A cada carro chinês vendido, menos um ‘tradicional’

Se a Anfavea não se cuidar, será taxada de defender o passado, enquanto a ABVE, a 'associação dos carros elétricos, navega na modernidade

GAC AION V laranja frente parado
GAC foi uma das montadoras chinesas que chegou recentemente ao Brasil (Fotos: Divulgação)
Por Boris Feldman
Publicado em 24/05/2025 às 09h00

Nos meus quase 60 anos de jornalismo especializado, nunca fui tão assediado por leitores (e seguidores) em dúvida sobre qual automóvel adquirir. Pois, até o início desta década, o problema era entre um sedã e um SUV, ou entre um importado e um nacional. Hoje, além destas, somam-se as questões conceituais levantadas pela eletrificação. Aderir à bateria ou manter-se fiel à gasolina. E, se a opção cair num eletrificado: híbrido puro, plug-in ou elétrico?

A eletrificação não trouxe apenas uma alternativa energética, mas em seu vácuo, a súbita presença de várias marcas chinesas desconhecidas no Brasil e no mundo.

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E nosso mercado, com um potencial que se destaca e estratégico em termos globais, revelou-se altamente atrativo para as chinesas. Com articulações políticas e verbas bilionárias, elas desembarcam com apetite, compram fábricas abandonadas (Ford e Mercedes) e estabelecem parcerias com outras ociosas (Mitsubishi, Renault).

A situação é excelente sob a ótica do consumidor, que passou a contar com mais uma dezena de marcas de produtos de qualidade, design, tecnologia e preços competitivos. A ele não interessa se o acesso mais fácil a um carro com todos estes quesitos seja talvez resultado de subsídios de um governo “comunista” do outro lado do planeta.

É quase inacreditável a rapidez com que o brasileiro derrubou os padrões de fidelidade às marcas tradicionais e migrou para as desconhecidas BYD e GWM. Ele quer um carro bom, bonito e elétrico para estar em dia com o mundo e sair bem na foto.

O sucesso dos novos players asiáticos acabou reformulando o tabuleiro de xadrez da nossa indústria automobilística, e que agora, além de brigar contra baixos volumes de vendas, impostos entre os maiores do mundo, “Custo Brasil”, baixo poder de compra e oscilações de juros que influem no crédito, tem pela frente a temida concorrência chinesa.

As fábricas da BYD e GWM planejam produzir volumes substanciais, nada menos que 100 mil veículos anualmente cada. A GWM começa em julho. A BYD só deve começar a produção no final de 2026. Já passou por contratempos nas obras das novas instalações e pretende uma suspeita redução nos impostos para produzir no regime SKD (só montagem de componentes importados), mas anuncia volumes ainda superiores aos da GWM dentro de dois a três anos.

Geely e GAC estabeleceram parcerias com a Renault e Mitsubishi para aproveitar a capacidade ociosa de ambas no Paraná e Goiás, respectivamente. Já está anunciada também a famosa marca inglesa MG, comprada pela chinesa SAIC.

Duas outras já iniciaram vendas: a Omoda/Jaecoo (que pertence à poderosa Chery) e a Zeekr (da Geely, dona também da Volvo e Lotus). E ainda mais duas que virão acopladas à Stellantis (Leapmotor) e à VW (XPeng). Fora Caoa Chery e JAC, há anos no mercado brasileiro. Só as newcomers representam, a médio prazo, um acréscimo de 300 mil carros anualmente.

Carros chineses: modernidade e qualidade

Questão curiosa: se os carros chineses oferecem alto padrão de qualidade e modernidade por preços competitivos, os impostos de importação não irão travar seus planos.  Entretanto, as previsões de crescimento das vendas domésticas (com as limitações do nosso mercado) não comportam este volume adicional.

Ou seja, cada carro de origem chinesa vendido aqui representa uma unidade a menos nas estatísticas das montadoras tradicionais. Que, por meio de sua associação (Anfavea), buscam todos os argumentos para brecar este avanço. Um deles coloca o governo federal diante de uma encruzilhada: qualquer pedra que mover no tabuleiro para facilitar as chinesas e estimular a modernização do setor, significa uma pedra no sapato de montadoras e fornecedoras locais, com redução de empregos e rentabilidade.

Protecionismo ou modernidade?

Faz contraponto à Anfavea a associação dos veículos elétricos, a ABVE, que reúne as empresas envolvidas com a eletrificação veicular, as chinesas entre elas. Existe um risco ponderável, pela postura de cada entidade, de que, se a Anfavea não avaliar com cuidado seus passos, vir a ser taxada de defensora do passado, enquanto a ABVE navega pelos mares da modernidade.

