No Brasil, Nissan mantém operação com carros defasados, flopou com o novo Kicks e agora busca salvação com uma espécie de Agile japonês
A Nissan vive um calvário sem fim, com acúmulos anuais de prejuízos. Só no ano fiscal de 2024, o rombo foi de US$ 4,5 bilhões. Se não bastasse o casamento com a Renault beira o litígio e tentativas de novas parcerias, como foi arquitetado com a Honda, deu água.
VEJA TAMBÉM:
A amargura da Nissan se dá por não conseguir competir no segmento eletrificado, além de uma penca de reclamações de qualidade e falhas de atendimento, principalmente nos Estados Unidos, onde a marca coleciona campanhas de recall. Entre as medidas corretivas estão o fechamento de fábricas e o corte de 20 mil postos ao redor do mundo até 2027.
E nesse contexto a filial brasileira reflete os impactos com uma gama limitada e envelhecida. E se não bastasse, quando buscou renovar, precisou carregar no preço para custear a terceirização de componentes, por não ter nada na prateleira.
Enquanto as rivais apostam em conjuntos híbridos e motores turbo, a Nissan ainda recorre aos velhos blocos aspirados. E quando precisou ir além, teve que comprar da Horse (fábrica de motores da Renault e Geely) um motor turbo para seu mais recente lançamento. Sua sorte é que ainda tem um carro velho para segurar as vendas, o Kicks (Play). E ainda apostará numa estratégia antiga para manter no jogo.
O cenário atual da Nissan brasileira é parecido com o que aconteceu com General Motors do Brasil, em 2008, quando a matriz precisou pedir ajuda financeira ao governo norte-americano. Naquela época, a filial brasileira sentiu na carne e precisou rebolar com uma gama empobrecida, como Agile, a segunda geração da Montana, Cobalt e Spin, além dos veteranos Celta e Classic, claro.
Mas o caso da japonesa é pior. A começar que o mercado mudou. Hoje, o custo de fabricação escalou a patamares impensáveis há 15 anos. Em 2020, em coletiva remota com a imprensa automotiva, o então presidente da filial brasileira, Marco Silva, se queixou do impacto dos equipamentos de segurança no custo de fabricação de um automóvel, principalmente se for compacto. “Há grandes marcas que conseguem um volume de 200 mil unidades e com margem menor, mas essa não é nossa realidade e nem interesse”, comparou o executivo, na ocasião.
Naquela época Silva cutucava justamente a GM, que vendia o Onix a granel e precisaria espremer suas margens para viabilizar uma possível vinda da quinta geração do March, que já estava no mercado (lá fora) desde 2016. E Silva tinha razão, em 2008 a mesma GM, que amargava uma crise na matriz, poderia vender o Celta sem a necessidade de airbags, ABS ou mesmo cinto de segurança de três pontos para o passageiro do meio, na segunda fileira.
Foi o que a marca da gravatinha fez, e ainda colocou o Agile na praça, usando os mesmos insumos de carros que estavam em linha desde 1994. Em 2020, quando o chefão da filial japonesa deu sua entrevista, a indústria se preparava para a obrigatoriedade dos controles de estabilidade e tração.
Hoje a situação é ainda mais grave. Efeitos da pandemia do Covid-19, como a crise dos semicondutores e outros insumos, elevaram o custo de produção, que gira em torno de 30 a 40% do preço final do carro, de acordo com executivos da indústria. E se não bastasse, até julho, a Nissan tinha apenas um produto nacional: o Kicks.
Ela completava seu portfólio com importados Versa, Sentra e Frontier. No entanto, a picape feita na Argentina saiu de linha, e a próxima geração virá do México, a mesma origem dos sedãs.
Até o lançamento da nova geração do SUV, a marca tinha licenciado 29.530 unidades do Kicks, de acordo com o balanço da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave). Não é um número ruim, mas nada confortável para uma planta capaz de produzir 200 mil unidades anuais esperando poder chegar perto dos 270 mil carros.
