Pequenas histórias de décadas de jornalismo automotivo

Em décadas de profissão, o jornalista relembra momentos de sua carreira, numa época em que executivo e repórter trocavam confidências

ford escort 1984 frente e lateral
Antes do lançamento, chicolelis viu de perto o Ford Escort, mas guardou segredo a pedido do então presidente (Foto: Ford | Divulgação)
Por Chico Lelis
Publicado em 19/11/2023 às 17h03

Nesta semana vou falar, ou melhor, escrever, entre outras coisas, de uns tempos em que havia plena confiança das fontes nos jornalistas. A fonte pedia sigilo e era atendida, sem qualquer problema. Eram outros tempos, em que os repórteres podiam apurar bem as informações, sem as neuras de hoje, que os obriga a publicar tudo a “toque de caixa”.

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Um exemplo disso aconteceu comigo, quando, em uma visita à Ford, em São Bernardo do Campo, quando trabalhava em O Globo, (Sucursal de São Paulo). O presidente das fábrica era Bob (Robert) Gerrity, um norte-americano, natural de Bellaire (Michigan), do tipo simpático que se dava bem com todo mundo (O Seccão – Luis Carlos Secco – , chefe de Imprensa da Ford à época, é testemunha disso).

Pois bem, no meio da entrevista Bob me pergunta: você seria capaz de guardar um segredo. Claro que respondi “sim”!. Subimos em um carro e ele me levou até um galpão onde pediu que tirassem o tecido que cobria um automóvel (ele ajudou a fazer isso) e me mostrou, em primeira mão, o Escort, muito antes do lançamento do carro, que aconteceu em agosto de 1983, ou seja há 40 anos.

Gerrity abriu a porta e pediu que eu entrasse no carro e dissesse o que eu achava do conforto. Disse que era um pouco apertado para mim, no banco traseiro, com os meus 1,88 m, sendo 1,17 m de pernas.

“É apertado para mim também, respondeu com um sorriso, se aproximando para que eu pudesse ver que ele era um pouco mais alto que eu.

Nada publiquei sobre o carro, até que ele foi lançado, poucos meses antes de deixar O Globo e assumir a gerência de Imprensa da GM. Nem na fábrica de São Caetano fiz qualquer comentário.

Profecia? Ou ele já sabia?

Ia me esquecendo: por mais de uma vez, Gerrity afirmou que uma fábrica, cujo nome tinha quatro letras, que começava com a letra “F”, deixaria o Brasil. E não era a Ford. A Imprensa corria em direção à Fiat e seu diretor de Vendas, Alberto Fava, se desdobrava para dizer que não era a italiana. Menos de 40 anos depois, a profecia de Gerrity se concretizou e a Ford foi quem nos deixou. Será que, nos anos 80, ele já sabia?

Dois simpáticos no Sindipeças

Falar hoje em Sindipeças é possível que poucos saibam do que se trata. Mas é o sindicato patronal das empresas fabricantes de peças automotivas, que tiveram grandes presidentes, com destaque para dois deles, com quem convivi nos meus tempos de O Globo: Carlos Fanucchi de Oliveira (representante da Freios Varga) e Pedro Eberahrdt (presidente da Arteb).

Eles eram os opostos, Fanucchi tinha quase dois metros de altura e pesava mais de 100 quilos, enquanto Pedro era a elegância em pessoa, sempre trajando ternos bem cortados e exibindo lindas gravatas italianas. Sua altura? Mediana.

Mas, na relação com a Imprensa, ambos eram iguais. Sempre atenciosos e jamais se negando a responder qualquer pergunta, mesmo nos momentos mais críticos que o setor automobilístico, que aconteciam no início dos anos 80, com os movimentos grevistas no ABC.

Pedro tinha o hábito de, pelo menos a cada 15 dias, reunir-se com um ou dois jornalistas do setor, para uma conversa aberta, sem restrições em uma relação de confiança mútua entre jornalistas e o executivo.

Além disso, Pedro promovia uma festa de fim de ano especialmente para os jornalistas, sob a batuta da Fátima Turci, sua assessora de Imprensa. No vácuo dessas belas festas, a GM passou a realizar as suas.

Carlos tinha o mesmo perfil, de “abrir o jogo”, demonstrando confiança nos jornalistas (claro, havia um ou outro que não era confiável). Não tinha o hábito de reuniões rotineiras conosco, mas estava disposto a nos atender, pelo telefone e ou pessoalmente, como era feito o jornalismo em tempos passados.

Me lembrou o comercial da panela de pressão

Ainda em O Globo, um dia liguei para a NGK, fabricante de velas automotivas e pedi uma entrevista com o seu presidente (perdoem-me, mas não lembro do seu nome), para falar sobre o recondicionamento de velas.

A secretária, com um lindo sotaque oriental me atendeu com enorme simpatia e perguntou meu nome: chicolelis, respondi.

– Chicoréris?

– Não, chicolelis

– Sim, chicoréris.

Lembrei do comercial da panela de pressão Lares, que o garoto propaganda dizia: Panela de pressão “rares” e desisti. Horas mais tarde ela chamou e perguntou se poderia ser às 12:30 horas, dois dias depois, o que aceitei.

Quando cheguei fui atendido com muita gentileza pelo presidente da NGK que perguntou se eu já havia almoçado e, se não, se aceitaria almoçar com ele. Sim, foi minha resposta.

Foi uma bela resposta porque quando chegou o almoço, nada mais era do que, claro, a deliciosa comida japonesa, a minha preferida, que como desde os meus 14 anos.

Feito isso, fiz a entrevista, onde ele explicou que não é possível recondicionar a vela de um carro porque é impossível trocar o eletrodo desgastado. Além de outras explicações técnicas. Claro, ele não diria nada diferente, certo?

Na saída, pedi à gentil, secretária que, por favor, me mostrasse como ela escrevera o meu nome. E lá estava: chico lelis, grafado direitinho como é, mas que ela não conseguia falar, “né”?

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1 Comentário
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Carlos 20 de novembro de 2023

Bacana os causos narrados pelo senhor.
É gratificante a gente olhar para trás e se lembrar de tantas coisas singelas assim.
Abraços.

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