Eduardo Pincigher recorda das coberturas de eventos como repórter e assessor e pontua erros e acerto dos lançamentos
Trabalhando em montadoras ou cobrindo eventos de lançamentos como repórter, vivenciei muitas experiências marcantes ao longo dos últimos 35 anos. Sempre entendi, em uma ou outra função, que duas coisas eram e são fundamentais para uma (boa) apresentação: o review bem detalhado e o test drive mais longo, onde o jornalista possa experimentar o carro em diversos tipos de pisos e vias públicas.
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Já houve marca famosa e de extremo prestígio que levou um grupo enorme de jornalistas brasileiros para Buenos Aires a fim de conhecer um novo veículo. Para decepção de todos, o test drive era um mero rolezinho no pátio da fábrica. Não chegava a 800 metros de contato com o produto. Pensa em um grupo de jornalistas bravos? A empresa te leva pra Argentina, você fica fora de casa praticamente três dias… pra andar menos de 1 km no novo veículo?
Uma regra que sempre utilizei: definido o local do evento de lançamento, convém escolher bem o percurso. Quando eu trabalhava na JAC Motors, lá no início, em 2011 ou 2012, por exemplo, sempre evitava escolher roteiros de test drive que fossem muito sinuosos e, principalmente, com pisos irregulares, visto que a maioria dos modelos (J3, J5, J6) possuía suspensão traseira muito macia – e esse tipo de estrada iria reforçar essa percepção negativa.
Anos depois, com suspensões mais bem calibradas, como a do T40, bolamos um percurso de 130 km entre São Paulo e uma cidade do interior em que os repórteres podiam experimentar o carro em autoestradas, estradas vicinais, trechos urbanos, de terra, paralelepípedos, serrinhas, curvas de alta, curvas fechadas, descidas e subidas mais íngremes. Pensa uma situação em que um carro deva ser testado? Sim, havia.
Só que não são todas as montadoras que acertam nisso.
Uma vez, eu fui pra Alemanha para conhecer a nova geração do Mercedes-Benz Classe S. O pé de boi da família ali tinha lá seus 250 cv. O S600 (motor V12) chegava a quase 400 cv. E era “o sedã” da Mercedes. Os caras deram a largada na porta da fábrica, em Stuttgart, e disseram: “te vejo em Lucerna (Suíça)”. Eram cerca de 280 km, sendo boa parte desse trecho em território alemão por autobahnen, aquelas rodovias onde não há limite de velocidade. Tipo: “se vira aí. Pé no porão e até lá”. Escolha perfeita para aquele tipo de produto.
Só que o evento de apresentação da SLS (a nova asa de gaivota) foi feito, anos depois, na Rota Panamericana no México. Nada contra, a não ser pelo fato de o trecho escolhido ter piso de concreto, não asfalto. A cada 200 metros, você ouvia um “tum” acentuado nas emendas do piso. Com suspensão firme, a reverberação do “tum” vinha até o volante. Incomodava. E poderia sugerir que a suspensão era áspera, quando, na verdade, a culpa era do piso. Qual outro lugar, exceção feita a um ou outro viaduto, você encontraria essas malditas emendas de concreto?? Aqui a MB errou.
Em agosto de 2002, a Volkswagen promoveu o lançamento do Polo 1.0 16V no litoral catarinense. No test drive, nós descíamos de Joinville para Florianópolis, ou seja, um roteiro praticamente ao nível do mar. E faz uma tremenda diferença em motores (principalmente com baixo rendimento) a avaliação em localidades com baixas altitudes. Sabia disso? Vc perde 1% de potência a cada 100 metros de altitude (em motores aspirados). Embora as injeções modernas compensem um pouco, o oxigênio admitido “pobre” não fará milagres.
Isso quer dizer que um SUV de 150 cv perde uns 10 cv em São Paulo. Ao contrário disso, a maior pressão atmosférica (ao nível do mar) faz com que o motor “respire” melhor e ofereça o rendimento previsto. Ou seja: lá na BR 101, o Polo tinha verdadeiramente os 79 cv declarados na ficha técnica. Como o roteiro escolhido era um “descidão”, você mal percebia a falta de fôlego do motorzinho.
Só que a General Motors, poucos dias antes, fizera a apresentação da Meriva com motor 1.8, em um roteiro que ia de Guarulhos a Campos do Jordão, interior de SP. Essa cidade fica a 1.600 m de altitude e só é acessada depois de vencer a subida de uma serra repleta de curvas fechadas. Ou seja: tudo errado. Minivan é o tipo de carro que aderna nas curvas e não se lança carro pesado na subida!
