Saudade dos roadsters dos anos 1990

Ao longo da história do automóvel os roadsters tiveram momentos de altos e baixos, mas a safra dos anos 1990 é inigualável

mazda mx5 miata vermelho de frente
Mazda MX-5 "Miata" foi o grande responsável pelo retorno dos roadsters nos anos 1990 (Foto: Mazda | Divulgação)
Por Eduardo Pincigher
Publicado em 15/03/2025 às 13h00

Termo cunhado pelos norte-americanos nas primeiras décadas de produção do automóvel, mais de um século atrás, o roadster nasceu nas pistas e logo ganhou adesão de fabricantes da época para versões de rua. Várias marcas trabalhavam esse tipo de produto: desde as de grande volume, como Ford e Austin, até as mais exclusivas, como Cadillac, Bugatti e Duesenberg. Isso no período pré-guerra.

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Aliás, antes de mais nada: o que é precisamente um roadster? De forma simples: um carro sem teto rígido e com dois lugares.

A partir de meados dos anos 1940, dá para afirmar que os grandes responsáveis pela disseminação global dos roadsters foram os britânicos. Mas não os únicos: o conceito era tão presente mundo afora naquele período que, vale lembrar, o surgimento formal da marca Porsche ocorre com o Typ 356 – que era… adivinhe? Um roadster.

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O primeiro XK 120 marcou a entrada dos britânicos no segmento roadster depois da Segunda Guerra e marcou a primeira febre do segmento (Foto: Jaguar | Divulgação)

Quanto aos britânicos, você tinha o MG TC como modelo mais acessível e o Jaguar XK120 como o mais sofisticado. Foram dois estrondosos sucessos de vendas. Diz-se até que a criação do Chevrolet Corvette é consequência direta do sucesso fulminante que o XK120 fez no mercado estadunidense. Outra “criatura” mítica surgida naquele período também era roadster: o AC Ace, que mais tarde deu origem ao Shelby Cobra.

Frente ao sucesso da MG e da Jaguar, outras marcas europeias logo se interessaram em produzir seus exemplares. Destaque também para a Alfa Romeo – eu sempre falo delas quando posso –, que arrasava corações com a Duetto, lançada em 1966 e desenhada pelo estúdio Pininfarina. Os britânicos ainda teriam outros fenômenos de vendas, que seriam o MGB, o Triumph Spitfire e o Lotus Elan nos anos seguintes.

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O Puma foi o roadster mais popular do Brasil, e utilizava mecânica do Fusca (Foto: Puma | Divulgação)

A proliferação dos roadsters nas décadas de 1960 e 1970 pelo mundo inspirou os executivos das marcas instaladas no Brasil a criarem seus exemplares: Willys Interlagos e VW Karmann-Ghia foram os dois melhores exemplos, além de alguns foras-de-série: MP Lafer e, claro, o modelo de maior sucesso comercial entre todos os modelos descritos acima: Puma. A Lobini reapareceria nos anos 2000 com o H1.

Anos 1990: o período de ouro dos roadsters

Citei logo acima o Lotus Elan, certo? Pois seu maior legado – e que me perdoem os puristas – foi ter servido de inspiração (assumida historicamente) pelos designers do roadster mais importante da era moderna: o Mazda MX-5 (ou Miata), criado no final dos 1980. Foi quando os japoneses entraram para valer nesse jogo. E, talvez pela primeira vez na história, as marcas ocidentais tiveram que se render a um produto nipônico e correrem atrás do prejuízo, visto que a ideia ali foi tentar popularizar esse tipo de carroceria com um modelo mais acessível.

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Leve e com motor 1.6 de 115 cv, o Miata se tornou um fenômeno de vendas e estimulou a entrada de marcas como Honda, BMW, Mercedes-Benz, Porsche e Audi no segmento (Foto: Mazda | Divulgação)

O compacto modelo japonês foi um enorme sucesso de vendas. Ele teria 400 mil unidades vendidas na primeira geração, que foi até a metade da década de 1990. Quando surgiu, ele dispunha de apenas 115 cv de potência, extraídos de um motor 1.6. Mas pesava somente 980 kg, o que lhe rendia um desempenho até satisfatório. O sucesso do Miata inspirou marcas europeias a olharem para o segmento dos roadsters com o inédito princípio da massificação.

Um dos exemplos mais marcantes foi o Fiat Barchetta, de 1995. Dá uma olhada como era bonitinho o tal do Barchetta. E era um Fiat, ora. Herdava a plataforma e a mecânica do Punto, com motor 1.8 de 131 cv. Pena nunca ter vindo pra cá.

