Carro zero está caro? A culpa não é só do fabricante
O preço do carro novo assusta o consumidor brasileiro, que perdeu poder de compra, mas há vilões nessa conta que vão muito além do fabricante
O preço do carro novo assusta o consumidor brasileiro, que perdeu poder de compra, mas há vilões nessa conta que vão muito além do fabricante
Os carros zero km estão muito caros no Brasil. Todo mundo diz isso, inclusive. Mas, geralmente, a culpa é atribuída às supostas altas margens de lucro das montadoras instaladas no país. Mas essa não parece ser bem uma verdade absoluta quando você decompõe o valor de cada veículo, visto que só se pode definir o caro… se você tiver o barato para compará-lo. Vejamos, então, se há outros países que cobram “barato” pelos mesmos carros que consumimos.
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Curto e grosso: VW Polo 200 TSI Highline. Tá lá no site da marca: R$ 127.490. Ao converter esse valor para dólares (câmbio de R$ 6,09, do último dia 17), chegaremos a US$ 20.934. Na Espanha, esse mesmo Polo automático – lá chamado de R-Line – sai por £ 26.805, ou US$ 27.500.
A conta não para por aqui.
A tributação que incide sobre um automóvel vendido na Europa varia de 15% a 20%. Na Espanha, ela é de 17,3%. Ao extrair o percentual do imposto, o valor cai para US$ 23.445. Atenção: a conta não é 17,3% abatidos do preço final, mas sim aplicado em cima do custo total de produção. A conta é inversa. Se você acrescer 17,3% sobre US$ 23.445, dá exatamente US$ 27.500.
No Brasil, a tributação para modelos com motores de até 1 litro é de 24,7%, de acordo com a Anfavea, entidade que representa as montadoras. Subtraindo-se o imposto, portanto, o Polo rende uma quantia de US$ 16.788 à montadora. É o mesmo carro. Mas US$ 6,6 mil a menos.
É um fato inquestionável: a VW do Brasil embolsa pouco menos de US$ 17 mil em cada Polo que é vendido, aqui incluída a margem da rede. Já a VW Espanha fatura mais de US$ 23 mil quando vende o seu hatch 1.0 Turbo.
No México, somente para usarmos um exemplo de outro país de Terceiro Mundo, um Chevrolet Onix Plus Premier é vendido por 433 mil pesos, o que dá US$ 21.200. Extraindo-se os 16% de carga tributária, cai pra US$ 18.300. Esse mesmo sedã no Brasil é vendido por R$ 134.890 (US$ 22.149). Com a desoneração de impostos, US$ 17.762. A diferença já é bem menor em relação ao VW Polo. Mas aqui ainda é mais barato.
Quando você analisa modelos importados (sem incluir os de algumas marcas premium), o panorama não é muito diferente. Veja o caso do Ford Bronco. Seu preço de lista é R$ 260 mil. Para carros importados, a carga chega a 60% (arredondando-se). Isso quer dizer que ele chega para a Ford Brasil (custo + frete + margem) por cerca de R$ 162.500, o que dá US$ 26.683. Lá no mercado norte-americano, o valor sugerido de venda é US$ 42 mil. Só que o imposto nos EUA é de 7%. Sete por cento. Tirando os impostos, portanto, cai pra US$ 39,3 mil. São US$ 12,6 mil a mais do que a filial brasileira fatura na venda de seu SUV.
Não estou aqui defendendo a Volks. Nem a Chevrolet ou a Ford. Ou qualquer outra marca. Até mesmo porque há o outro lado dessa história: poucos setores são tão privilegiados quando anunciam um novo investimento: terrenos são doados para fazer fábricas, portos e estradas vicinais próximas são reformadas, há isenção de impostos estaduais. Não dá também para dizer que é um “mau negócio”.
E isso sem contar o faturamento com o pós-venda, que não é semelhante a nenhum outro segmento. As montadoras ganham dinheiro com manutenção dos carros. Basta computar o que você gasta nas revisões e nas trocas de peças de um carro no decorrer de sua vida útil. Isso não acontece com geladeira. Ou telefone celular. Nem notebook ou aparelho de TV. Nem com nenhum outro produto manufaturado. Aliás, só avião, helicóptero, caminhão, motocicleta, enfim, tudo que está relacionado à mobilidade.
