Pampa e Belina 4×4: feitas para dar errado

Gambiarra da Ford para economizar no desenvolvimento limitou uso da perua e picape 4x4 apenas em linha reta e baixa velocidade

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Pampa 4x4 era valente, mas motorista não podia girar o volante quando estivesse com tração nas quatro rodas (Fotos: Ford | Divulgação)
Por Douglas Mendonça
Publicado em 08/02/2025 às 11h00

Quem se lembra da Pampa e da Belina 4×4? Essa perua e essa picape foram lançadas no segundo semestre de 1984, para a linha 1985, por um grande fabricante norte-americano instalado no Brasil. Aparentemente, uma ótima versão, principalmente para os desbravadores de nossas estradas sem asfalto e no meio do nada. Na picape, podia-se transportar carga, e na perua, a família. Na teoria, excelente, ainda mais pelo fato de o sistema permitir ativação e desativação, de acordo com as necessidades do momento.

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Mas, para que esses modelos fossem um sucesso, era preciso que eles funcionassem bem. E é aí que mora o perigo. Como a tal marca norte-americana não queria investir muito em engenharia, desenvolveu um sistema de tração 4×4 bem simples. Eu diria até primitivo, arcaico. Como originariamente perua e picape já eram oferecidas no Brasil em versões 4×2, com tração dianteira convencional, trataram de simplesmente criar, na caixa de câmbio, uma saída de torque, ou “tomada”. Nela, era ligado um eixo cardã, que levava a força até o eixo traseiro, onde havia um diferencial.

Belina 4×4 deveria ter diferencial central, mas não

Construtivamente simples e barato, sem dúvidas. Mas, que tinha um grande problema: se você pensar que, em uma curva, as rodas dianteiras percorrem uma distância diferente das traseiras, até por conta do esterçamento, isso era um problema para a perua e picape 4×4. Afinal, com esse sistema tão simples, havia o arrastamento das duas rodas traseiras.

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Belina 4×4 prometia aventuras que a Ford só cumpriria com o EcoSport 4×4 duas décadas depois

A solução para isso estaria na adoção de um diferencial central, que compensaria a diferença de rotação entre os dois eixos. Mesmo com as rodas da frente esterçadas, esse diferencial central compensaria o “desalinho” do conjunto, trazendo harmonia na rodagem dos carros.

Só que a engenharia da tal marca optou por colocar, no manual do proprietário, que, para acionar o sistema, as rodas precisariam estar alinhadas e o volante não poderia ser girado. Sob pena de um grande esforço da transmissão e desgaste acentuado dos pneus. Ou seja: você só engataria o sistema quando chegasse na beira de um atoleiro, ou quando surgisse uma grande rampa enlameada, desde que em linha reta. Com curva? Complicava.

A tração 4×4 nesses carros era ativada por uma alavanca menor que a do câmbio, e ambas dividiam espaço no console central. E, para entrar em ação (para ser desativado, também), o veículo precisaria estar completamente parado, sem movimento, nem que fosse em linha reta. Ainda havia outra limitação séria: com ele ativado, o carro não poderia passar de 60 km/h, sob pena de danos no conjunto. Basicamente, só funcionava durante o trecho de piso ruim, seja com lama, areia ou outra coisa escorregadia. Logo após atravessar o “apuro”, era praticamente obrigatória a desativação.

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Acionamento do sistema 4×4 exigia que o veículo ficasse totalmente imóvel 

Para completar, os modelos, tanto picape quanto perua, vinham equipados com pneus cidade/campo, mais conhecidos como “lameiros”. Apesar de melhorarem a condução do carro no fora-de-estrada, faziam mais barulho no asfalto e tinham maior desgaste.

