Nova legislação que põe fim à obrigatoriedade das autoescolas flexibiliza, até demais, o processo de obtenção da carteira de motorista
A CNH do Brasil, junto com suas novas regras, já é praticamente uma realidade no Brasil. A dinâmica atualizada de obtenção da Carteira Nacional de Habilitação conta com novo aplicativo para tirar a habilitação e portar o documento, bem como normas publicadas oficialmente pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran) na Resolução nº 1.020, de 1º de dezembro de 2025.
A medida, além de pôr fim à obrigatoriedade das aulas em autoescolas, torna o processo mais acessível e flexível. Ela estabelece o fim da obrigatoriedade das autoescolas, curso teórico gratuito e online, regularização de instrutores autônomos, entre outras mudanças. Uma das alterações que mais chama a atenção é a nova lista de critérios para as aulas práticas e o exame de direção veicular.
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Isso porque, especialmente sob a ótica de profissionais da área, as regras foram flexibilizadas até demais, o que pode colocar em risco a formação dos condutores e a segurança viária no futuro. Para Roberta Torres, especialista em educação no trânsito com mais de 24 anos de estudos na área, a medida não está focada no processo de formação.
De acordo com a estudiosa, “a discussão está totalmente focada no preço e numa ideia falsa de ‘desburocratização’. A única coisa que eles estão querendo excluir é a parte da aprendizagem obrigatória”.
Assim que o candidato da CNH do Brasil for aprovado na prova teórica e adquirir a Licença de Aprendizagem Veicular, está liberado para realizar as aulas práticas. Antes das mudanças, era necessário realizar 20 horas-aulas de direção ensinadas obrigatoriamente por instrutores associados a uma autoescola.
No entanto, agora a carga horária diminuiu drasticamente, caindo para apenas duas horas-aula que, assim que concluídas, permitem que o aluno faça a prova prática. As novas regras também determinam que essas aulas podem ser ministradas por:
Os candidatos que quiserem poderão obter habilitação nas categorias A e B ao mesmo tempo, bastando cumprir carga horária mínima de duas horas de aulas práticas para cada categoria.
Dessa forma, o aluno pode, a seu critério, iniciar aulas práticas de direção veicular escolhendo a quantidade de aulas que preferir (desde que faça no mínimo duas) e decidir se pretende contratar um instrutor autônomo ou uma autoescola. O profissional contratado para a formação poderá, inclusive, ser substituído a qualquer momento.
Uma das principais modificações previstas pela CNH do Brasil é a permissão de que instrutores atuem de forma independente aos Centros de Formação de Condutores (CFCs). Quem desejar ser um instrutor de trânsito oficial ainda terá o caminho facilitado, graças ao novo curso disponibilizado online pelo governo federal.
Essa formação pode ser feita por meio do app CNH do Brasil, usando um computador ou smartphone. Isso é possível desde que o condutor cumpra os seguintes requisitos:
No entanto, a validação feita pelo sistema do governo apresenta falhas, já que foi possível completar o curso e retirar certificado de instrutor de trânsito em nome de uma criança de apenas três anos de idade. Além disso, de acordo com relatos de pessoas que concluíram o processo de formação, os módulos são cumpridos de forma fácil e rápida, sendo possível receber a certificação em apenas uma hora.
Apesar do curso concluído com certificação, a autorização para exercer a atividade depende do registro no Departamento Estadual de Trânsito (Detran). Quando esse órgão valida o registro, o nome do instrutor passa a constar na lista do Ministério dos Transportes.
Segundo a Resolução 789/20 do Contran, norma que regia as regras e padrões para obtenção da CNH antes das recentes mudanças, o curso de instrutor previa uma carga horária de 116 horas-aula. Esse total incluía vários módulos e um limite de 10 horas-aula por dia.
Agora, na versão digital, todo esse caminho é substituído por textos que podem ser lidos rapidamente ou até mesmo ignorados. Basta acertar 70% das questões em cada módulo para ser aprovado, com emissão imediata do certificado de instrutor de trânsito.
Essas alterações geram preocupações em relação à qualidade dos profissionais que estarão ministrando aulas no trânsito.
De acordo com a Resolução 1.020/25, “o veículo utilizado nas aulas práticas poderá ser disponibilizado pelo instrutor de trânsito ou pelo próprio candidato”. Isso pode ser feito desde que alguns critérios sejam atendidos.
A antiga legislação previa que, além da identificação de veículo de aprendizagem, era exigido um modelo equipado com freios e embreagem de duplo comando. Mas, atualmente isso não é mais necessário, abrindo margem para que os candidatos utilizem até mesmo carros não adaptados ou automáticos.
Nesse último caso, o aspirante a motorista vai poder tirar carteira B em carro automático e, uma vez que estiver com a CNH em mãos, dirigir um carro manual, mesmo que nunca tenha feito isso antes. E não haverá a criação de uma subcategoria para veículos automáticos.
O automóvel precisa apenas atender às condições de circulação e segurança previstas no CTB e nas normas complementares do Contran. Logo, de acordo com o artigo 154 do Código de Trânsito, existem duas opções de identificar os veículos:
Os veículos destinados à formação de condutores serão identificados por uma faixa amarela, de vinte centímetros de largura, pintada ao longo da carroçaria, à meia altura, com a inscrição AUTO-ESCOLA na cor preta.
