Caminhoneiros convencem Bolsonaro (quem diria…) a reduzir teor de biodiesel

Mistura de diesel e biocombustível acima de 10% pode emperrar o motor, mas governo baixou mistura para baixar o preço

tanque de diesel shutterstock
Mistura causa problemas nos motores (Foto: Shutterstock)
Por Boris Feldman
Publicado em 11/09/2021 às 07h30
Atualizado em 19/10/2022 às 14h58

A novela do biodiesel se iniciou em 2008, com adição obrigatória de 2% ao diesel (chamado então de B2). Um combustível “limpo” pois não tem origem fóssil (petróleo) mas vegetal, produzido a partir de grãos. O percentual cresceria gradualmente até 15% em 2023, desde que avaliações técnicas não indicassem problemas no campo.

Mas os estudos aconselharam um limite de 7% (B7). Produtores do biodiesel pressionaram e o Ministério de Minas e Energia (MME) permitiu o B10. Aí, começaram a surgir problemas no campo, mas, mesmo assim, foi autorizado um acréscimo anual de 1%, a partir de 2019, até 15% em 2023. Assista ao vídeo e entenda melhor o caso:

VEJA TAMBÉM:

Quais os problemas do biodiesel?

Um dos mais complexos é a presença de água, pois o biodiesel absorve umidade do ar, formando borra nos tanques de postos, carros e geradores de energia.

As queixas se avolumaram com o B11 em 2019 e B12 em 2020. Mas seus produtores negam e tentam provar que o percentual poderia até superar os 15%. Nossa redação recebeu várias reclamações de donos de SUVs e picapes enguiçados na estrada.  A culpa recaía na qualidade do diesel, segundo laudos emitidos pelas fábricas dos motores. Seria adulteração nos postos?

Paulo Miranda, presidente da Fecombustíveis (associação de distribuidoras e postos), não somente nega, mas acusa: além dos motores diesel entupidos nos veículos, centenas de bombas dos postos emperraram quando o percentual do biodiesel foi além dos 10%.

“Descartem!”

Fábricas de caminhões e ônibus confirmaram bombas injetoras travando pela presença de biodiesel. Algumas alegam que o problema surgiu até em veículos zero km estacionados por tempo mais longo no pátio, em função da pandemia. O que jamais havia ocorrido.

Problema gravíssimo com geradores de energia em shoppings, empresas e hospitais, que só funcionam emergencialmente. Mas não eram acionados, pois os motores emperravam pela presença da borra nos tanques. Neste caso, os responsáveis pelo biodiesel recomendam “descartar o combustível de tempos em tempos”. Mas, como e onde? E quem assume o prejuízo?

Diante da situação caótica, o governo (MME) reduziu o biodiesel em abril deste ano, de 13% para 10%. Mas, pela pressão de seus produtores, retornou ao B12 em setembro e outubro.

Anfavea aprova ou não?

biodiesel

Os produtores de biodiesel defendem sua qualidade e alegam que a Anfavea testou e aprovou o aumento para B15. A associação dos fabricantes de veículos nega. Seu relatório final diz textualmente:

“A Anfavea não recomenda o aumento do teor de biodiesel no óleo diesel comercial… pelos seguintes motivos:”

E lista aumento da emissão de Nox, parada do motor devido a entupimento, aumento do consumo e desgaste de componentes do motor, rápida degradação do combustível e vários outros.

Preço fala mais alto

Entre idas e vindas, o diesel volta do B12 ao B10 em novembro e dezembro deste ano. Não por problemas técnicos, mas pelo custo! O litro do biodiesel custa R$ 5,65. O dobro do diesel A (sem mistura) na refinaria, a R$ 2,80.

Como o biodiesel encarece o custo do diesel na bomba, o governo reduziu-o então (novamente…), desta vez pressionado pelos caminhoneiros.

O que irritou seus produtores, que jogam com um poderoso (e correto) trunfo de sensibilização do mercado: produto ambientalmente correto.

