Omega deveria ter motor Lotus, só que não

Chevrolet Omega foi o sedã de luxo brasileiro que nunca ganhou o motor desenvolvido pela Lotus, ao contrário do primo inglês

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Chevrolet Omega chegou em 1992, com motor 3.0 importado, para aposentar o Opala (Fotos: GM | Divulgação)
Por Douglas Mendonça
Publicado em 30/12/2024 às 11h00

Nesses 50 anos como jornalista especializado na área automotiva, não posso deixar de registrar, até para a história, fatos que aconteceram em nossa indústria e que poderiam ter mudado o rumo e a produção de muitos carros nacionais. Já contei, noutra ocasião, a história daquela grande indústria de origem alemã, que havia enviado um motor obsoleto e antigo, refrigerado a ar, para a Porsche atualizá-lo e melhorá-lo na Europa.

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Lá, trataram de desenvolvê-lo para aumentar potência e reduzir consumo. No final, acabaram lançando um carro totalmente novo, mas com pouca coisa aproveitada da tecnologia Porsche. Pagaram, mas não usaram, e depois se arrependeram, já que as vendas da novidade não decolavam. Mas, acreditem, houve outro caso semelhante no início dos anos 1990, só que com outros personagens: uma marca de origem norte-americana, um motor de seis cilindros em linha e um prestigiado sedã de luxo. Explico…

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Motor 3.0 do Omega era caro demais e GM encomendou uma atualização do 4100 do Opala à Lotus

O projeto alemão do tal sedanzão foi lançado com seu motor original, um outro seis-em-linha, importado da Europa. Um propulsor de 3.0 litros, todo em ferro, mas que tinha ótima performance e baixo consumo, rendendo algo superior aos 160 cv. Inclusive, era oferecido casado a um câmbio manual de cinco marchas ou a outro automático de quatro, ambos ótimos! Mas não tinha muito cabimento, pois essa indústria norte-americana produzia aqui no Brasil desde 1968 um outro motor de seis cilindros em linha, derivado de carros consagrados dos EUA nos anos 1950.

Esse motor, que de início tinha 3.800 cm³ ou 232 pol³, foi revisado e aumentado para 250 pol³ (4.100 cm³) no início dos anos 1970. Era um trem-de-força confiável, durável e que produzia um excelente torque desde os baixos níveis de rotações. Claro, seu Calcanhar de Aquiles era o altíssimo consumo e o fato de, já nessa época, ser obsoleto, com carburador de corpo simples e outras simplicidades.

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O motor seis cilindros do Opala estreou nos anos 1960 e já era utilizado nos EUA há décadas

Esse seis-em-linha se arrastou até o início dos anos 1990, passando por uma ou outra pequena evolução, mas mantinha o conceito daquele 3800 dos anos 1950. Não tinha muito a oferecer além dos 127 cv ABNT (líquidos) e torque máximo na casa dos 33 kgfm, números até discretos para o quanto ele bebia de combustível. Agora, voltando para o final de 1994, já falando do sedã de luxo conceituado. O carro teve uma boa aceitação do público consumidor, mas a versão 3.0 com motor importado incomodava, principalmente pelo alto custo de importação.

A solução foi trocá-lo pelo outro de seis cilindros nacional, concretizando uma ideia que já corria dentro da fabricante desde o começo da década. O problema é que o seis-em-linha nacional, 4.1, já era um motor com mais de quatro décadas do seu projeto original. Era difícil adequá-lo às normas antipoluição que já existiam no Brasil. O que a marca norte-americana fez, a exemplo daquela alemã da outra coluna, foi mandar esse 4.1 para uma bela “reforma” na parceira Lotus inglesa.

Omega de 250 cv?

Assim foi feito: mandaram o motor para o Reino Unido, e a equipe de lá praticamente criou um novo propulsor. O resultado foi fantástico! O velho cabeçote de ferro fundido, com seus tuchos hidráulicos, foi praticamente jogado fora. O comando de válvulas lateral, com varetas e balancins, também. Entrou no lugar um novo cabeçote em alumínio, com câmaras de combustão hemisféricas e a vela em sua parte central, quatro válvulas por cilindro e duplo comando, acionados por correia dentada. Esse novo cabeçote era completado com coletores de admissão de alta eficiência, injeção eletrônica multiponto e um coletor de escape de alta performance, do tipo 6 em 2 fundido em ferro.

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O Omega era um carro moderno e teria ostentado o título de carro mais potente do Brasil por muitos anos, até o lançamento da Trailblazer V6

O layout do 4.1 mudou completamente, apesar de manterem a capacidade cúbica. Praticamente renasceu, e do projeto original sobrou basicamente a cilindrada. Seu cárter, reservatório de óleo do motor, antes estampado em chapa, passou a ser de alumínio, ficando maior e melhor na refrigeração do lubrificante.