Com a chegada do novo Kicks, a Nissan manteve a primeira geração em linha. E fez bem. Afinal, o novo modelo chegou caro demais, com preço inicial de R$ 165 mil e poderia chegar a R$ 200 mil na versão topo de linha.
O novo Kicks não é o único SUV nessa faixa de preço. Rivais diretos como o líder VW T-Cross, Jeep Renegade, Hyundai Creta têm versões nessa faixa de preços. Alguns já superaram, como é o caso do Honda HR-V.
O problema é que o Kicks é um equipado com motor 1.0. Não é um demérito ao bloco TCe 1.0 turbo de 125 cv e 22 kgfm de torque. Pelo contrário, o motor é ótimo e a caixa de dupla embreagem oferece uma excelente combinação.
A questão é que o Kicks recolhe menos IPI que seus rivais que utilizam blocos, 1.3, 1.4, 1.5 e 1.6. E se considerarmos o SUV é equipado com o mesmo motor do Renault Kardian, parte de R$ 113.690 com o mesmo conjunto mecânico e também pode ser equipado com os mesmos assistentes de condução do Kicks, fica claro que há um descompasso.
O caro leitor pode até retrucar: “mas o Kicks é mais sofisticado e se posiciona em um segmento acima do Kardian!” De fato são segmentos distintos, mas a Nissan errou na estratégia de preços, a ponto de iniciar, na primeira semana de outubro, uma campanha de descontos que pode chegar a R$ 25 mil, além de condições especiais de financiamento.
Fato é que ela confiou demais na boa fama de seu velho SUV, acreditando que os satisfeitos clientes do Kicks (original) iriam se deixar seduzir pelos encantos do novo modelo. Mas com preços tão elevados, não existe fidelidade que resista.
E dois meses após a chegada da nova geração, os emplacamentos somados das duas carrocerias do Kicks acumulam 40.588 emplacamentos, segundo a parcial de setembro publicada pela Fenabrave. De acordo com a Autoesporte, as vendas do Kicks Play correspondem a 66% das 6.319 unidades licenciadas no mês passado.
Não é preciso ser um analista de mercado para ver que a Nissan tentou acelerar a amortização do investimento no novo Kicks, que inclui o fornecimento do conjunto mecânico, importação de componentes de alta tecnologia e demais insumos que pesam na conta. Os gastos para adequar a fábrica e lançar a nova geração do utilitário-esportivo demandaram R$ 2,8 bilhões.
No entanto, a Nissan tem uma carta na manga e vai recorrer a uma estratégia parecida com a que a GM fez há quase duas décadas. Ela também se prepara para lançar o Kait.
O Kait nada mais é que maquiagem profunda no Kicks Play. Isso mesmo, assim como o Agile era uma sobra do Corsa. O SUV está em fase avançada de desenvolvimento e tem sido flagrado em rodovias do sudeste. Mas não espere novidade, pois ele manterá o velho motor 1.6 de 113 cv do Kicks Play.
Enquanto isso, rivais como a Honda prepara a estreia do WR-V e a Toyota já tem pronto o Yaris Cross, que sofreu novo atraso depois da tragédia da fábrica de motores de Porto Feliz (SP). Os dois com opções eletrificadas e tecnologias que parecem ficção para a combalida marca de Resende (RJ).
👍 Curtiu? Apoie nosso trabalho seguindo nossas redes sociais e tenha acesso a conteúdos exclusivos. Não esqueça de comentar e compartilhar.
![]() |
![]() |
![]() |
![]() |
![]() |
Ah, e se você é fã dos áudios do Boris, acompanhe o AutoPapo no YouTube Podcasts:
![]() |
![]() |
Engraçado encerrar dizendo que o WR-V vai ser lançado com opção eletrificada, sendo que ele já foi lançado e usa o mesmo 1.5 aspirado de sempre da Honda.
Sinceramente, o maior problema da Nissan (e da Renault também) é que eles até sabem fazer bons carros, mas não sabem vender. Fazem um monte de estratégias e promessas de que “agora vai”. Mas quando um modelo novo é lançado, sempre aparece pelo menos uma (quando não são duas ou três) coisas que desagradam bastante os possíveis clientes.