Solução? Existe outro biocombustível também obtido de grãos, com molécula idêntica à do diesel e que, por isso, pode ser usado em qualquer proporção nos motores, até puro, o HVO: óleo vegetal hidrotratado. Também chamado “Diesel Verde”, tem custo mais elevado pelo tratamento com hidrogênio, mas já teve produção experimental iniciada pela Petrobras.

Quando janeiro vier…

Outra preocupação dos produtores de biodiesel é que o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) decidiu extinguir, a partir de janeiro de 2022, os leilões para sua venda, com garantia preço mínimo. Ou seja, além da reserva de mercado, querem também manutenção de preço mínimo, considerando-se as vantagens ambientais do produto.

Outro problema a se resolver: o programa de controle de emissões (Proconve) entrará numa nova fase (P8) em janeiro de 2022 para motores diesel, ainda não testados com índices mais elevados do biodiesel.

Resumo da ópera

  1. O biodiesel é uma boa solução ambiental e de independência do petróleo. Mas ainda existem problemas quando adicionado ao diesel em índices acima de 10%;
  2. A presença de água no biodiesel é um deles, pois forma-se borra que entope filtros e bombas injetoras dos motores;
  3. Produtores do biodiesel forçam aumento de sua mistura, mas entidades de classe (fábricas, distribuidoras, postos, frotistas, consumidores) pedem redução, para evitar prejuízos;
  4. Governo, entre a cruz e a caldeirinha, acaba de reduzir (novamente…) o percentual do biodiesel (12% para 10%) não pelo problemas técnicos, mas por elevar o preço do diesel para os caminhoneiros.
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24 Comentários
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Donizete Rabelo 26 de outubro de 2021

Gostaria de informações sobre os aditivos que dizem dispersar a água do diesel, como o XP, ou outros que alardeiam limpar o sistema de injetores, como o STP, realmente previnem os problemas relatados?

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Bruno Dias 16 de setembro de 2021

Sera se esse combistivel deva ser utilizado somente em caminhoes e onibus? Porque veja bem se temos muito carro pesado assim rodando no pais sinal de que a poliiçao aumenta e é verdade pode ver. Talvez o Biodiesesl seja apenas um paiativo pra reverter a poluiçao que esses grandes carros fazem . Meu ponto de vista so

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yuri 16 de setembro de 2021

Veja bem, está comprovado que o Governo FUNDE o veículo do cidadão que NÃO tem a OPÇÃO de escolha. Desde que estes proletários assumiram o poder em 2002 tudo virou de cabeça para baixo. Igual 30% de álcool na gasolina, isso não EXISTE!

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Adamastor 16 de setembro de 2021

A solução é muito simples, basta adotar o que diz os fabricantes de motores! Se o biodiesel em porcentagem maior que 10% prejudica os motores, basta não adicionar esse produto acima dessa especificação, e não deveria importar a pressão dos produtores e lobistas, porque o interesse deles é apenas o de ganhar mais dinheiro!

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Marvim 16 de setembro de 2021

Eu acho esquisito e fora da realidade Brasileira, o sistema imitar procedimentos de países de primeiro mundo, que o poder aquisitivo, estrutura tecnológica e etc oferece muito mais facilidade a mudanças, e isso esta ocorrendo em toda aria automobilística, gerando mais custos para população em um país cada vez mais pobre, ate por conta também da moléstia chinesa, e se sabe que efeitos real de todo esses incrementos, e mais lobby politico com interesses corporativos pouco ou nada tem haver com o que se proposto, A onde vamos parar?

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Luiz Carlos 15 de setembro de 2021

Questiono seriamente a utilização de bio combustíveis no transporte de carga ou passageiros. Além das ineficiências técnicas percebíveis, é uma solução “jaboticaba, “que nunca interessou a ninguém fora do BR. Economicamente falando deveríamos maximizar a utilização do solo para a produção de alimentos e comodities agrícolas .

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Waslon 15 de setembro de 2021

Eu já não morro de amores por motores a diesel. Aí, vem essa reportagem reforçar a minha ideia de ficar ainda mais longe desse tipo de motor.