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O Barchetta é um roadster leve feito na plataforma do Punto e que foi vendido no mercado europeu (Foto: Fiat | Divulgação)

O conceito de popularização resvalou até no segmento premium, embora de um modo diferente. Estou falando de Audi, BMW e Mercedes-Benz. A ideia era prover modelos charmosos e esportivos dentro dos respectivos line-ups das marcas alemãs que fossem, de fato, mais em conta. E eram! Quem não podia adquirir um BMW M3 ou M5, ou ainda uma Série 8, talvez pudesse comprar uma Z3, lançada em 1995. No ano seguinte, com o mesmo propósito, estreou o Mercedes-Benz SLK. E ainda viria o Audi TT Roadster em 1999.

Também dá para incluir a Porsche nessa estratégia: o Boxster, lançado em sua primeira geração em 1996, abriu uma nova carteira de clientes para a marca, que não conseguiam alcançar o 911. Curiosamente, o Boxster foi tão importante que deu origem ao modelo Cayman, criado 9 anos depois. Você lembra de outro exemplo de algum roadster de origem que tenha gerado um filhote com teto rígido, em versão Coupé? Geralmente é o contrário…

Outro modelo inesquecível desse período é o Honda S2000, que tinha, além da exuberância das linhas, uma receita mecânica espetacular: motor de 2 litros de 250 cv, câmbio manual de 6 marchas e tração traseira. Pouquíssimas unidades vieram ao Brasil. Foi criado em 1999.

O que sobrou?

Hoje esse é um exemplo de carroceria que praticamente desapareceu. Já dei minha opinião por aqui a respeito do porquê que alguns segmentos de veículos sucumbiram nos últimos vinte anos: tudo gira em torno da estagnação das vendas de carros no mundo há alguns anos, o que tira a ousadia das marcas nos lançamentos. Na dúvida… elas só produzem SUV, sedã, hatch ou picape. E olhe lá.

São poucas as fabricantes atuais que ainda se arriscam a oferecer esses modelos tão especiais. Os roadsters são extremamente limitados na proposta, visto que a natureza desse tipo de veículo é extremamente egoísta: é só você e, no máximo, um passageiro. Carros de dois lugares, dadas as limitações óbvias, geralmente são destinados a consumidores mais endinheirados, que possuem outros carros tradicionais na garagem e adquirem o roadster como um brinquedo.

Por nunca serem vistos como “meios tradicionais de transporte” e por simbolizarem a questão do prazer ao dirigir como argumento principal, os roadsters sempre tiveram receitas mecânicas com motorizações mais animadinhas. Dificilmente você via algum modelo com pouca potência, ainda que o porte compacto, que pressupunha o entreeixos curtinho, não permitia – ou não recomendava – cavalarias muito abusadas. Eles ficariam muito ariscos.

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Porsche 718 Boxster é um dos últimos representantes modernos dos roadsters e foi lançado nos anos 1990 (Foto: Porsche | Divulgação)

A faixa mais utilizada, pelo menos na época áurea desses modelos, costumava residir ali entre 120 e 250 cv. Hoje, com a larga utilização da eletrônica nos sistemas de transmissão e, principalmente, tração, há um remanescente dessa categoria que desenvolve potências até maiores, caso do Porsche 718 Boxster. São três versões à venda no Brasil: 718 Boxster (300 cv), 718 Boxster GTS (400 cv) e 718 Spyder RS (500 cv).

Além do Boxster, o único remanescente é justamente o Mazda MX-5 Miata. Ele mantém a “pegada” da acessibilidade: adota motor 1.5 de 132 cv, câmbio manual de 6 marchas, pesa apenas 1.003 kg e custa em torno de 35 mil euros. Para efeito de comparação, um VW Polo GTI (207 cv) sai por 43 mil euros. Para ser preciso: há um outro modelo, hoje, ainda produzido. E no Brasil: o charmosíssimo Chamonix (réplica de altíssimo nível do Porsche).

Dado o charme da exclusividade dos dois lugares e do vento no rosto, você ainda encontra, nos últimos anos, ilustres representantes na categoria do hypercars com versões roadsters, como Lamborghini Aventador, LaFerrari, McLaren 720, Bugatti Veyron e Pagani Zonda. Mas isso é lá em cima.

Embora eu nunca tenha tido um roadster pra meu uso, lamento vê-los desaparecer. Como o automóvel é uma máquina que representa paixão, no meu caso, o sumiço de novos exemplares é algo que me entristece. Consumidores, como eu, espalhados pelos quatro cantos do mundo têm opções cada vez mais escassas. Note que as três alemãs (Audi, BMW e Mercedes) mataram seus roadsters. Também não há mais os modelos italianos (Fiat ou Alfa). E os britânicos… nem as marcas existem mais.

E você? Lembra de algum roadster importante que eu deixei escapar nesse apanhado?

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