Os jornalistas que estiveram nos dois eventos chegaram a comentar: “não parece que o Polo anda mais?” Não era só impressão, não. Lá no alto de Campos do Jordão, os 102 cv da Meriva reduziam-se a 84 ou 85 cv (ar rarefeito). Como a minivan era bem mais pesada que o Polo 1.0, e o teste foi feito na subida de serra, andava menos mesmo.
Isso gera polêmica. Há muitos jornalistas que não gostam de test drives em autódromos, mas eu tenho a opinião de que qualquer coisa acima de 300 cv se torna imperceptível para se experimentar em vias públicas. Carros com 300 cv ou 400 cv ou 500 cv são iguais na rua. Eles só serão devidamente testados em autódromos, que são os locais onde você poderá chegar aos limites. Nessas circunstâncias, você consegue apurar as diferenças mais próximas.
Poucas semanas atrás, eu participei do evento de lançamento do Porsche 911 992.2. O modelo “básico”, de “entrada”, é o Carrera, que possui motor biturbo de 394 cv. É um carro que faz 0 a 100 km/h em 4,1 segundos. Aí você desce desse carro e sobe no novo GTS, que inclui a tecnologia T-Hybrid (motores elétricos no câmbio e no turbo): ele tem 541 cv e faz 0 a 100 km/h em 3 segundos. São diferenças significativas de desempenho, claro. Mas que, insisto: só podem ser sentidas numa pista, exatamente o que a Porsche proporcionou no Autódromo Velocittá (Mogi das Cruzes, SP).
Agora eu gostaria de narrar uma história bem particular, que não mostra erro ou acerto de nenhuma montadora. Vale apenas pelo “causo” mesmo.
Eu era estagiário em 1989 da Autolatina, holding que geria os negócios de Volkswagen e Ford no Brasil. Logo no meu primeiro evento, que era o motor AP-1800 que passaria a equipar o Escort (versões Ghia e XR-3), meu chefe me manda até a fábrica da Ford, em São Bernardo do Campo. “Vai na Oficina, procura o fulano e pede pra ele carregar a caçamba dessa F1000 com o motor que ficará exposto no display do evento”.
Ao chegar lá, o fulano me deu uma canseira de umas 3 horas. Finalmente apontou onde estava o motor: um caixote de madeira, semidesmontado. Sabe atrevimento de estagiário?? “Põe essa p#@$a aí na caçamba e eu vou levar assim mesmo!” Ao que o simpático respondeu: “tô indo almoçar. Põe você”. Bom, lá fui eu, suado e cansado, com o motor desmontado em direção do hotel onde seria feito o evento, no centro de SP.
Passei antes na oficina do meu pai – ele fazia manutenção de empilhadeiras –, peguei um kit básico de ferramentas emprestadas e me debandei para a rua Augusta. O relógio marcava 18h30 horas.
Eu entendo de motor. Mas uma coisa é entender, a outra é trabalhar neles. Apanhei de todas as chaves fixas que você imaginar. Levei surras das chaves de fenda. Terminei a montagem por volta de 00h30 do outro dia. Quanto tempo um mecânico teria levado? 2 horas? Levei o triplo.
No final de 2006, a VW andava borocoxô. A marca se arrastava com Gol, Kombi, Santana… e nada de novo havia no horizonte. Essa demanda acabou sendo discutida e propostas estratégicas para reaver o prestígio foram colocadas. O “lançamento” que serviria de cenário era o do Novo Polo, onde fizemos um test drive de quase 200 km – para destacar o ótimo handling daquela geração – e até uma demonstração de rigidez torcional, em que aquele carro era exemplar. Isso deveria resgatar um pouco do prestígio da marca.
Para completar, sugeri um quis com os jornalistas. Nele, eu colocaria key messages que enalteceriam as virtudes não só da marca, escondidas em perguntas e respostas, mas que também valorizassem a empresa. E que tinham pouca aderência se proferidas de modo tradicional. Virei o “apresentador”, no palco. Mais de 100 jornalistas na plateia e eu lendo as perguntas. Exemplo:
“A Fundação VW já destinou recursos para quantas crianças desde 1979, quando foi fundada?
Todo mundo acertava, óbvio. E a retenção da informação era bem maior. (Estratégia, lembra?)
Locamos aquelas máquinas de teclas múltiplas de respostas e eu ia lendo as questões. Quem errasse, caía fora. Eu mando essa no microfone: “todos os grandes pilotos brasileiros tiveram marcantes passagens com a Volkswagen nas pistas”. Vira um jornalista e rebate:
– Eu comecei na Copa Fiat!
Não perdi a chance da piada.
– Por isso que sua carreira de piloto não foi pra frente…!!”
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