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Leandro 16 de setembro de 2021

Eu graças a Deus tenho um veículo à diesel. E vendo a pressão dos caminhoneiros resultar e baixar o custo do mesmo me alegra. Quando abasteço na mesma bomba que eles sinto me protegido de preços exorbitantes e que valeu a pena pagar mais caro no carro.

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Santiago 13 de setembro de 2021

É o fim!
Um combustível legalmente autorizado, que faz os motores pipocarem – e para o qual não há uma outra alternativa.
É uma situação pior do que pipocar o motor com combustível adulterado – já que este último é ilegal, e oficialmente combatido.

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Antonio 12 de setembro de 2021

Para mim, os próprios motores a diesel são os principais causadores do impedimento do crescimento do consumo do biodiesel, este também utilizado em vários países, sob os mesmos argumentos utilizados aqui (menores emissões com exceção do NOx, maior geração de empregos e renda, pode ser produzido em qualquer estado brasileiro utilizado diversas matérias primas,…). Os motores a diesel brasileiros, em geral, são muito antigos (alguns caminhões têm mais de 40 anos). Por isso, qualquer alteração na composição do combustível, por menos que seja, contribui para a alteração no desempenho destes motores.

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Leandro 16 de setembro de 2021

Releia a matéria. Concessionárias tiveram problemas com motores de veículos parados por mais tempo que o comum. Não se trata da qualidade ou idade do motor. Biodiesel da forma que tem sido oferecido é prejudicial acima de 10%. Em países desenvolvidos o uso de 5% a 10% é positivo. Mas os 27% que nos empurram goela abaixo danificam carros com injeção direta, veja vídeos do ADG sobre o tema. O problema é que o governo é leviano com percentuais. Veja o vídeo da Dilma falando 20% de 30%. Eles não pensam que existem limites técnicos. Veja também um filme sobre o Dieselgate disponível no streaming. Os reguladores dizem que um carro deve emitir 80g. Com a tecnologia disponível só é possível atingir 300g. Fizeram um mecanismo de fraude, pra obter os 80g em teste mas emitir muito mais que isso na vida real.

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Thiago Garcia 16 de setembro de 2021

Aí que você se engana. Um motor antigo, de bomba injetora como um OM366 que tenho, funciona até o limite, certa vez a bomba injetora estava tão danificada que o motor só pegava jogando gasolina na boca da turbina, mas depois de ligado trabalhava o dia todo.
Já nos motores modernos, um abastecimento errado e vão embora de uma só vez, linha de combustível de inox, bomba de alta, bicos injetores e bomba do tanque. A conta passa fácil de 20k.

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Antonio 12 de setembro de 2021

Os impactos da cadeia produtiva do petróleo causam muito mais impactos ao meio ambiente que os impactos gerados na cadeia produtiva do biodiesel e de suas matérias primas, o que inclui o consumo de agrotóxicos.
O Programa Nacional de Produção de Biodiesel (PNPB) é uma política pública. O biodiesel veio para ficar, apesar dos impactos negativos que pode causar (inclusive os supostos impactos do biodiesel nos motores e filtros de combustível). Vários países adotaram programas de produção e utilização do biodiesel, como EUA, Indonésia, Argentina, alguns países europeus.
Para mim, os próprios motores a diesel são os principais causadores do impedimento do crescimento do consumo do biodiesel, este também utilizado em vários países, sob os mesmos argumentos utilizados aqui (menores emissões com exceção do NOx, maior geração de empregos e renda, pode ser produzido em qualquer estado brasileiro utilizado diversas matérias primas,…). Os motores a diesel brasileiros, em geral, são muito antigos (alguns caminhões têm mais de 40 anos). Por isso, qualquer alteração na composição do combustível, por menos que seja, contribui para a alteração no desempenho destes motores.

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yuri 16 de setembro de 2021

Como tudo que inicia com “Programa Nacional de X”, se ele for exterminado no dia seguinte ninguém se lembra mais o quê era. Atualmente, TODOS estão sendo prejudicados por LEI, quero ver quando acabar a luz de um hospital e o gerador não dar partida.

