Políticas eficientes e produção arrojada deram margem competitiva aos chineses, mas não haverá vencedores ou perdedores de um só lado
“Um meteoro que assusta os dinossauros.” Foi assim que a BYD comparou sua entrada no mercado brasileiro, fazendo referência à extinção das montadoras tradicionais.
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A declaração foi dada em carta aberta no mês passado. No texto, a chinesa elevou o tom das críticas às marcas ocidentais e japonesas da Anfavea, que, ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, alegaram supostas mentiras nos planos da BYD no país.
Mas será que o meteoro é realmente tudo isso? Para diferentes analistas, sim e não.
O golpe mais claro e imediato da BYD é justamente nas vendas: até julho, a fabricante do Dolphin, junto à GWM, respondeu por 7,16% dos automóveis emplacados no Brasil.
Foram 75.879 carros chineses, representando cerca de R$ 13 bilhões que, em tese, poderiam ter ido aos bolsos de montadoras tradicionais.
O impacto disso, entretanto, é ainda maior se considerado o fator fidelidade. Isso porque, segundo uma teoria consagrada no mercado automotivo, quem está comprando um BYD e gostando do que recebeu tende a se manter cliente da chinesa.
“Também há o fator boca a boca, que é muito importante em segmentos que geram insegurança no dono”, explicou ao Autopapo um executivo que vive fenômeno semelhante no setor de picapes médias.
Nessa categoria, aponta, uma das maiores dificuldades é atrair clientes de longa data da Toyota Hilux, que desconsideram opções mais novas devido à confiança nos japoneses.
Segundo dados da Associação Brasileira de Veículos Elétricos, a BYD responde por 41,2% das vendas de eletrificados no país, sendo 76,7% considerando apenas carros 100% elétricos.
Caso essa proporção se mantenha daqui a uma década, por exemplo, o lucro cessante das marcas ocidentais poderia, aí sim, causar extinções.
Frequentemente, leitores criticam a margem de lucro dos carros nacionais, que estariam entre as maiores do mundo. É algo difícil de mensurar, dado que poucas montadoras, em seus balanços financeiros, divulgam resultados específicos do Brasil.
Uma delas é a Renault, que, em auditoria à qual a reportagem teve acesso, obteve lucro médio de 6,5% por veículo em 2022 e 2023. Informações contábeis parciais da Toyota, Stellantis e Volkswagen indicam números parecidos: de 6% a 10%.
Tais margens são equivalentes às praticadas no resto do mundo, também com base nos documentos contábeis. Como explicar, então, os descontos gigantescos que os carros elétricos das marcas ocidentais ganharam após a chegada da BYD?
Segundo Milad Kalume Neto, da consultoria automotiva K.LUME, é uma estratégia de redução de danos: sem chance de sucesso com preços mais altos, as marcas preferem esvaziar o pátio para conter a sangria.
“A montadora tenta zerar o estoque reduzindo margens (às vezes próximas de zero). Isso pode ser feito concedendo descontos elevados ou até assumindo parte do prejuízo, com a finalidade de evitar uma situação pior, como um estoque parado por muito mais tempo”, diz o especialista.
No fim das contas, o maior trunfo das montadoras chinesas é a eficiência, que tem a ver com forte incentivo estatal em pesquisa e desenvolvimento de produtos e produção verticalizada.
Nesse arranjo, gigantes como a BYD cuidam até de extrair os elementos químicos que darão vida às suas baterias.
Ao mesmo tempo, a indústria siderúrgica chinesa é, de longe, a maior do planeta. O país também conta com atividade local no que se refere a chips, inteligência artificial e outras novidades relevantes para os carros do futuro.
Sem contar o vasto mercado consumidor, que já prefere marcas locais e, a partir disso, gera caixa para mais investimentos.
Nem tudo é triunfo, porém: um estudo da consultoria AlixPartners estima que, das 129 marcas de carros elétricos chinesas que existem hoje, só 15 sobreviverão a médio e longo prazo.
É uma competição estimulada pelo próprio Partido Comunista Chinês, que vê isso como parte da “seleção natural”. Ao mesmo tempo, o PCCh já disse que seguirá atuando para que o país, em sentido amplo, caminhe para ser líder dos carros elétricos.
No fim das contas, o meteoro promovido pela eletrificação está chegando, e já foi anunciado antes mesmo da BYD. A extinção, no entanto, não será completa e nem poupará a China.
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