As propagandas da época tratavam a perua como um veículo de aventura para a família, ideal para “sítios em dia de chuva, praias desertas, areião, barro e ladeiras escorregadias”. A picape já era considerada quase como uma ferramenta de trabalho, para carregar carga nas “rampas difíceis, terrenos arenosos, lama, pântano, pasto e mato”. Apesar de, obviamente, não constar nas tais peças publicitárias, essas situações eram encaradas pelos modelos desde que não houvesse curvas, nem velocidades maiores que 60 km/h. Um sistema bem limitado.

Pampa 4×4 durou mais tempo no mercado

A perua durou pouco: ficou em produção por pouco mais de 1 ano e meio, pois apresentou graves problemas estruturais na adoção do sistema de tração total. Na época, eu estava na Revista Quatro Rodas, e a publicação havia comprado um modelo desses para seu teste de longa duração.

Foram tantos problemas, inclusive trincas estruturais na carroceria (detectadas apenas na desmontagem final do teste), que a fabricante pediu o carro para investigações após a publicação dos resultados da prova. Além disso, dos 50 mil km do teste, quase 30 foram percorridos com o sistema desativado: toda vez que era necessário o uso do 4×4 na unidade da revista, ele quebrava.

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Se a Ford tivesse investido melhor no sistema 4×4, ela poderia ter feito história com a dupla Belina e Pampa

Na época, a marca achou por bem comprar o carro em questão da Editora Abril, dona da Quatro Rodas, tudo para que ele não trafegasse mais, por questões de segurança. Coincidência ou não, alguns meses depois era oficializado seu fim de linha. A picape, por sua vez, servia às necessidades de sitiantes e fazendeiros, por isso durou mais: até meados dos anos 90, saindo de linha junto das outras versões 4×2 do modelo.

Se a proposta era boa, o espaço no mercado era grande, porque é, então, que não fizeram uma tração 4×4 como deveria ser feita, com diferencial central? É difícil explicar a solução no estilo de “gambiarra” em carros que tinham tudo para fazer sucesso. Perua e picape tinham porte quase médio, com conforto e robustez geral, por isso serviriam bem para famílias nos rincões do país. Se não tivessem economizado no projeto, talvez criassem uma categoria de sucesso no mercado brasileiro. Por que não?

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12 Comentários
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Alban 10 de fevereiro de 2025

Se alguém esquecer de desligar a tração 4×4 com uma camioneta carregada e fizer curva fechada no asfalto – logo, logo o sistema vái dar defeito e provavelmente quebrar. Principalmente se for veículo com transmissão manual. A Pampa e a Belina 4×4 foram fabricados para ser usados por motoristas conscientes . Poucos – nesse caso!

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Marlon Leles 10 de fevereiro de 2025

Fui proprietário de Pampa 4×4 onde simplesmente desliguei a opção de tração traseira. O que mais gostava era o tanque sobressalente. A autonomia era absurda. 65 litros no principal e mais 40 litros no sobressalente. E por incrível que pareça, o carro a álcool naquela época fazia 10km/litro fácil….

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Thiago Garcia 10 de fevereiro de 2025

O problema real era o câmbio horrível que equipava a linha Corcel e Pampa. O câmbio 5 marchas era de açúcar de tão frágil, aí resolveram transformar em 4×4, não tinha como dar certo.
Um detalhe importantíssimo que o autor omitiu é que o eixo traseiro era o mesmo Dana 30 do Opala e pasmem, a relação de coroa e peão também era a mesma do Opala e não era a mesma do diferencial dianteiro presente no câmbio da Ford e isso sim causava um grande problema de diferença de rotação entre os eixos dianteiro e traseiro.

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Danilo 9 de fevereiro de 2025

Curioso a visão do jornalista… De acordo com a avaliação dele da Belina e da Pampa 4×4, a Hilux, Ranger, Pajero Sport e diversos outros 4×4 do mundo foram feitos p dar errado! Kkkkk… você não entende bolhufas nenhuma de carros!!!

