BYD promete produzir 600 mil carros por ano, mas a que custo?

Após caso de trabalho análogo à escravidão, greve em Camaçari é mais um capítulo da relação conturbada que a marca tem com as relações trabalhistas

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Fábrica da BYD inaugurada em outubro promete 150 mil carros por ano. Projeção para o futuro é que a capacidade suba para 600 mil unidades (Fotos: Foto: Isabella Tanajura | JAV | Reprodução)
Por AutoPapo
Publicado em 05/12/2025 às 15h00
Atualizado em 05/12/2025 às 15h16

Há quatro dias, trabalhadores que atuam na planta da BYD, localizada em Camaçari (BA) estão em greve para reivindicar melhores condições de trabalho. O caso acontece sete meses depois de conflito com sindicatos por faixa salarial única e um ano após denúncias do Ministério Público do Trabalho (MPT) por trabalho análogo à escravidão e tráfico de pessoas.

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Os funcionários, em sua maioria operários da construção civil e da área metalúrgica, integram a paralisação que foi organizada pelo Movimento Luta de Classes (MLC) e pelo partido Unidade Popular (UP). A greve que começou nesta terça-feira (02/12) integra uma mobilização nacional pelo fim da escala de trabalho 6×1 que ocorre em mais de 15 estados do Brasil.

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Centenas de trabalhadores de empresas terceirizadas contratadas pela BYD protestam nas dependências da planta da montadora chinesa, que só vão se retirar quando seus requisitos forem atendidos.

greve fábrica BYD Camaçari
Operários da construção civil e da área metalúrgica reivindicam melhores condições em frente à fábrica da BYD.

A carta de reivindicação dos trabalhadores diz:

“Os trabalhadores das terceirizadas Terra Construções, Falcão, Valtec, Engenova, realizaram hoje, dia 02 de dezembro de 2025, uma paralisação pacífica no portão de entrada da Montadora chinesa BYD, com o objetivo de denunciar as condições precárias de trabalho dentro da fábrica.”

As reivindicações da categoria são:

  • Pagamento de 30% por insalubridade;
  • Aumento do auxílio alimentação e transporte;
  • Fim do assédio moral e ameaças de demissão;
  • Instalação de bebedouros, vestiários, banheiros e fumódromos;
  • Disponibilização de mais ônibus para deslocamento dentro da fábrica, pois os trabalhadores teriam que caminhar mais de 4 km;
  • Regularização do pagamento de salários e a atualização do piso salarial.

Quando questionados, o Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil, Montagem e Manutenção Industrial de Camaçari e Região (SINDTICCC – BA) e o Sindicato dos Metalúrgicos de Camaçari (Stim) negaram envolvimento na greve. Em seguida, na manhã de quarta-feira, segundo relatos, os trabalhadores foram recebidos por seis viaturas da polícia baiana, com ameaças de repreensão por meio de gás de efeito moral.

No terceiro dia de paralisação, os representantes do SINDTICCC compareceram à fábrica para tentar dissuadir os trabalhadores do movimento, segundo relatos dos manifestantes publicados nas mídias sociais do MLC e do partido UP. Ainda na quinta-feira, os operários realizaram uma assembleia e decidiram criar o Sindicato Livre de Trabalhadores da Construção Civil, Montagem e Manutenção Industrial de Camaçari e Região, filiado ao MLC.

BYD, nunca a culpada, mas sempre responsável

No dia 14 de outubro deste ano, a BYD inaugurou oficialmente a linha de montagem da fábrica de Camaçari com capacidade para produzir 150 mil veículos por ano em um primeira momento. Na etapa seguinte o número sobe para 300 mil, com o objetivo de mais tarde atingir uma produção de 600 mil unidades em 12 meses.

De acordo com a marca, a meta é acelerar o ritmo de entrega das obras para bater a projeção e cumprir a promessa de estar entre as três maiores montadoras do país até 2028. Mas a que custo esses altos números serão atingidos?

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Inauguração da fábrica da BYD contou com a presença do fundador da marca, Wang Chuanfu, e do presidente Lula. (Foto: Julia Vargas)

Em outubro de 2024, o Ministério Público do Trabalho deu início à investigação sobre as condições laborais na fábrica da BYD em Camaçari, após receber uma denúncia anônima. Em dezembro, as investigações revelaram que 220 trabalhadores chineses contratados para a construção da planta industrial estavam em situação de trabalho análogo à escravidão e foram vítimas de tráfico internacional de pessoas.

