Fiat Marea foi amaldiçoado pela economia porca do dono
Nem sempre o carro e a fabricante são os únicos culpados e o Fiat Marea foi vítima de oficinas, trocas de óleo e dos próprios donos
Nem sempre o carro e a fabricante são os únicos culpados e o Fiat Marea foi vítima de oficinas, trocas de óleo e dos próprios donos
Bora falar de Fiat Marea! Um caso típico em que a má imagem que o carro criou no mercado não necessariamente é culpa da fabricante ou do projeto em si. Um modelo médio, em sua versão sedã e perua, lançado no Brasil por uma marca italiana em maio de 1998, é um bom exemplo de como informações desencontradas, incorretas ou difíceis de serem entendidas acabam queimando a imagem de um carro de forma permanente.
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Por mais que ele seja bom, luxuoso, moderno e tecnológico para seu tempo. Mas, não só isso: a economia “porca” por parte de alguns proprietários também contribuíram para isso, especialmente no que diz respeito à manutenção básica.
Imaginem vocês, leitores: sedã médio e perua estrearam no Brasil com a mesma tecnologia europeia, bastante nova para a época. Eu mesmo tive a oportunidade de viajar para a Itália para conhecer esse novo sedan, que seria lançado no mercado nacional algum tempo depois. Atestei boa performance, confiabilidade e boa dirigibilidade da novidade. Tudo certo e perfeito!
Mas aí chegam trapalhadas. O fabricante italiano instalado no Brasil imprimiu, no manual do proprietário do novo carro, que as revisões deveriam acontecer a cada 20 mil km.
Consequentemente, nesse período também marcavam as trocas do óleo lubrificante do motor. Por si só, um intervalo muito grande entre os serviços de manutenção programada. Nesse mesmo manual, noutro trecho, havia a observação: em caso de utilizações severas (anda e para de trânsito, trechos curtos ou fora-de-estrada, uso como veículo comercial), as manutenções deveriam ocorrer na metade do período, ou seja, a cada 10 mil km. Ainda assim, longo.
Outra confusão do documento era a informação de duas possibilidades de óleo lubrificante para o motor: um semi-sintético 15W40 API SJ, ou outro totalmente sintético 10W40 API SJ. Notem vocês, leitores, quanta informação desencontrada para um simples proprietário de carro, na maioria das vezes leigo no assunto. Aí veio também a falha dos próprios donos do sedã e perua: quando iam até as trocas de óleo para substituir o lubrificante, muitos seguiam as indicações do próprio frentista ou funcionário do estabelecimento, ou até mesmo escolhia um lubrificante da sua preferência, mesmo que não fosse o indicado para o carro.
Aquela velha história do “sempre usei esse óleo no meu carro, e nunca tive problemas”. Mas, no caso desses modelos médios de projeto italiano, o buraco era mais embaixo: o motor 2.0 que eles traziam sob o capô (2.4 a partir de 2000, incluindo versão turbo), tinha cinco cilindros em linha, quatro válvulas por cilindro (20 válvulas no total), e duplo comando de válvulas no cabeçote. Um propulsor moderno, de projeto atual para a época, e que exigia lubrificantes igualmente adequados a sua concepção e ajustes internos.
Utilizando, nesse moderno motor, um óleo mineral comum, encontrado na época em vários postos de serviço por um preço mais “amigável”, a lubrificação era insuficiente. O resultado? Com 30 ou 40 mil km, o motor já estava rajando, produzindo batidas internas e exigindo retífica. Criou-se a fama que esse 2.0 de cinco cilindros não prestava, e não servia para o Brasil. A culpa estava no consumidor que, para economizar, dispensava o óleo sintético ou semi-sintético (origem mineral, mas com aditivação sintética), colocando no cárter do modelo médio um lubrificante mineral, mais em conta. Este, por via de regra, atendia muito bem motores mais antigos e parrudos, mas não caía bem no cinco cilindros italiano.
Os óleos sintéticos lubrificam melhor um motor, já que conseguem maior aderência nas peças móveis, garantindo partidas a frio mais seguras. Além disso, chegam mais rapidamente aos pontos que necessitam de lubrificação, já que fluem melhor pelas galerias internas do motor. Os óleos minerais, mais espessos e com tecnologia mais antiga, não cumprem tão bem essas funções.
O resultado prático do uso do óleo incorreto nos modelos médios de projeto italiano, às vezes aplicados até mesmo nas concessionárias da marca, passaram a comprometer a durabilidade do cinco cilindros em linha. Sem contar que, mesmo utilizando o lubrificante semi-sintético indicado pela marca, o motor não teria a melhor durabilidade esperada, por conta dos grandes intervalos entre as trocas. Complicado…
Cheguei a acompanhar de perto um caso envolvendo um sedã médio com problemas de lubrificação no tal motor de cinco cilindros. O carro era integrante da frota de imprensa da própria fabricante italiana, e foi vendido para um colega jornalista no comecinho dos anos 2000. Na época, o sedã era bonito, com boa reputação, então mostrou-se um bom negócio. Com seis meses de uso, o 2.0 20v começou a bater: ainda na garantia, ele foi totalmente refeito na concessionária, seguindo à risca os padrões da fabricante. Carro pronto, e passados outros três meses, estava o cinco cilindros rajando mais uma vez!
Não deu outra: a própria concessionária que refez o motor pela primeira vez abasteceu o cárter com lubrificante mineral, ignorando a indicação do manual. Como o colega jornalista rodava bastante, não foram mais que noventa dias, ou pouco menos 10 mil km, para o problema voltar. Com outra colega do meio, aconteceu uma história semelhante, mas nesse caso foi um vacilo nas manutenções feitas fora da rede autorizada: em uma oficina de bairro, optou-se pelo óleo mineral mais barato, mas logo o motor de projeto italiano “pediu arrego”. Ele não permitia economias.
Na época, não existia a cultura da aplicação do óleo sintético como existe hoje. Escolhia-se o mais barato: no começo dos anos 2000, um sintético podia ser até três vezes mais caro que um mineral. A cultura difundida de que “óleo é tudo igual” também influenciou negativamente.
Os modelos médios da marca italiana ficaram eternamente queimados no nosso mercado, e até hoje são tidos como “bombas”. A fabricante até tentou corrigir o erro assim que os problemas começaram a aparecer: manuais do proprietário mais recentes já indicavam manutenções programadas a cada 15 mil km, ou a cada 7.500 km no caso de uso severo, mas ainda sugerindo a alternativa do lubrificante semi-sintético 15W40. Com as trocas mais frequentes, a tendência era reduzir os problemas. Ainda assim, tarde demais: a má-fama nunca se perdeu. Histórias da nossa indústria automotiva…
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