Montadoras podem entrar em colapso com as novas tarifas de Trump

Montadoras, aliados e rivais criticam a medida, que pode encarecer carros em até US$ 10 mil e gerar revide do Canadá e Europa

Donald Trump e Elon Musk expondo carros da Tesla Crédito Casa Branca 3
Até Elon Musk, principal aliado de Trump, 'reclamou' do tarifaço (Foto: Casa Branca | Divulgação)
Por Eduardo Passos
Publicado em 30/03/2025 às 13h00

Na última quarta-feira (26), o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou que todo automóvel importado para o país receberá uma tarifa extra de 25%. A medida, segundo Trump, visa estimular a indústria e vale a partir de 3 de abril. A partir de maio, a taxação de 25% também será aplicada a todo tipo de peças automotivas.

Analistas frisam que, desde o início do mandato de Trump, essa seria uma das medidas mais drásticas da guerra comercial iniciada pelo presidente. Até Trump parecia pensar assim, a ponto de ter adiado a taxação dos carros por um mês antes de, finalmente colocá-la em vigor.

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A recepção por parte das grandes montadoras norte-americanas (Ford, General Motors e parte da Stellantis) foi ruim, mas, à ocasião do anúncio, todas pareciam preparadas, uma vez que já tinham feito duras críticas à ideia desde que ela foi proposta, no início do ano.

Dessa vez, porém, até Elon Musk pareceu se incomodar: o bilionário vem agindo como braço direito da gestão de Trump, que inclusive comprou, simbolicamente, um Tesla para promover a montadora do aliado.

Em uma postagem no X (ex-Twitter), porém, Musk comentou com discrição a medida, assumindo que também sentirá o golpe. “Para ser claro, isso também afetará o preço das peças de carros da Tesla que vêm de outros países. O impacto no custo não é trivial”, afirmou.

Entenda, em 5 pontos, o porquê dessa tarifação estar causando tantos protestos ao redor do mundo:

1. Risco de inflação

Desde os anos 1980, montadoras norte-americanas começaram a transferir parte da manufatura para lugares como o México, onde salários eram mais baixos e as leis trabalhistas eram mais flexíveis. O Canadá, por sua vez, oferecia benefícios fiscais e mão de obra especializada que, eventualmente, não existia em mesma quantidade no vizinho ao sul.

Desde então, os três países aproveitaram o USMCA (antigo Nafta), um largo acordo comercial que dá isenção fiscal para diversos produtos, incluindo o setor automotivo. Como explica o CEO da Ford, Jim Farley, foram anos para chegar nesse arranjo e seria impossível retornar as fábricas para os EUA em pouco tempo.

O CEO da Ford Jim Farley Foto Divulgação
O CEO da Ford, Jim Farley (Foto: Ford | Divulgação)

Farley dá a entender que, por mais que as tarifas de fato entrem em vigor, acredita que elas não durarão muito. O vice-presidente financeiro da General Motors, Paul Jacobson, pensa da mesma forma: “se isso realmente virar permanente, então há várias que precisamos pensar diferente”, ponderou. Ele ainda afirma que é melhor aguentar o impacto financeiro: “não podemos ficar zanzando com os negócios para lá e para cá assim”, afirmou a investidores há algumas semanas.

Estima-se que cerca de 60% dos veículos que a General Motors vende nos EUA vêm de outros países. Logo, dizem diferentes casas de análise, a tendência é que, em um primeiro momento, as tarifas sejam repassadas aos consumidores, com veículos até US$ 10.000 mais caros.

2. Balança desfavorável

Ainda que os Estados Unidos sejam o país que mais representa a cultura do carro, é notável o enfraquecimento das fábricas locais.

Além das próprias conterrâneas terem mandado a produção para o exterior, os EUA são grandes compradores de marcas japonesas, alemãs e coreanas. Toyota, BMW, Volkswagen, entre outras, também mantêm plantas no México e Canadá, e também devem encarecer seus produtos.

Segundo dados do Observatório de Complexidade Econômica, em 2024 os norte-americanos importaram cerca US$ 220 bilhões em veículos e peças. A exportação, entretanto, foi de apenas US$ 59 bilhões. “A importação excessiva ameaça a base industrial e a cadeia de suprimentos da América”, disse a Casa Branca em comunicado acerca da medida.

A reversão dessa conta negativa, porém, é inegavelmente demorada: a fins de referência, a Stellantis anunciou, em 2023, que reabriria uma fábrica desativada no estado de Illinois. Mesmo com a estrutura pré-existente, a previsão é de que a linha só comece a rodar em 2027.

3. Problemas com o Canadá

Desde o início de seu mandato, Donald Trump vem transformando a longa relação de amizade que existia entre Canadá e Estados Unidos. Com exceção de ameaçar invadir o país, a tarifa no setor automotivo é a medida mais agressiva contra os vizinhos até agora, e será retaliada.

O novo primeiro-ministro canadense, Mark Carney, afirmou que a medida é um sinal de que “os laços de amizade estão se rompendo”. Carney prometeu que seu país irá taxar os EUA, mas em segmentos ainda secretos. De acordo com o premiê, o revide causará impacto superior a US$ 100 bilhões nos estadunidenses.

4. Problemas com a Europa (e medo para a Volkswagen)

Fábrica da Volkswagen no México Foto Divulgação
Fábrica da Volkswagen no México (Foto: Volkswagen | Divulgação)

No caso da União Europeia, os problemas com Donald Trump vêm desde quando o presidente dos EUA começou a falar de invadir a Groenlândia. A situação piorou quando, de maneira inesperada, Washington mudou completamente sua relação com a Ucrânia e deixou países como Alemanha e França com gosto de traição.

Com a paciência escassa, o primeiro-ministro alemão, Olaf Scholz, disse que “os Estados Unidos escolheram um caminho cujo final só tem perdedores”. Ele tem motivos para se irritar, pois a Volkswagen é a marca europeia que mais exporta para os EUA.

Atualmente, a Volks tem apenas uma fábrica no país, e concentra boa parte da produção voltada às Américas no território mexicano. Nos últimos anos, a companhia apresentou forte prejuízo ao perder mercado na China, contando com os Estados Unidos para se recuperar. Agora, a missão fica ainda mais complicada.

“Toda a indústria, com suas cadeias de suprimento assim como os clientes, terá de lidar com as consequências negativas disso”, afirmou a VW em comunicado.

5. A lenda do ‘carro nacional’

Outro choque de realidade previsto por analistas é o fato de, na prática, ser praticamente impossível fabricar um automóvel apenas com matéria-prima e peças vindas do próprio país.

Segundo um ranking da American University, um Ford que é fabricado nos EUA usa, na verdade, 46% de peças vindas de fora. Um carro da Hyundai, que anunciou US$ 21 bi em investimentos para produzir no país, tem 83% de peças importadas, ainda que seja tecnicamente “made in America”.

De um lado, Donald Trump tem fé inabalável no seu plano, prometendo uma recuperação industrial que deixará todos boquiabertos. De outro, a consultoria Cox Automotivo prevê queda de 20.000 carros na produção semanal do país, com risco de parada total das fábricas já no mês.

“Vamos ser bem honestos: essa tarifa de 25% abrirá um buraco jamais visto na indústria americana”, profetizou ainda o CEO da Ford.

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