Fiat Uno Turbo e o vale-tudo dos esportivos dos anos 1990

No lançamento do Uno Turbo, executivos da Fiat "sabotaram" rivais para entregarem menor desempenho na pista de testes

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Uno Turbo era um carro espetacular, mas parece que executivos italianos não confiavam no taco do esportivo (Fotos: Fiat | Divulgação)
Por Douglas Mendonça
Publicado em 29/03/2025 às 13h00

Março de 1994. A disputa no mercado dos esportivos nacionais era bem acirrada, e naquele mês, chegava mais um integrante de peso. Quatro grandes marcas brigavam pelo mesmo consumidor, e não faltavam artimanhas para superar as vendas do rival. A última fabricante a lançar seu hatch esportivo brasileiro foi uma italiana, de grande prestígio por aqui, a Fiat. Na época, seu hatch esportivo era pioneiro na adoção do turbocompressor, tecnologia que a concorrência ainda não oferecia. Quem não se lembra do Uno Turbo?

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O lançamento do hatch esportivo com motor turbo aconteceu na região de Fortaleza, Ceará, no Autódromo Virgílio Távora. Lá, a fabricante italiana decidiu realizar um tira-teima: além de mostrar sua novidade para a imprensa nacional, levou para a pista seus três rivais de peso. Jornalistas poderiam, assim, fazer uma comparação direta entre os esportivos no uso em pista, e informar aos seus leitores qual era o melhor. Ou, pelo menos, as grandes vantagens de cada um, inclusive do inédito hatch turbo.

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O Uno foi o primeiro carro turbo de fábrica no Brasil e entregava 118 cv 

Na época, os quatro esportivos tinham lá as suas qualidades, e cada um superava o outro em algum quesito. Um oferecia acelerações mais vigorosas, outro mostrava melhor dinâmica em curvas, o outro freava com maior competência, e por aí vai. Mas a marca italiana queria mostrar que o seu novo hatch era melhor. E fez isso a todo custo…

No comparativo, só o Uno Turbo estava com pneus devidamente calibrados

Claro, os outros três concorrentes não eram “nenhuma porcaria”, e tinham méritos de sobra. Mas, como fazer com que o novo hatch turbo se saísse melhor que os rivais? Com sabotagem! Um jornalista de peso do meio automotivo resolveu pegar, logo de cara, um dos esportivos, de uma marca norte-americana, porém com projeto europeu (o Chevrolet Kadett GSI). Queria experimentar, no autódromo, como seu motor 2.0 de aspiração natural e 120 cv poderia ser melhor frente ao 1.4 turbo do novo hatch italiano, que estava sendo apresentado na ocasião.

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O Kadett GSI era a versão esportiva do hatch da Chevrolet, com motor 2.0 de 120 cv, que fazia miséria na pista (Foto: GM | Divulgação)

Logo na primeira volta, quando acelerou para ganhar velocidade, o carro mostrou reações estranhas. Na curva a frente, o jornalista perdeu o controle e acabou rodando duas vezes na pista, indo parar na brita, fora do asfalto. De bate e pronto, o profissional estranhou a reação do esportivo da marca norte-americana, já que conhecia o modelo e sabia que, naquela situação, ele poderia contornar a curva sem problemas. Aquela reação de perda de controle não era normal.

O jornalista foi logo reclamar com um funcionário importante da fabricante italiana, tentando descobrir o que havia de errado com aquela unidade do esportivo da concorrência que eles haviam colocado na pista. Pois o tal funcionário da marca italiana respondeu de imediato, com forte sotaque: “esses carros rivais estão com pouca pressão nos pneus, bem menos do que o indicado no manual. O nosso hatch turbo está acelerando bem mais, e fazendo curvas melhores, pois está dentro dos conformes”. Já imaginaram o vale-tudo para conquistar o coração da imprensa que cobria o evento?

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Motor 1.3 turbo era exclusividade do Uno e certamente os italianos não precisariam murchar os pneus dos rivais

Com essa sabotagem, de pneus murchos, os carros das concorrentes teriam acelerações mais demoradas, e muito menos performance em curvas, frenagens ou desvios rápidos de trajetória. O esportivo italiano que estava sendo lançado, com pneus calibrados, mostraria um comportamento muito superior, obviamente. Sim, só os 118 cv de potência do novo hatch turbo já garantiam a ele uma vantagem, afinal era mais leve que os rivais, e a tecnologia da superalimentação permitia respostas mais ágeis ao comando do acelerador em menores rotações. Mesmo assim, apelaram para uma artimanha nem um pouco justa…

Na realidade, o intuito era fazer com que a imprensa acreditasse que o novo hatch turbo era muito superior aos das marcas rivais. Além da performance prejudicada, esses ainda ficariam mais instáveis e inseguros nas altas velocidades. Queriam que o hatch turbo passasse a impressão de algo sensacional, e, muito além de vender, buscavam a valorização da marca no assunto tecnologia. Mas, na prática, ele não era tão melhor assim.

Esse episódio, que aconteceu há 31 anos, deixou claro que a busca pela conquista do consumidor no segmento de carros esportivos era um verdadeiro vale-tudo, sem muita ética: desde ser bem “presunçoso” nos dados de ficha técnica, até murchar os pneus dos concorrentes na hora do teste prático. Histórias da nossa indústria automotiva…

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