Em maio de 2025, o MPT deu início a um processo na Justiça do Trabalho contra a montadora, que também coloca como responsáveis as empreiteiras China JinJiang Construction Brazil Ltda. e Tonghe Equipamentos Inteligentes do Brasil Co. (atual Tecmonta Equipamentos Inteligentes Brasil Co. Ltda.), que prestavam serviços exclusivos para a montadora de automóveis.

O órgão público pediu a condenação das empresas, incluindo a BYD, e impôs uma série de medidas como o pagamento de R$ 257 milhões a título de danos morais coletivos, indenização por danos morais individuais, além de multas e quitação de rescisões.  A ação do MPT foi protocolada na 5ª Vara do Trabalho de Camaçari, após a negativa das empresas em firmar termo de ajuste de conduta.

Na época, a BYD declarou que “reafirma seu compromisso inegociável com os direitos humanos e trabalhistas, pautando suas atividades pelo respeito à legislação brasileira e às normas internacionais de proteção ao trabalho. A empresa vem colaborando com o Ministério Público do Trabalho desde o primeiro momento e vai se manifestar nos autos sobre a ação movida pelo MPT.”

A montadora também divulgou que criou um comitê de compliance formado por representantes da empresa, escritórios de advocacia, especialistas em direito trabalhista e segurança do trabalho, além de um consultor independente para acompanhar de perto as conclusões de obras.

Porém, mais uma vez, a montadora chinesa se vê no centro de um caso envolvendo condições de trabalho precárias. E novamente, os trabalhadores que sofrem com a situação degradante, apesar de não serem diretamente contratados pela BYD, atuavam na sua planta, colocando de pé a fábrica que contará com 26 instalações, 4,6 milhões de metros quadrados e um investimento de R$ 5,5 bilhões.

Contratos ilegais, confisco de salários e condições sub-humanas

Em 23 de dezembro de 2024, uma operação conjunta envolvendo o Ministério Público Federal (MPF), a Defensoria Pública da União, o Ministério do Trabalho e Emprego, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e Polícia Federal (PF) resultou no resgate de 163 trabalhadores chineses da empresa Jinjiang que atuavam na construção da fábrica da BYD. Posteriormente, mais 57 funcionários da Tonghe também foram encontrados em situação semelhante à escravidão e identificados como vítimas de tráfico de pessoas.

A investigação apontou condições extremamente precárias de trabalho. Cinco alojamentos estavam sob responsabilidade da BYD, Jinjiang e Tecmonta. Em alguns deles, os empregados dormiam em estruturas improvisadas, sem colchões, e guardavam alimentos no mesmo espaço que objetos pessoais.

Segundo o MPT, o número de banheiros era insuficiente e não havia divisão entre masculino e feminino, sendo que em uma das instalações, apenas um sanitário era compartilhado por 31 pessoas. As áreas de preparo de refeições também apresentavam irregularidades graves, já que apenas um dos cinco alojamentos contava com refeitório e foram encontradas situações de risco sanitário, como materiais de construção próximos aos alimentos.

Em um dos quartos, onde dormia uma cozinheira, panelas de comida destinadas para consumo no dia seguinte foram achadas abertas no chão, sem refrigeração e expostas à sujeira. Além do cenário degradante, as relações contratuais impostas reforçavam práticas de trabalho forçado.

As investigações do Ministério Público também revelaram que os operários precisavam pagar caução, tinham até 70% do salário retido e enfrentavam multas elevadas para a rescisão. A empresa JinJiang também confiscava seus passaportes e caso o funcionário desistisse do contrato antes de completar seis meses, perdia a caução, não recebia os valores retidos e ainda deveria custear o retorno ao país de origem, além de reembolsar a passagem de ida.

Na prática, qualquer rompimento antecipado implicava sair do Brasil sem receber pelo trabalho realizado, configurando retenção ilegal de remuneração ao longo do vínculo empregatício. A ação do MPT foi protocolada na 5ª Vara do Trabalho de Camaçari, após a negativa das empresas em firmar termo de ajuste de conduta.

A íntegra da ação pode ser consultada no site do Ministério Público do Trabalho.

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