Gol 1300 álcool e a mancada da engenharia alemã

Quando a VW projetou o primeiro Gol a álcool, ainda com motor de Fusca, seus engenheiros não conseguiram enxergar o óbvio para acomodar o estepe

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O Gol foi uma resposta da Volkswagen ao Fiat 147 e adotou a mesma solução de acomodação do estepe no cofre do motor (Fotos: VW | Divulgação)
Por Douglas Mendonça
Publicado em 11/05/2025 às 15h00

Estamos no início da década de 1980, e uma marca alemã de prestígio estava dando sua cartada contra o sucesso de um hatch da fabricante italiana rival. O novo carro da fabricante alemã, que foi nomeado com um clássico grito de comemoração no futebol, tinha ingredientes que visavam incomodar o tal concorrente de projeto italiano que, aliás, vendia como água no deserto.

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Mas a tal marca alemã não se deu por vencida, e pensou no seu hatch em (quase) todos os detalhes. O motor 1.3 era obsoleto, mas havia sido aperfeiçoado pela Porsche na Alemanha, ainda mantendo a refrigeração a ar. E olha que os alemães copiaram os italianos até em detalhes que o consumidor elogiava, como a instalação do estepe (pneu reserva) no habitáculo do motor. Assim, o porta-malas ficava mais livre para servir à sua função original: transportar bagagens.

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Solução para posicionamento do estepe na versão a álcool veio de um mecânico de concessionária, após engenharia desperdiçar uma fortuna

O carro era digno de aplausos, em que pese a baixa performance do tal motor 1300 a ar, até então movido apenas a gasolina. Em termos de design, espaço interno, economia de combustível e confiabilidade mecânica, acabou agradando bastante ao consumidor na época, que não tinha muitas opções disponíveis.

Logo esse tal hatch alemão ganhou uma versão a álcool do mesmo motor 1.3, novamente seguindo o caminho da rival italiana. Apressaram-se, e já em 1981 tinham o carro pronto, queimando o combustível derivado da cana de açúcar. Porém, antes disso, encontraram um problema no seu projeto: na versão a álcool, a alimentação precisava ser feita por dois carburadores, diferentemente da que bebia gasolina, equipada com um só carburador.

O estepe do Gol a álcool

Com um único carburador, o coletor de admissão era extremamente longo, e quando a mistura ar X combustível entrava em contato com esse coletor frio, uma parte dela se condensava. O motor falhava e engasgava em excesso. A primeira ideia foi enriquecer bastante a mistura, o que subia muito o consumo. Dilema difícil, que só foi resolvido com o “plano B”: adotar a dupla carburação, deixando carburadores e cabeçotes mais próximos, e eliminando o coletor longo e suas partes frias.

Realmente, essa dupla carburação deu vida nova ao motor 1.3, e o carro ficou bem mais vivo, oferecendo melhor desempenho. O caminho do perfeito estava aberto, só que aí surgiu outro problema: tiveram que remover o estepe do cofre para alojar o novo carburador, por pura falta de espaço. Aí o pneu reserva foi parar no porta-malas, onde ele era posicionado em pé, parcialmente fixado num “berço” criado no assoalho do compartimento. Ainda assim, parecia uma clara adaptação.

Um problema resolvido, e outro criado: o porta-malas, com isso, perdia muito espaço. Para ser mais preciso, cerca de 60 litros. O folgado do estepe passou a ser considerado bagagem, e ia lá no lugar das malas e sacolas, “sem choro nem vela”. Sem contar, claro, o custo para desenvolver o novo alojamento do pneu reserva lá atrás: uma nota preta, sem dúvidas.

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Motor 1300 com carburação dupla e abastecido com álcool deixou a primeira safra do Gol bem mais esperta

Ao apresentar a novidade para uma concessionária específica, avisando sobre o novo local do estepe, para permitir a dupla carburação no compartimento do motor, surgiu um “abençoado” mecânico com uma ideia genial: “porque, ao invés de mudarem o pneu de lugar, vocês não o viram de cabeça para baixo?”. Tinha sentido: o vão aberto naquele vazio da roda de ferro caberia tranquilamente o segundo carburador, que ficaria coberto pelo estepe. Os técnicos da fabricante ficaram boquiabertos, afinal de contas a engenharia tinha dado uma tremenda mancada.

O custo de desenvolvimento do berço do pneu reserva, o problema do porta-malas menor, a preparação das concessionárias para a mudança, atualizações de manuais e livros técnicos…tudo isso poderia ser evitado apenas invertendo o estepe! Não demorou muito para a solução genial chegar nos ouvidos da engenharia, e logo o hatch já estava novamente com o estepe debaixo do capô. O pneu reserva cobria o carburador, e seu “berço” lá atrás tornou-se inútil. Pelo menos, recuperaram o espaço do porta-malas.

Em 1985, com a chegada do novo motor refrigerado a água, não teve jeito, e aí o estepe acabou voltando para o porta-malas. Dessa vez, não havia solução genial, nem “jeitinho brasileiro” que resolvesse a questão. Só na geração seguinte, lançada em 1994, que ele ganharia um espaço dedicado ao pneu reserva debaixo do piso do porta-malas, como na maioria dos carros atuais. Nesse caso, o estepe ficava “deitado”, na horizontal.

O difícil para a marca alemã foi ter esse problema resolvido com uma ideia tão simples, quase idiota, e vinda de alguém de fora da fábrica. Histórias da nossa indústria automotiva…

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