E isso sem contar (2) a proteção à concorrência. Haja vista as barreiras criadas em 2024 contra híbridos e elétricos importados, que elevaram a tributação desses modelos com o propósito de proteger a indústria local. Faz quase dez anos que os primeiros importados eletrificados começaram a chegar, mas o curioso é que foi instituída a “proteção” a fim de permitir que as montadoras nacionais tivessem tempo para aprender a lidar com essa tecnologia (oi??), como se todas as filiais brasileiras não estivessem conectadas direta e diariamente às Engenharias das matrizes. Ninguém produziu antes porque não quis.
E outra coisa… você já percebeu que TODAS as marcas que fabricam carros no Brasil são multinacionais? Tirando as unidades da HPE (Mitsubishi) e da CAOA (Hyundai e Chery), que são as exceções que confirmam a regra, visto que foram erguidas com capital de empresários brasileiros, só temos multinacionais.
Mas seguimos protegendo a nossa “indústria local”. Pausa para uma tosse sarcástica.
Vou arriscar aqui um palpite polêmico, mas que tal preocupar-se também com os empregos e a saúde financeira de concessionárias de veículos de nacionais e importados? Isso faria com que muitas ações protecionistas considerassem não só quem produz, mas também quem vende e conserta.
Além de serem empresas genuinamente de capital brasileiro, as revendas empregam um volume estupidamente maior de trabalhadores que os fabricantes – são 315 mil empregos diretos contra 107 mil das montadoras. Não se pode proteger só emprego de montadoras. Vamos olhar também para os postos de trabalho do varejo.
Enfim. Hoje a discussão é preço de carro, tributos e margem. Podemos dialogar, portanto, sobre a falta de poder aquisitivo para comprar carro zero km, o custo do crédito e até o TCO (Total Cost of Ownership, ou despesas inerentes à propriedade, como IPVA, combustível, manutenção etc).
A gente só não deveria lacrar que o carro é caro porque o fabricante ganha muito, pelo menos enquanto o dólar permanecer na casa dos R$ 6. Se a cotação recuar, toda essa conta acima também se altera.
Vale a comparação com o seu negócio, sim, de você mesmo que está lendo, seja ele qual for: a margem líquida nas montadoras de veículos varia de 7 ou 8% até 15 ou 16% em alguns segmentos específicos de maior valor agregado (carros de luxo, picapes, SUVs etc).
Imagine que você constrói uma fábrica gigantesca, paga uma fortuna de IPTU e manutenção predial, investe uma fábula em engenharia, seleciona centenas de fornecedores, treina mão de obra, organiza uma logística maluca de chegada de componentes, abastece a linha de montagem, ajusta seu controle de qualidade e tem que trocar seu line-up inteiro a cada 8 ou 10 anos… Aí finaliza a fabricação do produto e programa outra fase complicadíssima de logística de distribuição aos concessionários de todo o país. Define o Marketing, avalia as promoções dos concorrentes, monta a sua, corrige, reinveste, paga uma infinidade de impostos diferentes. Contrata bons assessores de imprensa para lançarem seu novo carro.
Finalmente, o concessionário vende o carro. E o que te sobra, ao final de toda essa jornada, é só 10%?
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1_A margem de lucro no Brasil é sim a maior do mundo, quem já foi ao Paraguai sabe disso, quem já esteve nos EUA então só faltou infartar com a diferença de preço.
2_ Imposto no Brasil é também um dos maiores do mundo, se já não for o maior.
3_ Brasileiro acha lindo pegar caro e se vangloria disse, é cultural.
4_ Não existe mais “terceiro mundo” o primeiro mundo era Estados Unidos e seus aliados, segundo mundo era União Soviética e seus aliados, o resto era terceiro mundo. Hoje no máximo são países ricos e países em desenvolvimento.
Atualize -se!!
Acrescento ainda, endossando o item 3:
Uma boa parte da nossa classe média (os grandes consumidores brasileiros de carros zero) ainda padece daquele vicio cultural de vangloriar-se em ter pago caro.
Daí o grande sucesso dos “SUVs”-fake (aqueles caixotes sobre plataformas de hatch) vendidos por bem mais do que valem, e sob o lema “você agora de SUV”. Isso puxou todos os preços para cima, inclusive os semi-novos e usados para aonde tentaram fugir os consumidores mais indignados com a farsa dos “suvs”.
E assim continua até hoje.
Concordo plenamente com o senhor e agradeço o acréscimo que realmente completou magníficamene o raciocínio.