No veículo eventualmente utilizado para aprendizagem, quando autorizado para servir a esse fim, deverá ser afixada ao longo de sua carroçaria, à meia altura, faixa branca removível, de vinte centímetros de largura, com a inscrição AUTO-ESCOLA na cor preta.”
Essa possível mudança levanta preocupações especialmente em relação à segurança. Roberta Torres afirma que “esse é um dos pontos mais frágeis e irresponsáveis da minuta proposta”.
De acordo com a estudiosa:
Colocar um aprendiz em um carro com um examinador, sem o auxílio do duplo comando de freio e embreagem em uma área de exame com pedestres, outros veículos e demais aprendizes é como criar um ambiente totalmente propício para sérios acidentes, que hoje chamamos de sinistros de trânsito, em especial, os atropelamentos.”
A antiga Resolução 789 de junho de 2020 previa o seguinte processo de avaliação para a prova prática da CNH:
Art. 18. O candidato será avaliado no Exame de Direção Veicular em função da pontuação negativa por faltas cometidas durante todas as etapas do exame, atribuindo-se a seguinte pontuação:
– Uma falta eliminatória: reprovação;
– Uma falta grave: três pontos negativos;
– Uma falta média: dois pontos negativos;
– Uma falta leve: um ponto negativo.”
Logo, era considerado reprovado o candidato que cometia uma falta eliminatória ou cuja soma dos pontos negativos ultrapasse a três. Dessa forma, para obter a aprovação, a pessoa só pode cometer uma infração grave, três infrações leves ou uma média e uma leve.
O artigo 19 da resolução ainda lista quais são as faltas válidas para as categorias B, C, D e E; e em quais graus de severidade elas se enquadram:
Faltas Eliminatórias: avançar semáforo ou parada obrigatória; avançar sobre o meio fio; não colocar o veículo na área balizada, em no máximo três tentativas, no tempo estabelecido; avançar sobre o balizamento demarcado; transitar pela contramão de direção; avançar a via preferencial; etc.
Faltas Graves: desobedecer a sinalização da via ou ao agente de trânsito; não observar as regras de ultrapassagem ou de mudança de direção; não dar preferência de passagem ao pedestre que estiver atravessando a via; manter a porta do veículo aberta ou semi-aberta durante o percurso da prova; não usar devidamente o cinto de segurança; etc.
Faltas Médias: executar o percurso da prova sem estar o freio de mão inteiramente livre; trafegar em velocidade inadequada para as condições do local; interromper o funcionamento do motor, sem justa razão; fazer conversão incorretamente; usar buzina sem necessidade ou em local proibido; desengrenar o veículo nos declives; etc.
Faltas Leves: provocar movimentos irregulares no veículo, sem motivo; não ajustar devidamente os espelhos retrovisores; apoiar o pé no pedal da embreagem com o veículo engrenado e em movimento; dar partida ao veículo com a engrenagem de tração ligada; etc.
Há alguns meses, o Secretário de Trânsito afirmou categoricamente ao AutoPapo, que o projeto CNH sem autoescola não alteraria as provas práticas. No entanto, o exame veicular foi sim alterado pelas novas regras da CNH do Brasil.
O candidato iniciará a prova com zero pontos e, à medida que cometer faltas, terá pontos somados para cada infração de trânsito que cometer. Para ser aprovado, o aspirante a motorista deverá ter aproveitamento máximo de 10 pontos.
Cada irregularidade valerá um ponto, que deve ser multiplicado pelo peso da gravidade da infração. Na prática, a pontuação equivale ao peso da falta, que pode ir de um a seis:
Desse modo, agora o candidato pode perder dez pontos e mesmo assim será aprovado, enquanto a legislação prévia estabelecia apenas três erros. Ele poderá cometer uma falta gravíssimas e uma grave (ou duas médias) e não será reprovado.
Na prática isso significa que ele poderá fazer tudo isso no exame e ainda ser aprovado:
Sobre essa flexibilização na avaliação do exame, Roberta Torres questiona: “que tipo de motorista será o candidato que comete infrações gravíssimas e ainda é aprovado? Que tipo de mensagem isso passa para a população?”
Para ela:
Essa minuta é uma aberração sem nenhum fundamento pedagógico e nenhuma responsabilidade com a segurança no trânsito. Estamos indo no caminho totalmente inverso daquilo que acordamos para a Década de Ações para a Segurança no Trânsito e o compromisso de reduzir em 50% o número de mortes e sinistros de trânsito até 2030.”
Além disso, o candidato reprovado poderá fazer novas avaliações, sem limitação de tentativas, até alcançar aprovação, sendo que a segunda tentativa poderá ser agendada sem a cobrança de taxas adicionais.
O texto ainda prevê a possibilidade de modernização das provas práticas com monitoramento eletrônico. As ferramentas auxiliarão a atestar o cumprimento dos critérios de avaliação e fundamentar a decisão da comissão examinadora.
Nesse caso, a comissão de exame de direção veicular poderá realizar a avaliação de forma remota, desde que assegurado o acesso às informações necessárias. Além disso, é direito do aspirante a motorista ter acesso a todas as informações eletrônicas geradas, podendo utilizá-las em eventual contestação dos resultados.
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