O protecionismo defende empregos, mas desestimula o desenvolvimento tecnológico e o alinhamento da nossa indústria com as dos países desenvolvidos. E agora, José?

A invasão chinesa elevou nossas importações e desequilibrou a balança comercial que já sofria com as dificuldades de nossas exportações. Nossos modelos não conseguem competir no exterior por sua inferioridade tecnológica. E agora menos ainda pois os próprios chineses avançam em mercados que já foram nossos fregueses.

Se ficar, o bicho pega, se correr…

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7 Comentários
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Edmar 27 de maio de 2025

Carro elétrico não é novidade, em 1888 já tentavam essa tecnologia e desde lá já barravam no grande gargalo, como armazenar o “combustível” e como reabastecer, entre a fabricação e o descarte acaba poluindo muito mais que o tradicional, sem contar o custo, e para nós que não temos infraestrutura nem para a atual demanda imagina com milhões de carros elétricos

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Alexandre xavier 26 de maio de 2025

Fortalecimento da indústria nacional?? Kkkk
Só pode falar isso quem tem Gurgel/troller(isso se utilizar motor desenvolvido aqui), do resto NENHUM é BR.
Subsidio é foi a FORD que mamou por anos no nosso dinheiro e saiu fora.
Achei que o capitalismo tivesse globalizado o mundo, um produto melhor e mais barato vindo do comunismo? Parece piada de quem ainda pensa assim.
No fim o que importa é um produto bom com preço realista.

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luiz fernando barros lima 26 de maio de 2025

Esses elétricos podem fazer muito sucesso na Europa, aqui no Brasil não demora muito vai parrar tudo no ferro velho como sucata.

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Arvo 25 de maio de 2025

“O protecionismo defende empregos, mas desestimula o desenvolvimento tecnológico e o alinhamento da nossa indústria com as dos países desenvolvidos.”
Isto está incorreto. A indústria tradicional tem tecnologia sim, não tem é preço competitivo.

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Santiago 25 de maio de 2025

Nesse aspecto não estamos sozinhos no mundo:
As montadoras europeias patinam na eletrificação e estão passando um perrengue seguido de outro com a competição chinesa. Tanto assim que o bloco europeu tem subido a taxação aos chineses, a fim de defender as suas indústrias.
Os EUA continuam sendo a meca das pick-ups e dos SUVs (os de verdade, não aquelas coisas daqui), além ser muito comum por lá as viagens interurbanas semanais e até diárias, somamdo-se ainda a paixão dos americanos por motorzões potentes e roncadores. Fatores estes aonde os elétricos ainda não entregam a esperada eficiência, e que por ora vêm salvando a indústria automotiva americana.
Enquanto que as marcas japonesas tem sabiamente priorizado os híbridos no presente e mirado o futuro com o desenvolvimento da tecnologia fuell-cell. Já os elétricos a bateria são oferecidos como terceira opção, voltada mais a quem faça questão deles, e aonde as chinesas oferecem vem mais opções.

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Éder Souza dos Santos 25 de maio de 2025

Ad montadoras tradicionais sempre nos trataram como clientes inferiores, e nos últimos anos com a estratégia de vender menos e lucrar mais, passaram a nos tratar como burros, cobrando um preço altíssimo por modelos antigos e inferiores de automóveis que elas vendem nos países desenvolvidos.
Essas montadoras chinesas estão nos vingando, e preocupando os diretores das marcas tradicionais.
A real diferença dos chineses para os demais, é que até o momento, os chineses buscam o lucro pela venda por volumes, e por isso eles vendem produtos bem melhores, mais seguros, mais tecnológicos, com maior desempenho e cobram menos.
Por exemplo, o Haval H6 PHEV 34, com motor turbo e 393 cavalos de potência é um tapa na cara de quem vendia Jeep compass mais caro e oferecendo menos!
O BYD Dolphin GS por 149.990,00 no lançamento também foi um gigantesco tapa na cara de quem vendia aqui um kwid elétrico, que não passa dentro carro chinês importado, pelo mesmo valor

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Rodolfo 24 de maio de 2025

Tem outras variáveis essa equação de escolher um carro chinês…
1. Modernidade implica em custo final.
A maioria dos brasileiros prefere carro barato, confiável e durável. Veja o exemplo dos excelentes carros da Toyota e Honda aqui no Brasil. Modernos das referidas marcas vocês encontra no Japão.
2. Ao comprar carro produzido no Brasil no brasileiro estará fortalecendo a indústria do brasileira.
3. Confiança do consumidor nas marcas tradicionais e nas de renome como Honda e Toyota como por exemplo.
4. Ter carro que não te obriga a ser amarrado as concessionárias;
5. Poder encontra peças do seu carro a “na esquina de casa”…

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