Fiat Uno ‘colou’ no teste de emissões do Ibama
Descubra como o hatch popular da Fiat era capaz de enganar as aferições de níveis de emissões que o Ibama realizava nos anos 1990
Descubra como o hatch popular da Fiat era capaz de enganar as aferições de níveis de emissões que o Ibama realizava nos anos 1990
Na época, há cerca de 30 anos, mais precisamente no final de 1995, surgia um escândalo no meio automotivo nacional: uma marca italiana de automóveis instalada no Brasil estava enganando o Ibama produzindo um carro pequeno, popular, que não atendia às leis de emissões de poluentes. Como? Através de um “segredinho” que explico mais adiante. O objetivo, claro, era economizar: sem o tal dispositivo para enganar as medições de poluentes, seria necessário instalar no carro um caríssimo catalisador, coisa que a fabricante italiana não queria.
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A tal marca alegava que a eficiência do seu motor e do sistema eletrônico que gerenciava a ignição eram capazes de eliminar os gases poluentes, fazendo com que seu pequeno hatch popular de muito sucesso atendesse os limites de emissão de gases da época.
Lançado no finalzinho de 1992, já como linha 1993, o popular com ignição eletrônica da marca tinha boa performance, consumo coerente com a sua proposta e, olha que maravilha, atendia todas as leis antipoluição do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). Quem dirigiu o carro na época, como eu, achava aquele hatch popular com motor 1.0 excelente. Tinha 56 cv de potência máxima, gastava pouquíssimo combustível e andava bem, principalmente se comparado com os primeiros carros 1000 lá de 1990.
A grande novidade desse modelo 1993, que ainda era carburado (não existia injeção eletrônica para carros baratos como ele), estava em um moderno e sofisticado sistema de ignição digital. Ele abandonava em definitivo o velho distribuidor e seus antiquados cabos de vela: duas bobinas eram diretamente ligadas nas velas, e elas eram comandadas por um sistema eletrônico. A bobina era “informada” sobre o momento certo para soltar a faísca para cada cilindro, tudo programado digitalmente para conseguir a máxima performance, mínimo consumo e poucas emissões.
Acontece que, em um motor, nem sempre a máxima performance e o mínimo consumo são sinônimos de baixas emissões de poluentes. Em alguns momentos, esses valores divergem, e o engenheiro responsável pela calibração do sistema tem que sacrificar o melhor desempenho. E é aí que mora o perigo!
Para aquele pequeno hatch popular, tudo parecia maravilhoso, mas, na prática, a coisa não era bem assim. Para evitar os custos de adaptação de um catalisador (o que encareceria o carro), algum (ou alguns) “espertinho” achou por bem burlar o que as leis antipoluição do Ibama. Para isso, criaram uma maneira de enganar as medições que poderiam ser feitas em determinados carros para saber a quantidade de gases que ele emitia pelo escape.
Como essas medições eram feitas em laboratórios e os carros escolhidos aleatoriamente, os tais técnicos “espertos” da fabricante italiana (ou então da empresa que fornecia a ignição eletrônica), sabiam que utilizavam dinamômetros de rolo e que o carro ficava de capô aberto durante o processo.
Ao volante, uma pessoa seguia um roteiro pré-determinado, indicado por uma tela de computador. Em cada trecho do tal roteiro, o carro não poderia emitir mais do que uma quantidade estipulada de gases poluentes. Eles enganavam as tais medições utilizando duas programações no sistema de alimentação: uma priorizava o desempenho (sem se preocupar muito com emissões), enquanto a outra focava nos gases expelidos pelo escapamento (quanto menos, melhor). Mas, como o carro sabia qual programação utilizar na hora das medições do Ibama?
Se o carro estivesse com o capô fechado, o que era detectado pelo interruptor da luz de cortesia do motor, ele entendia que se tratava de um uso normal, ou seja, priorizava a performance. Caso fosse detectado que o motor estava em funcionamento com o capô aberto, entrava em cena a outra programação, que cortava a performance e reduzia drasticamente as emissões. Sistema muito discreto, digno de se tirar o chapéu pela inteligência de quem o criou, mas que ainda fraudava as leis vigentes da época.
A tal “tecnologia” demorou para ser descoberta: quase três anos, período em que quase 400 mil unidades do hatch popular haviam sido produzidas. A marca italiana ainda se vangloriava dizendo que, de tão bom, seu motor atendia as leis antipoluição sem precisar de catalisador. Ele poluía até 20% a mais quando estava na programação de uso normal (capô fechado), se comparada com a programação destinada para fraude (capô aberto). Quem descobriu a falcatrua, na época, foi a Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), que desconfiou daquele interruptor da lâmpada do motor. Bingo!
Processo instaurado, a fabricante italiana foi multada em cerca de US$ 3 milhões da época, e nunca se manifestou oficialmente sobre o caso: fez um acordo com o governo, quitou a multa, e correu para adaptar um catalisador ao hatch popular ainda carburado, que foi receber injeção eletrônica de série para a linha seguinte (1996). Certamente, para a fábrica, saiu bem mais barato pagar a multa do que comprar catalisador para todos aqueles 400 mil carros produzidos no período. Coisas do passado da nossa indústria automotiva…
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