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Edson T Pellegrini 9 de fevereiro de 2025

Acho que o cara não gosta da Ford… Isso sim…
Se referindo a uma tal marca? Kkkkk
A Ford só não tá aqui por questões políticas…
Tem tanto carro pior e não falam nada

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Leo lima 9 de fevereiro de 2025

Para criticar um carro 4×4 é preciso algum conhecimento, o que passou longe dessa reportagem. QUAIS CARROS NO MUNDO eram AWD em 1984 ??? E quais 4×4 part time tinham preço de Belina ?? Brasileiro tem o péssimo hábito de desmerecer carro que não sabe dar manutenção ou usar…

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Cleber 9 de fevereiro de 2025

Sou Engenheiro Agrônomo e proprietário rural e Fui um Feliz proprietário de uma Pampa 4×4 ano 1991. A pampa Atendia perfeitamente minhas necessidades, meu único arrependimento foi vendê-la para outro Engenheiro Agrônomo e pesquisador do IAC que me pediu para vendê-la à ele que precisava de um veículo desses e não estava encontrando no mercado…

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Renê Glienke 9 de fevereiro de 2025

Lamentável a matéria, pois a proposta usada pela Ford foi com vistas a reduzir custos de produção e consequentemente o preço final. O carro se bem usado, com base no manual, permitia ao veículo superar situações no fora de estrada, que um 4×2:teria dificuldades. A Gurgel também se utilizou de uma solução caseira, como forma de propor veiculos fora de estrada. A Belina teve menos procura e por isso se manteve a produção somente da Pampa 4×4, baseado unicamente no que o mercado revelava em números. Gambiarra é um termo para muitas das reportagens da 4Rodas que às vezes trazia uma imagem na capa e ao se acessar a reportagem se limitava a duas páginas.

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Rodrigo Amaral Visconti 9 de fevereiro de 2025

Não tinha nada de errado com o sistema, aliás ainda é assim até hoje! Pouquíssimos 4×4 da atualidade tem diferencial central. A questão é que o público que comprava não tinha conhecimento para utilizar de maneira correta. As F1000 4×4 utilizavam exatamente o mesmo sistema, porque foram um sucesso? E até as F250 4×4 também não tinham diferencial central até o fim da vida.

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Ingo 10 de fevereiro de 2025

Pra fazer do jeito “certo” precisaria fazer um chassi, aí já não seria mais a pampa e sim uma mini f75, o que a ford fez foi implementar uma solução para problemas, mas imaginou que brasileiro sabia ler e interpretar. Se fizesse hoje talvez ainda não daria certo…

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Rodrigo Amaral Visconti 10 de fevereiro de 2025

Estou dizendo que a Ford já tinha feito do jeito “certo”, o carro não tinha nada de errado, nem mesmo a falta de chassi. Inclusive essa é outra característica dos carros atuais. Duster, Compass, Rampage, etc, são 4×4 monoblocos e cumprem o seu papel. E seguindo seu exemplo, a F75 também não tinha diferencial central e também quebrava cruzeta ou diferencial quando usada no asfalto.

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Paulo Abreu 9 de fevereiro de 2025

Lembro bem dessa Belina 4×4 de Longa Duração da Quatro Rodas. Eu comecei a ser leitor assíduo da revista mais ou menos nessa época, ainda pré adolescente qdo me apaixonei pelo Gol GT q acabava de ser lançado com aquele impactante comercial “GOL GT 1.8. ISSO DIZ TUDO!!!” E fiquei ainda mais apaixonado pelos GTS e GTi, no qual vc Douglas, foi até o Uruguai e Argentina com o GTi de Longa Duração. Bons tempos.
Voltando a Belina 4×4, meu irmão teve uma adquirida usada em 1988. Ele chegou a ir pro Pantanal com ela. Sorte a dele q ele não teve problemas com ela por lá, mas sim perto de casa mesmo, com esses constantes problemas do 4×4. Uma pena a Ford não ter dado o devido zelo a um de seus best sellerers.

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