Modelos feitos no 'gigante asiático' têm precisão cirúrgica na qualidade, design e tecnologia, além de muita rentabilidade na comercialização
As montadoras chinesas começaram comendo pelas beiradas: até cinco anos atrás, sua presença nos salões de automóveis na Europa era nenhuma ou muito discreta. No Brasil, motivo de piada: “xing-ling”. No último Salão de Munique, em setembro, BYD, Xpeng, Changan e Dongfeng exibiram seus modelos de avançada tecnologia e preços competitivos com os concorrentes ocidentais.
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O salto chinês foi resultado de uma ação do governo há quase 20 anos, ao perceber que – com carros a combustão – não competiria jamais com as marcas ocidentais e que deveria desenvolver carros elétricos, uma tecnologia incipiente e que não tinha merecido a devida atenção, exceto, na época, da Tesla.
O governo chinês estimulou então com subsídios e outras vantagens a tecnologia elétrica. O resultado foram mais de 100 fábricas de automóveis que brigam hoje por um mercado (28 milhões anuais, mais de 10 vezes o brasileiro) que não absorve sequer metade de sua capacidade de produção.
Foi necessária uma intervenção governamental para apaziguar a verdadeira guerra que travam hoje. Muitas com pequeno volume de produção e sem condições de reduzir preços nem de competir em outros países.
Nos dois últimos anos, o preço médio de venda de um carro na China despencou quase 20%, o que explica o início da quebradeira das empresas locais. O aumento de 7% nas vendas este ano não foi suficiente para compensar o desconto de até 35% no preço de tabela de alguns modelos.
A poderosa BYD, maior montadora chinesa, contabilizou 30% de queda nos lucros no segundo trimestre deste ano. Stela Li, uma de suas principais executivas, não esconde que se deve eliminar pelo menos 80% das fábricas em operação no país e que mesmo a permanência de 20 delas já seria um exagero.
A guerra refletiu no caixa: atraso de pagamentos a fornecedores e funcionários e um plano do governo para fusão de grandes fábricas. Até filiais de marcas ocidentais como Volkswagen, Porsche, Mercedes, Tesla, estão tentando driblar o abalo financeiro com atitudes drásticas: eficiência, criatividade e cortes.
Depois do mercado europeu, os chineses estão de olho na América Latina, focando no Brasil, onde a Chery já tem seus modelos fabricados pela Caoa que já se acertou também com a Changan. A JAC ameaçou uma fábrica na Bahia, mas permaneceu como importadora. Outras duas plantas são da GWM (em operação) e BYD (a ser inaugurada em breve).
A Geely traz a parceria que tem com a Renault na China, com direito à fábrica da francesa no Paraná. Xpeng e Leapmotor se associaram com VW e Stellantis, respectivamente, para produzir localmente.
A BYD conquistou, nos primeiros 8 meses do ano, o quinto lugar em vendas no nosso mercado, com 61 mil unidades vendidas, atrás apenas da Fiat, VW, GM e Toyota. E à frente de uma dezena de outras.
Rogelio Golfarb, ex-Ford, atual CEO da ZAG WORK Consulting, não tem dúvida do futuro das chinesas no nosso mercado. “Elas trouxeram um design inovador, de apelo global. Qualidade comparável com as ocidentais. E não só a tecnologia de eletrificação de ponta, como também toda a eletrônica embarcada. E tudo isso com preços competitivos: híbridos plug-in a preços de modelos nacionais similares a combustão”, sentencia.
Segundo Golfarb, em suas dezenas de anos como executivo da Ford Brasil, ele passou por crises, idas e vindas, mas nunca presenciou uma mudança tão profunda e avassaladora como esta. Para ele, não é uma evolução, mas uma revolução no setor.
“No passado, quando uma nova marca vinha se instalar no Brasil, ela procurava empresas interessadas em distribuir seus produtos. Hoje, são as concessionárias das marcas tradicionais que correm atrás das chinesas para garantir lugar ao sol. A dúvida de um empresário do setor hoje não é ‘se’ deve distribuir uma chinesa, mas em ‘qual’ delas”, completa o especialista.
Perguntei a Golfarb sua opinião sobre uma dúvida do setor: quando as chinesas estiverem produzindo aqui, não vão enfrentar o famoso “Custo Brasil” que tira o sono dos nossos executivos? A BYD, por exemplo, percebeu que o buraco é mais embaixo antes mesmo de inaugurar sua fábrica. Trouxe mais de uma centena de chineses para construí-la (em Camaçari-BA) e teve a obra embargada por submetê-los a trabalho escravo. Mandá-los de volta foi o primeiro choque de custos em sua planilha.
O CEO da Zag Work não acredita em dificuldade para as chinesas quando estiverem produzindo localmente.
“A participação dos componentes eletrônicos importados nos carros nacionais é elevada. E a maioria vem da China, o que lhes dá uma enorme vantagem. Além disso, adotaram, por enquanto, a inteligente política de focar suas vendas nos modelos de ticket mais alto, na faixa de R$ 200 mil a R$ 300 mil, de alta rentabilidade. Não disputam vendas para frotistas e locadoras, entregando milhares de unidades com margem mínima de lucro. E nem brigam aqui pelos “populares”, que não lhes faltam na China, mas que não valem a pena no nosso mercado”, analisou Golfarb.
E nossas marcas tradicionais diante desse tsunami asiático? Estão perdendo terreno pois o volume total de vendas não cresceu e tiveram que dividir o mesmo bolo com mais de dez chinesas. Sua associação, a Anfavea, está desconfiada (e investigando) de manobras contábeis (dumping) na China para enxugar os preços de seus modelos no nosso mercado. Por outro lado, a Associação Brasileira de Veículos Elétricos (ABVE) é toda sorrisos por conquistar volume crescente de associados.
Há quem diga que a Anfavea é o passado e a ABVE é o futuro…
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