Fontes internas dessa marca norte-americana, na época, falavam que, após as modificações da Lotus, chegaram a excelentes 250 cv de potência. Eram 85 a mais que a versão alemã de 3.0 litros, e quase o dobro da sua versão original. O torque ia perto dos 40 kgfm. Reformulado pelos ingleses, ficou parecido com o dos Jaguar da época. Uma verdadeira obra de arte!

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Ainda hoje, o Omega é uma referência na indústria brasileira, apesar de a GM ter ceifado as opções de motores europeias

Quando aportou por aqui, o novo 4.100 deixou boquiaberto aqueles técnicos brasileiros que fizeram a encomenda aos ingleses, que acabaram entregando muito mais do que se imaginava. Claro, com um alto preço, como sempre. Já imaginaram o tal sedã de luxo equipado com esse motorzão!? Presume-se que ele faria de 0 a 100 km/h na casa dos 6,5 segundos, chegando fácil aos 250 km/h, mesmo com o conforto do câmbio automático. Mas, lembram-se daquela turma do financeiro? O pessoal dos custos, que colocam o lucro acima de tudo? Pois eles também existiam lá dentro da marca norte-americana.

Os ditos-cujos começaram a colocar tudo na ponta do lápis: novo cabeçote, válvulas, comandos, molas, cárter, coletores, bombas, sem contar os testes de engenharia, novos moldes e por aí vai. Questionaram quantos carros deveriam ser vendidos para abater esse custo, que, na realidade, era um belíssimo investimento. Chegaram à conclusão de que a conta não fecharia: para valer a pena fabricar aquele carrão de luxo com o novo motor 4.1 preparado pela Lotus, ele precisaria vender como pão quente, pagando as contas o quanto antes. E, na situação do país na época, isso não aconteceria, afinal o sedã topo de linha era caro.

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Para reduzir custos, a GM desprezou o motor Lotus de 250 cv e pegou o velho 4.1 na lata do lixo

Sabem o que aconteceu? Todo aquele trabalho feito pela Lotus, que não custou nada barato, foi desconsiderado. Foram até a “lata do lixo”, pegaram o velho cabeçote de ferro, adaptaram nele uma injeção eletrônica e o resto da história vocês já conhecem: o sedã trocou de motor na linha 1995, e passou a vir com aquele caquético 4.1, só que injetado. Bebia muito e entregava pouco, mas, para eles, era isso que o consumidor brasileiro merecia. As melhorias feitas pelos ingleses viraram lembrança, só isso…

Carlton: o verdadeiro Omega da Lotus

Quando a General Motors foi bater na porta da Lotus para modernizar o velho 4100 do Opala para empregá-lo no Omega, não foi por acaso. A Lotus já tinha trabalhado com a Vauxhall, o braço britânico da GM no Velho Mundo.

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Lotus Carlton foi um dos sedãs mais ariscos do início dos anos 1990 e desbancou o BMW M5 (Foto: Creative Commons | Wikipedia)

A marca de Colin Chapman lançou em 1990 o Lotus Carlton, que nada mais era que uma versão envenenada do Omega inglês. Sabe aquele bloco 3.0, que estreou no Omega em 1992? Então, na Lotus foi ampliou o deslocamento para 3.6 litros e instalou uma turbina Garrett, além de outros ajustes, que elevaram a potência para impressionantes 386 cv.

Além disso, a Lotus, modificou o conjunto de suspensão, freios, escapamento, assim como, bitolas alargadas, novos elementos aerodinâmicos, coletores e saídas de ar. O motor era combinado com transmissão manual de seis marchas e a tração, claro, era traseira. Tudo isso fez do Lotus Carlton um dos sedãs mais apimentados de seu tempo, desbancando referências como o BMW M5 (E34).

Com apenas 950 unidades produzidas entre 1990 e 1992, o desempenho do Carlton encheu os olhos da GM, inclusive da filial brasileira, que convocou a Lotus novamente para operar mais um milagre. A diferença é que por aqui nem um Omega com o motor Lotus foi vendido.

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2 Comentários
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Santiago 30 de dezembro de 2024

Ironia dos tempos:
Nos anos 90 o Ômega deixou de ser uma nave, porque a filial brasileira não queria carregar no preço final do modelo.
Hoje em dia as filiais brasileiras se esbaldam vendendo suvs-de-mentira a preços inflacionados, por muito mais do que realmente valem, e o consumidor paga alegremente sem reclamar.

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Fábio Vicente 31 de dezembro de 2024

Provavelmente os ingleses entenderam que a GM brasileira tinha a intenção de fazer uma série especial do Omega, de baixas vendas e alto desempenho como a Vauxhall e a Opel, não vejo outra explicação.
E entregaram outro motor, derivado do 250-S e não o original: só a transposição do comando de válvulas do bloco para o cabeçote, com outro sistema de sincronismo e 16 válvulas já configura um novo motor. E por mais que nós apaixonados por carros gostaríamos de ter esse motor no mercado, quando a calculadora entra em ação não há argumentos capazes de vence-la.

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