A gente gosta de carros, mas não tem dinheiro

O Brasil sempre abraçou carros antigos repaginados impulsionado pelo fator “falta de renda” que molda nossas escolhas automotivas há décadas

Nissan Kait Projeção
Nissan Kait nada mais é que o velho Kicks com visual repaginado (Foto: Nissan | Divulgação)
Por Eduardo Pincigher
Publicado em 13/12/2025 às 13h00

Por ocasião do lançamento no Nissan Kait, nesses últimos dias, pus-me a pensar sobre outros exemplos de produtos que existiram no Brasil de gerações anteriores e, a despeito de não despertarem paixões da crítica, fizeram sucesso no mercado. Você certamente já leu que o Kait nada mais é do que um Kicks da geração anterior, devidamente repaginado estilisticamente.

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E o motivo para esse tipo de operação é bastante simples: quantos consumidores brasileiros que querem adquirir um SUV de porte médio têm mais de R$ 150 mil, pressupondo-se que esse cara escolheria o novo Nissan Kicks? Quantos têm R$ 118 mil (preço do Kait)? “Ah, Edu, mas o Kicks é bem mais moderno, adota motor 1.0 turbo, enquanto o Kait usa uma unidade aspirada de 1,6 litro…” E daí?

Se você tiver R$ 30 ou R$ 40 mil a mais, ok, você vai lá e compra o mais moderno, o mais novo. E a sacada da Nissan foi genial: ao posicionar o Kait na mesma faixa dos subcompactos (VW Tera, Renault Kardian, Fiat Pulse e, futuramente, Jeep Avenger), sendo ele um projeto que deriva de um SUV compacto, ela abriu uma alternativa para fazer o consumidor coçar a cabeça na hora da compra. Claro! Compro um SUV pequeno e moderninho ou acomodo melhor minha família numa viagem?

Historicamente, essa resposta está dada. O dono do Grupo SHC, Sergio Habib, vive repetindo isso de forma clara nos podcasts em que participa: “brasileiro não tem renda média para comprar carros mais sofisticados”. E há vários exemplos históricos que retratam essa lógica.

Desde a manutenção de modelos arcaicos nos anos 1980, como Ford Corcel e Chevrolet Chevette, que foram lançados, respectivamente, em 1968 e 1972, e atravessaram os anos 1980 (o modelo da GM foi até 1994), com ligeiras remodelações ao longo desse período. Por que ambas demoraram tanto para trazer novos modelos para substituírem seus sedãs compactos?

Isso aconteceu com a própria Volkswagen. Um dos grandes lançamentos da marca em 1972/1973 foi o Brasília, nada mais do que uma variação de um Fusca mais espaçoso, criado especificamente para o Brasil – enquanto nascia a 1ª geração do Polo na Alemanha. E isso aconteceu diversas vezes no Brasil.

Quer que eu lembre indiscriminadamente de carros superados em suas respectivas épocas que ganharam um tapinha no estilo e sobrevida de anos a fio? VW Variant II, Chevrolet (Astra, Vectra – a partir de 2006 –, Agile, Classic, Cobalt), Nissan Versa, Fiat Uno (última geração que apareceu por aqui), Fiat Grand Siena, Renault Sandero. São muitos os exemplos.

Note, inclusive, que todos eles têm algo em comum: ESPAÇO INTERNO. São carros grandes para seus segmentos, o que cria uma alternativa sempre a ser considerada pelo consumidor final: vou no compacto moderno ou no médio mais antigão? E faço questão de ressaltar: não há resposta correta para essa dúvida. Depende da necessidade de cada um.

Eu, por exemplo, tenho um carro com nove anos de uso que custa o mesmo que um SUV subcompacto, na garantia, zero km, motorzinho novo, 1.0 turbo… Ué, mas e se eu quero um 2.0 Turbo? Se sou um consumidor que se arrisca a ter um carro mais velho para suprir os meus desejos como cliente, como condenar o comprador de um Spin? Ele tá certíssimo. O cara precisa de espaço, ora.

Os exemplos contrários também são numerosos: carros modernos e intrinsecamente caros que não fizeram sucesso no país, como VW Polo (primeira geração), VW up!, Chevrolet Sonic, Fiat Punto, Ford New Fiesta, Renault Symbol, Toyota Yaris (quando ainda existia o Etios). Um a um, esses carros eram, na média, bem mais caros que boa parte da concorrência, embora tivessem recursos mais avançados.

Lembra quando o Renault Clio foi lançado no Brasil com airbag duplo de série, na segunda geração, de 1999? Todas as versões vinham com esse importante equipamento… e fracassaram. O carro custava mais caro. O que a Renault fez? Tirou o airbag de série.

A gente gosta de carros, claro que sim. Mas não tem dinheiro para comprá-los, razão pela qual a indústria automobilística sempre usou desse tipo de prerrogativa no Brasil: adaptar modelos mais antigos com uma carinha nova e esticá-los nos showrooms das concessionárias.

É uma dicotomia curiosa: a crítica automotiva sempre pede por modernidades tecnológicas. Só precisa combinar com o bolso dos consumidores. Ou torcer para algum fabricante diminuir sua margem – há ironia contida.

Ou ainda torcer para que mais marcas entrem no país, aumentem a concorrência com as tradicionais fabricantes e, talvez com meios mais eficientes de custos de desenvolvimento, produção e economia de escala, consigam trabalhar com margens menores, trazendo tecnologia de ponta para faixas mais acessíveis de preços. Você arrisca dar algum exemplo? Contém ironia novamente. Mas não vou repetir o assunto da semana passada.

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Santiago 13 de dezembro de 2025

A partir de 2020 consolidou-se a moda-suv com um empurrãozinho-amigo do Inmetro. Distorceu-se o conceito de SUV, e viabilizou-se a venda de hatches-sarados como “SUVs” pelo dobro do que realmente valem. E as montadoras declararam de peito aberto: Só nos interessa vender com altas margens de lucro por veículo! Simples assim…
Hoje muitos consumidores não trocam os seus automóveis por duas razões principais:
1°) Não há mais variedade nos novos lançamentos. Tudo se resume a esses raios de “suvs”, que muitos (inclusive eu) nem queremos passar perto.
2°) Não se trata apenas de não ter dinheiro. Mas também de tê-lo sim, porém valorizá-lo. Na boa, os carros de hoje não valem os preços atualmente praticados.

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