Multa de trânsito: você não cometeu a infração, mas tem que pagá-la

Atualmente no Brasil, infrator não é o motorista, mas o carro. Será que a nossa lei já previa o automóvel autônomo?

Multa debaixo da porta
Uma surpresa desagradável: receber uma multa por infração que não você não cometeu (Fotomontagem: Ernani Abrahão | AutoPapo)
Por Boris Feldman
Publicado em 22/02/2025 às 09h00

Um dos maiores absurdos praticados hoje contra o motorista brasileiro é obrigá-lo a pagar por uma multa de trânsito por infração cometida pelo dono anterior do veículo. É de um surrealismo kafkiano e difícil acreditar que um órgão público tenha coragem suficiente para afrontar o cidadão de modo tão vergonhoso. Entra na lista dos surpreendentes desaforos públicos…

Como se desenrola?

Ao se comprar um carro usado, há uma série de exigências do órgão público a serem observados, não só por quem compra, mas também pelo vendedor. Um deles é obter o “Nada Consta” no Detran, que comprova não haver débitos pendentes de multas ou outros tributos até aquela data. No caso de alguma pendência, ela deve ser quitada para viabilizar a transação.

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Assim que efetivada, o comprador comunica a transferência ao Detran por um documento que era chamado de DUT (Documento Único de Transferência) utilizado (em papel) até 2020. Desde então foi substituído pelo o APTV-e (Autorização para Transferência de Veículo- eletrônico). Embora o cartório onde se reconheceram as firmas do vendedor e comprador já esteja conectado ao Detran, a quem a operação é comunicada eletronicamente.

Como cuidado adicional, o vendedor também deve registrar no órgão de trânsito a transferência de propriedade. Para evitar ser responsabilizado por infrações que poderão ser cometidas pelo comprador. Mas, a recíproca não é verdadeira.

multa de trânsito sendo aplicada - exame toxicológico
Foto: Shutterstock

Desagradável surpresa

Apesar de cumpridas todas as formalidades, ainda pode surgir uma inesperada e desagradável surpresa por absoluto desrespeito do Detran com o comprador do carro, verdadeiro escândalo: semanas ou até meses depois de estar de posse do automóvel, o novo dono pode ser surpreendido com a cobrança de uma ou mais notificações atrasadas relativas a infrações cometidas pelo dono anterior.

Não adianta espernear: por mais surrealista e imoral que seja, é muito mais prático para o Detran cobrar do novo dono, embora o órgão tenha nome, endereço, CEP, RG e telefone do proprietário anterior, que cometeu de fato a infração. Mas responsabilizar o atual é muito mais prático, fácil e de efeito imediato pois, caso não pague pela infração que não cometeu, tem os pontos registrados no prontuário, o valor vai para a dívida ativa e impedido de transferir o carro.

O Detran, consultado, recomenda – hipocritamente – que o novo dono cobre a multa do anterior. Solução no mínimo risível, num país em que sequer passa pela cabeça de alguém entrar na Justiça para cobrar o valor de uma multa de trânsito. Para que complicar o que se pode simplificar, deve ser o raciocínio egoísta, tacanho e velhaco do governo…

Governo federal barra mudança

Parlamentares indignados com esta aberração já tentaram eliminá-la, mas foram barrados pelo governo federal, pois, apesar de ser uma óbvia distorção, beneficia os cofres públicos.

Uma nova tentativa é o projeto de lei do deputado Pedro Junior, do Tocantins, aprovado no mês passado pela Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados, por seu relator, o deputado Gilberto Abramo, do Republicanos de Minas.

Este PL desvincula do veículo e de seu novo dono as infrações praticadas pelo anterior e lançadas com atraso no Sistema de Registro Nacional de Infrações de Trânsito.

Entretanto, muita água ainda vai rolar debaixo da ponte até que talvez seja cancelada esta aberração, pois o projeto ainda deverá ser aprovado por outra comissão, a de Constituição, Justiça e Cidadania. Depois, pela Câmara e Senado. E ainda corre o risco – como já ocorreu no passado – de o projeto ser aprovado pelos parlamentares, mas vetado pelo Presidente da República. Preocupado em preservar esta arrecadação, por mais imoral que seja.

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