O Golzinho 1000 humilhou a Mercedes AMG na chuva

Gol 1000 passou voando por uma C36 AMG e uma M3 em plena tempestade. Relembre os “vícios de suspensão” dos anos 90

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Quem vê cara, não vê coração! (Foto: VW | Divulgação)
Por Eduardo Pincigher
Publicado em 04/10/2025 às 15h00

Ao longo das últimas décadas, notei que os carros melhoraram bastante o comportamento dinâmico. Talvez nem tanto pelas arquiteturas construtivas das suspensões, que, basicamente, não trouxeram novidades. Mas sim pela ação incisiva e vasta da eletrônica. É fato que você não se depara mais com grandes vícios – ou pode chamar de “características técnicas” – nos automóveis modernos que criem dificuldades ou incômodos ao volante. E isso era extremamente comum no passado. “Ah, eu não gosto de GM porque sai de frente”. “Eu odeio Volkswagen. A calibragem é dura e sai de traseira…”

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Puxando pela memória, eu lembrei de algumas características bem comuns das quatro principais fabricantes dos anos 90:

  • Todo carro de tração dianteira da GM tinha comportamento subesterçante. Quando você entrava rápido numa curva com Kadett, Monza, Vectra, Corsa etc, eles saíam de frente. Era só dar uma tirada de pé e virar mais o volante para dentro da curva. Esse acerto facilitava a vida de quem era dono de um Chevrolet, à medida que “trazer de volta” uma saída da frente é bem mais fácil que de traseira. Nas raras situações, porém, em que andei com algum desses carros em autódromo, essa tendência subesterçante era muito chata. E não vinha tempo… Você estava pilotando um Kadett em Interlagos, por exemplo, e fazia a tomada do Laranjinha. A frente apontava para o muro…rs. Tinha que tirar o pé, virar o volante e esperar o bendito se aprumar de novo.
  • Qualquer Ford da família Corcel tinha cargas de molas e amortecedores muito macia. Ele adernava com gosto nas curvas acentuadas. Parecia um veleiro. Mas o cliente da marca apreciava o conforto de Del Rey e cia. Eu detestava. Mas eu não era fordista, então… minha opinião, aqui, não conta.
  • A suspensão traseira do Uno quicava. Como uma bolinha de ping-pong. Em razão da mola semielíptica transversal, que proporcionava menor curso de suspensão que a helicoidal, e da geometria de direção, que trancava a frente, você entrava rápido com um Uno numa curva… e a roda traseira se erguia facilmente. Uma vez, eu andei atrás de um colega que estava pilotando um Mille nas “24 Horas de Motor Show”, quando pusemos 22 carros 1.0 pra rodar durante um dia inteiro em Interlagos. Pois o Mille, no Bico de Pato, chegava a levantar as duas rodas do lado direito – lembre-se que a curva é pra esquerda. Como o asfalto de Interlagos tem muita grip, ele não escorregava quase nada. E a carroceria se erguia perigosamente… a 50 km/h.
  • Os modelos da Volks, quando você tirava o pé no meio de uma curva, eram sobresterçantes. Família BX (Gol e trupe), Santana, Quantum, todos eles. Era só aliviar o acelerador e a traseira vinha… Ao contrário da GM, os carros da marca proporcionavam um acerto ligeiramente mais esportivo, típico de quem gostava de pilotar. É bem verdade que essa “traseirada” era bem sutil e fácil de corrigir. Mas não tão fácil, para motoristas leigos, como no caso dos modelos GM. Ao andar em uma pista, porém, vinha tempo no cronômetro e sorriso no rosto.

Não era só carro nacional

Esses vícios acometiam carros importados, igualmente. Por limitações técnicas frente ao que nos deparamos hoje, muitos deles tinham particularidades bem interessantes. Em 1995, eu participei do lançamento do Renault Mégane, com um test drive realizado no sul da Espanha, em estradas bem sinuosas. Nunca gostei tanto do acerto de suspensão de um carro… mas fui obrigado a criticá-lo na reportagem que escrevi. Ocorria exatamente essa circunstância que acabei de descrever nos carros da VW: você vinha rápido numa entrada de curva, tirava o pé no início da tangência e ele vinha que vinha… soltava muito a traseira, a ponto de ter de cruzar os braços no contra esterço. Era uma delícia pra quem gostava de pilotar… mas nem tanto para motoristas leigos.