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Carlos 12 de setembro de 2021

Excelente reportagem. Tenho que usar aditivo estabilizador de diesel e manter o tanque cheio e rodar bastante para não formar borra na minha pickup diesel. Já i várias pickups modernas piadas nas CCS.

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Rodolfo 11 de setembro de 2021

O que o governo devia fazer é aumentar a malha ferroviária de transporte de carga e de passageiros, isso sim iria reduzir o consumo e por consequência as emissões de poluentes. Mas é caro… quando isso vai acontecer, não sei!

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Jorge Nicolau 12 de setembro de 2021

Está sendo feito. Mas a ferrogrão que vai ligar o centro Oeste ao porto de Miritituba no Pará está parada devido à uma liminar do ministro do supremo Taleban Federal xandão

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Rodolfo 12 de setembro de 2021

Está sendo feito mas muito lento, pois aqui em São Paulo a rodovias estão entupidas de caminhões e em São Paulo/SP as ruas entupidas de carros. Então se deve ter muito mais trens de transporte de carga e de passageiros e aumentar a quantidade de locomotiva e vagões de Metrô.

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Rodolfo 12 de setembro de 2021

Acabei de pesquisar e vi que São Paulo vai investi R$ 6 bilhões na malha ferroviária, tomar que seja concluído isso em breve, e um dos benefícios é:
“O trem é a opção mais sustentável em longas distâncias. Enquanto um trem com 100 vagões emite 15,82 g de CO2/ eq TKU (tonelada quilômetro útil), um caminhão emite 100 g. São necessários 357 caminhões para substituir um trem com o número de vagões citado”.
Fonte:
Malha ferroviária de SP terá aporte de R$ 6 bilhões e geração de 134 mil empregos

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Polvo 13 de setembro de 2021

O Brasil foi na contramão dos países desenvolvidos, sucateou as ferrovias, sendo que a maioria dessas ferrovias foram construídas no século 19, início do século 20. Muito lobby do setor rodoviário não deixa o país avançar nessa área.

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Jarbas Lopes 16 de setembro de 2021

Concordo plenamente, Rodolfo. Se o país tivesse investido mais na área ferroviária, inclusive metrôs, a situação seria outra. Menos caminhões circulando, menos acidentes nas estradas, menos consumo de diesel (o que influenciaria no preço dos combustíveis, afinal o diesel é subsidiado pela gasolina), menos poluição. Com o metrô, menos carros circulando, etc. etc. Agora, mesmo que finalmente se chegue a essa solução, infelizmente você está certo novamente, anos e anos se passarão até que isso se torne realidade. Se tornar.

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Jarbas Lopes 16 de setembro de 2021

Aproveitando, moro no Barreiro – BH, região com aproximadamente 300 mil habitantes e sem acesso ao metrô. As obras já foram iniciadas várias vezes por questões eleitoreiras e simplesmente abandonadas após as eleições, com a perda de todo material investido!!!
Dá pra imaginar quantos carros da região sairiam de circulação, com a opção do metrô?
Vale lembrar que o metrô de BH é uma gambiarra feita “nas coxas”, pois além de não ser subterrâneo, utiliza os trilhos da mesma linha de trens que já existia na cidade. O problema? Linhas de trens tem uma bitola menor que a do metrô. Então a solução foi diminuir a bitola das rodas do metrô. Isso faz com que o metrô tenha uma velocidade bem reduzida, em torno de 50%, sob risco de descarrilamento!
No momento, como as eleições se aproximam, já informaram o início das obras… não; o início das propostas para conseguir orçamento para começar a estudar as possibilidades…..

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Omega 11 de setembro de 2021

O uso de mais agrotóxicos na agricultura para produzir o biodiesel não polui ainda mais o meio ambiente?

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Jorge Nicolau 11 de setembro de 2021

Não. As variedades plantadas hoje são OGM, são resistentes ao glifosato e resistentes às lagartas e doenças fungicas, consequentemente os defensivos agrícolas além de serem utilizados com menos frequência são mais eficientes e menos agressivos.

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