discrepância é ainda mais alarmante quando consideramos que há cada vez mais carros nas estradas em todo o mundo. O cinto de segurança, por exemplo, só passou a ser obrigatório naquele país em 1968.

Tomando conhecimento disso, em 1956, Stapp decidiu passar a utilizar o Sierra Sam em crash tests de carros.

O primeiro dummy da história, no entanto, não era muito adequado para a tarefa. Ele não se sentava da mesma forma que uma pessoa se sentaria no banco do carro, e a distribuição de peso de seus membros era desigual, o que tornava sua dinâmica muito diferente.

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Sierra Sam é lançado de veículo durante teste de impacto (BBC 4 – A Smashing History | Reprodução)

Em outras palavras, Sierra Sam tinha um nível baixo de biofidelidade, que é a capacidade de imitar o corpo humano. Assim, iniciou-se o processo de implementação tecnológica dos dummies que continua até hoje com o objetivo de torná-los cada vez mais parecidos conosco.

A segunda geração de dummies surgiu em 1966 com os VIP-50, dummies com peso e altura médios se comparados aos homens americanos da época.

Assim, eles eram os primeiros ATDs na categoria de 50% percentil e também foram desenvolvidos por Samuel Alderson. Desta vez, entretanto, a encomenda não veio da Força Aérea, mas das fabricantes de carros de Detroit Ford e General Motors.

Depois disso, surgiu a primeira geração do Hybrid, que ganhou este nome por unir as qualidade de Sierra Sam e dos VIP. Ele tinha articulações e distribuição de peso melhorados, além de sensores na cabeça e peito.

Na segunda geração, estes ATDs receberam instrumentação nos ombros, espinha e joelhos. Em 1977, 30 anos após o surgimento do primeiro dummy de crash test, nascia o Hybrid III.

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2 Comentários
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Daniel 31 de março de 2023

Faço parte de uma equipe de projetos pedagógicos sobre os perigos da velocidade e a segurança no trânsito.
É apresentado (escolas) aos educandos do ensino médio e fundamental
Gostaria de receber vídeos atuais sobre crash teste com a família de DUMMIES “se possível” pois são super esclarecedores e fácil entendimento.
Parabéns pela matéria.
O nome do nosso programa é Raciocinando em Velocidade-RaVeL
Ficaríamos gratos em receber mais informações.
Obrigado

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Claudinho 22 de março de 2018

Muito boa e esclarecedora esta matéria…parabéns !!!!

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