Outra particularidade que me lembro, um tanto quanto esquisita, consistia no curso do pedal de freio dos carros da Citroën. Aliás… qual curso? Não tinha! Aqueles centímetros que você se acostuma a usar até os freios começarem a atuar… não existiam nos primeiros modelos franceses.

Quem é o demônio capaz de ultrapassar minha C36 AMG?

Já contei aqui da minha experiência, também, em um comparativo entre BMW M3 e Mercedes C36 AMG. Acho que foi em 1997, na revista Motor Show. Dividia a matéria com meu colega Douglas Mendonça. E cismamos de fotografar (e acelerar) em algum autódromo, claro. Mas Interlagos estava indisponível. Conseguimos armar com um empresário/piloto em sua pista particular, numa fazenda em Botucatu. Pegamos a rodovia Castello Branco…

Caiu uma tempestade. Mas uma chuva daquelas torrenciais. Eu estava na C36 e, logo após a entrada de Sorocaba, a estrada afunila para duas faixas e você só encontra longas retas, com subidas e descidas. Reduzi a velocidade pra 110 km/h, tal a instabilidade da traseira (eixo de tração) do carro. Como havia lâminas espessas de água descendo pela pista, os pneus não davam conta da vazão e o carro aquaplanava. Mas muito. Chegava a ficar 2 ou 3 segundos “totalmente passageiro”. Como eram só retas, não sugeria ser tão perigoso. Olhei para o retrovisor e o Mendonça vinha igualzinho com a M3, abanando de um lado a outro.

Passamos a andar a 90 km/h. Os carros não tinham a potência de hoje, na casa dos 500 cv. Mas, mesmo assim, rendiam entre 280 e 300 cv. Só que não tinham qualquer controle eletrônico de tração e estabilidade. Resultado: você fazia drifting na reta. Não havia como transmitir torque para o asfalto. Qualquer aceleradinha a mais… e a traseira ia embora.

Inesperadamente, vejo o Douglas ligar a seta para dar passagem a alguém. Penso: “quem será o demônio capaz de andar mais rápido que a gente nesta tempestade?” Avisto logo: um arrojado Gol 1000, carburado, dando farol alto. Com seus pneuzinhos 155, ele evitava mais o aquaplaning do que os nossos exagerados pneus 245. Lá se foi o Gol 1000. Tentei acompanhá-lo, mas a C36 atravessou de novo… Fiquei quietinho. A 80 km/h.

A traseira louca

Quatro Rodas deixou de usar a pista de Limeira (era da Freios Varga, hoje ZF) pra fazer velocidade máxima algum tempo depois da chegada dos importados. Começou a acelerar em Viracopos, mas durou pouco tempo. Foi quando a revista optou pelo Campo de Provas de Cruz Alta, da GM, em Indaiatuba (SP), acho que em 1993. Íamos lá só pra fazer máxima na “reta infinita”, que é uma pista circular de 4,3 km de perímetro com inclinação constante da faixa externa.

Na estreia, quando fui conhecer a pista, tive que medir a máxima de um Alfa Romeo 164 24V (215 cv). Ainda que a pista fosse, e é, excepcionalmente segura, qualquer coisa acima de 200 km/h numa curva constante não é lá algo muito confortável. Antes de entrar na pista, os engenheiros da GM avisaram: “só tome cuidado ali na frente, pois a pista tem um ligeiro bump. Mas é coisa mínima”.

Mínima pra quem testava Corsa, Monza e Kadett. E não estava de Alfa 164 – e sua traseira louca. Foi um tremendo susto… Lembro que a madame fazia 227 ou 228 km/h de velocidade real. Ao passar pela pequena depressão na pista, em curva, a traseira da Alfa resolveu ter vida própria. Balançou duas ou três vezes pra ambos os lados. As-sus-ta-do-ra-men-te. E não havia o que se fazer, a não ser manter o pé trancado (desacelerar jamais!) e esperar que ela aquietasse sozinha. O coração vinha na boca.

Testei carros bem mais rápidos em Cruz Alta depois disso. Mas nunca mais tive nenhum susto como esse. A 164 era um carro absolutamente espetacular no início dos anos 90. Mas que a traseira era louca e tinha vontade própria, tinha.

Minha tese é que, hoje, você não vê mais essas “características peculiares” em alguns fabricantes. Ou vê… e eu tô desatualizado? Me ajude a apontar… você encontra problemas desse nível nos carros atuais? Em qual?

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