'Disponibilidade seletiva' dava controle aos EUA, mas faturamento comercial e concorrência estrangeira fizeram país desistir do recurso há 25 anos
A recente crise entre Brasil e Estados Unidos poderia se agravar com um bloqueio do sinal do GPS, de propriedade dos norte-americanos. O Brasil ficaria sem o uso do sistema de geolocalização como sanção de Donald Trump ao país, apurou a CNN com pessoas ligadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
Por mais que vontade para isso exista, entretanto, é praticamente impossível de impor tal restrição aos brasileiros. Na verdade, é muito por conta do potencial econômico no uso nos carros que os próprios EUA aboliram, há 25 anos, o recurso de sabotagem do GPS.
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Sigla em inglês para Sistema de Posicionamento Global, o GPS é uma constelação de satélites que, desde aos anos 1970, são lançados e operados pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos.
Inicialmente, só militares tinham acesso ao sistema, mas o uso civil foi implementado em 1988. A iniciativa, do então presidente Ronald Reagan, buscou evitar tragédias como a do voo Korean 007: o Boeing 747 ia dos EUA para a Coreia do Sul, mas foi abatido ao sobrevoar, por engano, o espaço aéreo da União Soviética.
Mesmo liberado, o uso do sistema em funções não-militares continha um erro intencional. Era a chamada disponibilidade seletiva, que ‘embaralhava’ levemente o sinal a fim de provocar erro de 50 a 100 metros.
Para limpar o erro do sinal dos satélites, era necessária uma chave criptografada. Tal chave mudava diariamente e era restrita, novamente, às funções militares.
Com dezenas de metros de erro na localização, o uso civil do GPS era pequeno até os anos 2000. Usuários frequentes envolviam socorristas e navios, que precisavam de localização aproximada.
A FAA, a agência federal de aviação norte-americana, então, começou a pressionar o governo para liberar o sinal puro; a agência argumentou que poderia economizar milhões gastos anualmente com manutenção de rádios de navegação, por exemplo.
O progresso industrial também estimulou a Casa Branca, que previu US$ 8 bilhões a mais no PIB em três anos, só por conta de novos produtos civis. Assim, em 1º de maio de 2000, o então presidente Bill Clinton assinou o decreto extinguindo a disponibilidade seletiva.
Instantaneamente, o erro sumiu e todos os receptores de GPS do mundo ganharam precisão de 10 m a 1 m.
“Em inglês simples, estamos desembaralhando o sinal do GPS”, disse o conselheiro científico da Casa Branca, Neal Lane. “É raro que alguém possa apertar um botão e tornar algo que você possui instantaneamente mais valioso, mas é exatamente isso que vai acontecer hoje.”
Três meses depois, modelos de GPS automotivo como o Magellan 750 M já ganhavam as lojas, custando o equivalente a R$ 26 mil nos dias de hoje.
Atualmente, a navegação via satélite é usada por quase 900 milhões de pessoas, segundo dados da Agência da União Europeia para o Programa Espacial.
Ao todo, são 6,5 bilhões de dispositivos se comunicando com os satélites, com projeção de 9 bi em 2033.
Um detalhe importante, entretanto, é que, há muito tempo, outros países tem sistemas de navegação por satélite.
A Rússia utiliza o GLONASS, a União Europeia tem o Galileo e a China é dona do BeiDou, entre outros exemplos. Uma pesquisa da ABI Research mostrou, inclusive, que mais de 90% dos receptores de GPS do mundo também se conectam a outras redes.
Isso inclui iPhones, celulares Android e receptores embarcados em automóveis. E o principal motivo é que, com mais sistemas em ação, a precisão e disponibilidade aumenta significativamente.
Logo, sem GPS no Brasil, boa parte dos motoristas no máximo teria leves perturbações no sinal.
“Qualquer celular novo tem a capacidade de comparar os sinais do Galileo e do BeiDou, por exemplo, e ver que ela está muito diferente do GPS adulterado, descartando essa fonte”, explicou um analista defesa, sob anonimato, ao AutoPapo.
Além disso, caso os EUA tentasse algo do tipo, provavelmente impactaria países vizinhos, como a Argentina. “O sinal de um satélite não pode ser moldado à forma de uma fronteira”, acrescenta.
Por fim, a geração mais recente de satélites do GPS sequer trazem possibilidade de disponibilidade seletiva.A decisão foi de George W. Bush, a fim de estimular a adoção comercial cada vez maior do sistema.
“Há um forte compromisso dos Estados Unidos com os usuários do GPS. Eles podem confiar nesta utilidade global e gratuita para o apoio em atividades civis e pacíficas em todo o mundo”, disse Bush na ocasião.
Isso não quer dizer, porém, que é impossível impedir o acesso à geolocalização de determinado local. Na verdade, tal prática segue comum, mas funciona a partir de emissores terrestres, de alcance limitado.
Seja o bloqueio do sinal (jamming) ou a emissão de um sinal falso (spoofing), tais sabotagens vem sendo relatadas com frequência nos conflitos da Ucrânia e do Oriente Médio.
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