Assim como celulares, hackear um carro já é realidade

Aumento da eletrônica embarcada expõe fragilidade dos automóveis e demandam de ferramentas de segurança e atualizações constantes

sistema carro hackeado portal
Invasões de automóveis podem comprometer a segurança no trânsito (Arte: Ernani Abrahão | AutoPapo)
Por Marcelo Jabulas
Publicado em 02/09/2023 às 13h03

Você sabia que um carro pode ser hackeado? Pois é, isso pode acontecer. Até outro dia, a lista de conteúdos de um carro contava com itens como bancos em couro, ar-condicionado e vidros elétricos. Hoje, estes equipamentos corriqueiros se misturam com termos que  como OTA (sigla para atualização remota), 4G, 5G, WiFi. Além de cabos, polias e mangueiras, o carro moderno tem quilômetros de fios e milhares de semicondutores.

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O automóvel carro se tornou um computador. E como os notebooks e smartphones, ele também ficou vulnerável a invasões. É o que aponta a diretora regional de Mobility Business para América do Sul da TÜV Rheinland, Stela Kos.

Com 25 anos de atuação da indústria automotiva, parte de seu trabalho é fazer testes de invasão para verificar o nível de proteção dos sistemas embarcados nos automóveis. A especialista aponta que o modo de utilizar automóvel está mudando e junto com as novas funções e aplicações foi necessário adicionar eletrônica de ponta nele. Carro conectado, compartilhado e eletrificado demandam sistemas complexos embarcados.

Hackear carro já é realidade

Já não é raro ler notícias sobre carros que tiveram seus sistemas invadidos. Tem atém quem “sequestra” funções o carro por meio de bloqueios remotos e pede um resgate para liberar a funcionalidade. Isso sem falar em trambiques menos sofisticados como duplicação do sinal da chave presencial para destrancar o carro, dentre outras tramoias.

Tudo isso se tornou real devido ao aumento da eletrônica embarcada. Mas não podemos demonizar a modernização do carro. Graças a essa sinergia é que temos carros mais eficientes, seguros e limpos. Mas com todo benefício também surgem novos desafios.

chip da central eletrônica motor do carro em detalhe remap
Um carro conta vários módulos eletrônicos, em modelos de luxo podem passar dos 50 (Foto: Shutterstock)

“A quantidade de componentes eletrônicos em um carro é muito grande e faz do carro um equipamento comandado por hardware e software inserido num ambiente cibernético. Temos que pensar no carro da mesma maneira que atualizamos um celular”, explica Stela.

De acordo com Stela, a preocupação de sua empresa vai além. Será que além de destravar portas e bloquear multimídia, o que mais pode ser acessado a distância e que pode colocar a segurança dos ocupantes em risco?

“O que nos preocupa são os sistemas de segurança. Isso porque um invasor com amplo conhecimento poderia acessar sistema de freios, airbags e até mesmo enviar comandos ao motor. O desafio é criar bloqueios”, alerta Stela, principalmente com a popularização de acessos de funções do carro via celular.

Celular é uma das portas de entrada

E o receio é pertinente. Se nos carros atuais há diferentes módulos eletrônicos com ABS, controle de estabilidade e central do sistema de injeção que já comunicam entre si, há modelos que já oferecem sistemas integrados de gerenciamento e permitem ajustes remotos. Um exemplo é o Volvo C40.

O SUV elétrico pode ser atualizado, inclusive com parâmetros para elevar autonomia da bateria e até mesmo potência do motor. Ou seja, é quase que um smartphone com rodas. Num universo mais factível, a Chevrolet Montana também permite atualizações remotas.

volvo c40 recharge cinza 2023 frente e lateral
Volvo C40 é um carro totalmente conectado e pode receber atualizações que interferem nas baterias nos motores (Foto: Marcelo Jabulas | AutoPapo)

“Já existe uma regulamentação europeia UNR 155 da Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa (Unece), que define padrão mínimo de segurança que carro tem que ter. O Brasil assinou o acordo aceitando a fazer parte desse grupo da Unece, para estar sujeito a regulamentação UNR 155”, comenta.

Entre as premissas para manter o carro seguro é preciso monitorar os processo de produção e também de pós-vendas. Isso para garantir que o carro não possa ser hackeado na concessionária. O documento ainda exige que identificação de possíveis riscos a sistemas e quais softwares poderiam ser acessados e provocar acidentes.

A norma também determina que cada fabricante desenvolva seus mecanismos defesa, assim como ferramentas para proteção de suas nuvens. Afinal, os carros conectados conversam diretamente com os servidores dos fabricantes. E claro, evitar que brechas na conexão entre celular e o carro.

Não é problema só de gringo

Mas não se trata de uma demanda para o futuro. Ela é para ontem. Hoje, isso já é realidade do Brasil. Sistemas de conectividade são capazes de mapear a forma que os motoristas utilizam seus carros. Esses dados são utilizados pelos fabricantes para desenvolver serviços mais eficientes. Acontece que parte dessa interação é feita pelo smartphone do usuário que se conecta ao carro e ao servidor do fabricante. Daí, a importância de manter a segurança dos servidores.

De acordo com a resolução, a partir de julho de 2024, nenhum veículo novo dos mercados signatários poderá circular sem dispositivos de segurança eletrônica embarcados. Esses dispositivos deverão ser atualizados remotamente, mas há recursos que serão necessariamente atualizados na rede de concessionários, devido a maior vulnerabilidade, para criar uma barreira física.

Parece uma preocupação de países desenvolvidos, uma vez que no Brasil há imensos gargalos de conexão a internet e um frota circulante com mais de 10 anos. Mas mesmo assim, não estamos isentos de invasões.

central eletronica mecanico com computador sobre motor chip flex
Atualizações presenciais podem mitigar acesso a funções críticas de um carro (Foto: Shutterstock)

Questionada se carros mais antigos, sem recursos conectados estão livres desse novo mal, Stela Kos é enfática. “Por mais simples que seja o carro, há pelo menos a central eletrônica que pode ser alterada, mas já temos veículos com alto nível de conectividade por aqui, como sistemas de gerenciamento de frotas de caminhões, em que se pode desligar o motor remotamente, caso haja suspeita de roubo”, explica.

Assim, como dizia o sábio Tio Ben, ao jovem Peter Parker (nos quadrinhos e no cinema): “com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades”. Agora cabe aos fabricantes resguardar a segurança de seus clientes.

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