Com mais de 500 cv, o Lancia Delta S4 foi desenvolvido para aniquilar o Audi Sport Quatro S1 e o Peugeot 205 T16, mas a história foi outra
Uma das maiores insanidades do automobilismo foi o Grupo B da FIA. Essa categoria de rali permitia criar carros com potências absurdas e basicamente a única exigência para homologação era a produção de 200 unidades de uso urbano. E neste verdadeiro circo dos horrores sobre rodas estava o demoníaco Lancia Delta S4.
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Para falar do Delta S4, é preciso entender o Grupo B. A categoria foi introduzida pela FIA em 1982, com regulamento técnico flexível e produção mínima de apenas 200 unidades para homologação. Essa liberdade permitiu soluções de engenharia radicais e potências que ultrapassavam os 500 cv. A Lancia, já consagrada no rali com os Stratos e 037, desenvolveu o Delta S4 como resposta direta ao domínio do Audi Quattro e do Peugeot 205 T16, adotando a tração integral e tecnologias inovadoras.
O Delta S4 combinava compressor mecânico e turbocompressor. Um tipo de sistema de sobrealimentação conhecido como “twincharged” que eliminava o atraso do turbo e oferecia torque imediato, já que cada “soprador” atuava em seu ponto ideal de rotação. Trata-se de uma combinação complexa que poucas vezes foi adotada na indústria. Um exemplo desse conceito foi aplicado no Audi A1 Sport, que chegou a ser vendido no Brasil nos anos 2010.
No Delta S4, o motor 1.8 de quatro cilindros gerava até 550 cv na versão de competição, impulsionando um carro de apenas 966 kg. A relação peso/potência era de apenas 1,7 kg para cada cv (desconsiderando piloto e navegador).
O Delta S4 utilizava um avançado sistema de tração integral projetado em colaboração com a britânica Hewland. O conjunto incluía um diferencial central capaz de distribuir de 60% a 75% do torque para o eixo traseiro, favorecendo a tração e o equilíbrio em alta velocidade. A transmissão manual de cinco marchas, também desenvolvida pela Hewland, completava o conjunto mecânico voltado ao desempenho máximo nos ralis.
Do Delta de verdade, esse carro só aproveitava o nome. Isso porque ele tinha estrutura tubular e a carroceria em fibra de carbono e Kevlar, que garantiam muita leveza e rigidez torcional. Visualmente é um carro pouco atraente. Assim como o Peugeot 205 T16, A traseira era móvel para dar acesso ao motor. Na parte frontal, capô e para-lamas formavam uma peça única.
Para homologação, a Lancia produziu a versão Stradale, adaptada para as ruas, com 250 cv e acabamento mais refinado. Por dentro, a versão “de rua” tinha bancos e painéis revestidos em Alcântara, ventilação e rádio.
Ele ainda contava com itens obrigatórios de sinalização, assim como dimensões dos para-choques como os exigidos por lei. Ou seja, o mínimo de recursos para viabilizar a versão de corridas, que era a que realmente importava.
Apesar de ter menos da metade da potência e ser mais pesado, a Lancia divulgava que o S4 Stradale era capaz de acelerar de 0 a 100 km/h em 6,0 segundos. A velocidade máxima declarada era de 225 km/h. Com isso dá para imaginar como era o comportamento brutal do carro de competição, que em boa parte das provas despejava todo torque em terrenos de baixa aderência, repletos de obstáculos e condições de visibilidade nem sempre limpas.
O Delta S4 estreou oficialmente no RAC Rally de 1985, com vitória de Henri Toivonen e Neil Wilson. Em 1986, dominou as provas iniciais do Mundial e garantiu títulos nacionais e europeus. O carro participou de 12 ralis e acumulou cinco vitórias.
Mas o sucesso foi ofuscado por uma tragédia: fatal de Toivonen e do copiloto Sergio Cresto no Tour de Corse de 1986 marcou o fim do Grupo B. O FIA encerrou a categoria meses depois, encerrando também a curta carreira do S4.
A tragédia impactou os planos da Lancia no WRC, que precisou descartar o carro, assim como a versão ECV, que tinha carroceria mais aerodinâmica e que iria disputar o Grupo S (que também foi extinto junto com o Grupo B). Mesmo assim, seu sistema de tração integral serviu de base para o desenvolvimento do Lancia Delta HF 4WD, de produção, que estreou em abril de 1986.
O carro ajudou o finlandês Juha Kankkunen a conquistar dois títulos no WRC, nos anos de 1987 e 1991, além de outros dois campeonatos para o italiano Miki Biasion, nas temporadas de 1988 e 1989.
Hoje, o Delta S4 Stradale é uma raridade e dificilmente é colocado em leilões. Um dos últimos registros de certames do bólido foi em 2019. A RM Sotheby’s, leiloou uma unidade ano 1985 por 1,04 milhão de euros. Algo que corresponde a R$ 6,4 milhões, na cotação atual.
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A categoria era insana, parece que em algumas etapas, a potência chegava a passar dos 600cv.