E se…? (a indagação à véspera de lançar um produto)

Edu Pincigher recorda de quando apresentou o Smart ForTwo no Salão do Automóvel de 2008, que foi a estrela da feira

smart fortwo brazilian
Smart ForTwo chegou em 2009 e ficou no mercado até 2016 (Foto: Smart | Divulgação)
Por Eduardo Pincigher
Publicado em 16/11/2025 às 15h00

Já versei sobre meu orgulho por ser o único profissional de Comunicação que lançou quatro marcas de veículos no Brasil. Em um mercado recheado de players, dificilmente você encontrará quem tenha tido o orgulho de introduzir mais do que uma marca no mercado. Lancei Smart (2008), JAC Motors (2011), Ankai (2024) e GAC (2025).

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É sobre a primeira que falarei hoje.

Setembro de 2008. Faltava um mês para o Salão do Automóvel. Eu era responsável pela Comunicação da Mercedes-Benz (Institucional e Automóveis) e tinha um chefe na área que estava de saída para outra fabricante. Tempos bicudos, aqueles.

Para não se comprometer com algo que não comandaria, ele ficou postergando o esqueleto da coletiva de imprensa que a Mercedes faria na abertura. Sempre há dois dias exclusivos para jornalistas antes do início oficial do evento, onde cada fabricante faz sua coletiva com as novidades do ano. E é algo complexo, que exige planejamento, uma vez que você vai adaptar o estande para uma coletiva. Tem de preparar discursos, vídeos, telão, áudio, cadeiras, cafezinho etc.

Quando a figura finalmente se retira da empresa, o Marketing da Mercedes convoca nova reunião com todas as áreas envolvidas para definir o contexto da coletiva. Poucos dias antes, eu almoço com um colega de Marketing do Produto para saber o que a marca iria lançar para bolar como atrairíamos a imprensa. Quando vejo um Smart Fortwo em uma rua interna da fábrica.

“Quem trouxe esse carro?” perguntei. “Vamos lançar em abril. Esse daí veio pra homologação”. Pronto. Eu já tinha mote para a coletiva do Salão. E foi o que sugeri na reunião com o Marketing. “Vamos anunciar o Smart”. Insisti que a chegada da marca não seria só a maior atração do estande. Mas sim do Salão. O Marketing topou.

Curiosamente ninguém na imprensa – ninguém mesmo – sabia dessa chegada. Nenhum repórter antecipou a notícia. Fizemos uma surpresa memorável no dia da coletiva. O estande tinha um palco em que os principais modelos da Mercedes ficavam expostos. À frente desse palco colocamos 500 cadeiras para os jornalistas se acomodarem, com um corredor central estrategicamente criado. Ao fundo, construímos uma estrutura provisória com uns 2 metros de altura para fotógrafos e cinegrafistas para terem uma visão frontal do palco, acima da plateia.

E tudo saiu como previmos. Na hora da surpresa, o carrinho estava escondido nessa estrutura provisória, sob os pés dos cinegrafistas. Trilha sonora bombando, luzes pra todo lado… uma porta se abre e o Fortwo surge no meio do corredor, passando bem no meio dos repórteres. Faz a curva na entrada do palco e estaciona lá em cima. Os fotógrafos literalmente se acotovelavam para registrar a estreia de mais uma marca de carros no país. Dia seguinte, as capas dos jornais traziam o simpático Smart Fortwo como “maior surpresa do Salão”.

Tivemos literalmente seis meses para estudar como faríamos o lançamento propriamente dito, até abril de 2009. E aqui eu começo a explicar o sentido do título dessa coluna. Na minha busca por dados de mercado que justificassem a racionalidade de usar um citycar, que é o motivo número 1, 2 e 3 de quem compra o Smart, eu descobri um dado importantíssimo: 87% dos paulistanos que circulavam no trânsito nos horários de pico andavam sozinhos ou, no máximo, com um acompanhante no carro.

Nada mais apropriado para introduzir o Smart Fortwo, ora. Por que me locomover com um carro tradicional, com alto gasto de combustível e ocupando espaço médio de 8 m2 (4,5 m de comprimento por 1,8 m de largura) na rua se eu só ando sozinho? Ou com mais uma pessoa?

No dia do evento, fizemos um roteiro de apresentação e test drive diferente de tudo o que já havia sido feito. Dividimos o conteúdo da apresentação em três partes. A abertura ocorreu dentro de numa livraria em um shopping center da zona sul de São Paulo. O carro era cool. Merecia esse mimo. Após esse primeiro review, os jornalistas desciam para o estacionamento do shopping e pegavam os carros de test drive na garagem. Ali já mostrávamos, alinhados, dois a dois em cada vaga, o quanto eles eram compactos.

Os jornalistas saíam do shopping e rodavam por cerca de 40 km, em um percurso que era majoritariamente urbano. Tinha uma fração desse trecho que passava pelo Rodoanel, onde se guiava em condições “rodoviárias”. Não era bem a praia dele, mas, sim, ele poderia rodar a 120 km/h, até por ter motor 1.0 12V Turbo de 3 cilindros – bem manso para o padrão que temos hoje: 84 cv e 12,2 kgfm.

O problema não residia no desempenho. Devido ao porte compacto, com entre eixos de 1,87 metro, o ruim de rodar na estrada era a rispidez da suspensão. Cada vez que você passava por um viaduto, ele emitia duas pauladas na passagem dos eixos pelas emendas de concreto: “pow, pow!”

De volta à cidade, eles paravam na Avenida Europa, onde ficava a primeira concessionária e depois iam ao Parque do Ibirapuera. Ao ar livre, eles recebiam todo o conteúdo mais técnico das aptidões mecânicas do Fortwo. E seguiam para o almoço.

Na sequência, estrategicamente, fizemos com que o roteiro passasse pelo bairro dos Jardins, na rua Oscar Freire, espécie de meca das principais butiques e lojas grã-finas da capital. O intuito era fazer com que os jornalistas virassem alvos fulminantes de olhares. Imagine a carreata de minicarros descoladinhos na rua mais chique de São Paulo?

Eles ainda passavam por uma mercearia e faziam compras para “experimentar” o uso do porta-malas. E tudo se encerrava em uma baladinha, onde os carros eram devolvidos. Foi um baita evento.

Por que parou? Parou por quê?

Só que a presença da marca no Brasil foi curta, de 2009 a 2016. O que houve? Explico, agora, a razão do título dessa coluna. Apesar de:

  • o lançamento ter sido adequado à proposta de carro.
  • a proposta do carro ter sido entendida como vantajosa para rodar nos grandes centros urbanos.
  • os grandes centros urbanos cultuarem marcas charmosas, que deem status por criarem uma opção inteligente e moderna.
  • opções inteligentes e modernas pudessem custar R$ 57 mil à época (mais ou menos um VW Golf 2.0 Comfortline).
  • os R$ 57 mil nem parecessem muito para um carro com tantas virtudes, mas que tivesse somente dois lugares.

“E se… eu precisar um dia levar alguém no banco traseiro?”

Parece piada, escárnio. Mas a indústria automobilística mundial, às vezes, tropeça nesses paradigmas e, inevitavelmente, quebra a cara. Tudo parecia encaixar, só que não deu certo. “E se…” Entendeu por que as montadoras arriscam tão pouco? Na dúvida…

  1. Você cria um conceito inédito, autoral, algo que ninguém teve coragem e colocou à venda. Você (a fabricante) acertará sozinha.
  2. Ou você opta por lançar um SUV igual a dezenas de modelos que já estão nas ruas, sem risco nenhum. Se o público aplaudir, você vende pelo preço cheio. Se rejeitar, dá desconto no preço final.

O que você faria? As fabricantes, ora, já sabemos o que escolhem.

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