Chevrolet Opala: a ‘joia rara’ feita com sobras dos gringos

Da polegada ao milímetro, saiba porque o Chevrolet Opala misturava tudo isso graças à “salada de frutas passadas” de alemães e norte-americanos

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Chevrolet Opala fez grande sucesso no Brasil, mas era uma verdadeira gambiarra de engenharia (Fotos: GM | Divulgação)
Por Douglas Mendonça
Publicado em 05/01/2025 às 17h00

Parece até mesmo uma salada de frutas. Sabe aquelas em que você pega tudo que está sobrando na geladeira e resolve fazer uma salada? Pega banana, laranja, maçã, uva, tudo aquilo que estiver passando do ponto. Pois uma marca famosa de origem norte-americana fez mais ou menos assim com um modelo de luxo no final dos anos 1960.

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Os dirigentes de tal indústria foram para a Europa, em uma subsidiária alemã de sua marca, e lá encontraram a carroceria ideal para o mercado brasileiro. Mas, no motor e no câmbio, queriam algo que o mecânico brasileiro já conhecesse. Ou seja, de origem norte-americana, que já circulava aos montes por nossas ruas e estradas. Pegaram isso tudo, e juntaram num só carro, e assim nasceu um modelo de tremendo sucesso nacional, que ficou em produção por 24 anos consecutivos. Hoje, é uma joia rara dentre os entusiastas e colecionadores.

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Chevrolet Opala utiliza conjunto mecânico norte-americano (com medidas em polegadas) e carroceria e suspensão alemães (em milímetros)

Mas a realidade do seu lançamento, lá em 1968, mostrava que as coisas não seriam tão bacanas assim. Pegar uma carroceria, com sistema de direção e suspensões alemãs, concebidos no sistema métrico (milímetros), adaptando nela um conjunto motor/câmbio dos EUA, comuns nos Chevrolet Impala e Bel-Air, totalmente medidos em polegadas (sistema inglês), era uma tarefa difícil.

Engenharia teve trabalho para unir os pedaços do Opala

Antes da apresentação do carro, no Salão do Automóvel daquele ano, a engenharia da marca atuava num projeto de modelo de origem híbrida, metade alemã e metade norte-americana. Como no Brasil adotamos o sistema métrico, ou seja, tendo o milímetro como referência, e o tempo de desenvolvimento do tal carro era curto, resolveu-se que motor, câmbio e eixo traseiro (cardã, diferencial e afins), seriam idênticos aos utilizados nos EUA. Leia-se: tudo em polegadas.

Enquanto isso, base mecânica, monobloco, portas, janelas, estamparias, direção, suspensões, freios, adotariam o sistema métrico, como previsto no projeto alemão, datado de alguns poucos anos antes. Metade do carro numa medição, metade noutra. Uma bagunça, uma salada de frutas, com tudo o que tinha sobrado na Europa e nos EUA.

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O doador da carroceria foi o alemão Opel Rekord, que utilizava um pacato motor de 60 cv (Opel | Divulgação)

As primeiras versões, de 1968, já como linha 1969, reclamavam os consumidores, eram instáveis e não gostavam muito de mudanças bruscas de direção. Nesses casos, a carroceria se desestabilizava e o motorista passava por apuros, também por conta da tração traseira. Dá para entender. O motor original desse tal carro na Europa poderia ser um pequeno 1.5 de quatro cilindros, ou, nas versões mais caras, um 1.7 também quatro cilindros. Esse, o mais potente, tinha parcos 60 cv de potência. E o peso em cima do eixo dianteiro, que ditava a distribuição das massas, era pequeno.

Porém, por aqui, instalaram nele um pesado quatro cilindros de 2.5 litros, inteiro em ferro fundido, que pesava cerca de 140 kg com seus periféricos (carburador, alternador, motor de arranque, coletores, bombas e por aí vai). Na Alemanha, o contido 1.7 original não ia muito além dos 100 kg nas mesmas condições, mostrando que a distribuição de peso entre os eixos já ficava bastante alterada com o nosso 2.5 nacional.

Motor seis cilindros era 120 kg superior ao motor original

Mas a coisa ficava feia mesmo quando se adotava o pesado seis-cilindros em linha do lançamento: era um 3.8, 230 pol³, todo fundido em ferro, inclusive coletores, que, com seus periféricos, chegava fácil aos 220 kg se abastecido com lubrificantes. Estamos falando em quase 120 kg a mais que o projeto original previa, e tudo estava concentrado na dianteira, junto do pesado câmbio! Claro que a frente ficava pregada no chão, enquanto a traseira, leve, abanava como um leque.

chevrolet opala ss 1971 prata inca quatro portas de frente em pista de corrida
Traseira do Opala chacoalhava como um leque e era necessário levar sacos de areia para “grudar” os pneus na pista

Na época, dizia-se que, para o tal carro ficar bom de estabilidade, era preciso colocar dois sacos de areia com 50 kg cada no porta-malas, compensando o peso do powertrain na dianteira. Assim, equilibrado, ele tinha frente e traseira com peso mais bem distribuído. Um absurdo e um contrassenso!

Esse foi o resultado da mistura bagunçada de polegadas com milímetros, e da criação de um carro com mecânica norte-americana e carroceria europeia. Claro, a engenharia da tal fabricante trabalhou a fundo para resolver as coisas, e, com o passar dos anos, chegaram num resultado dinâmico bem melhor para o carro. Não era nenhum primor de estabilidade, mas estava melhor que as primeiras unidades, sem dúvidas.

O impasse das polegadas X milímetros só seria resolvido em 1979, quando o carro adotou o sistema brasileiro da ABNT, o métrico. Assim, motor, câmbio e eixo traseiro passaram a usar parafusos e outras peças em milímetros, igualando-se a carroceria e outras partes mecânicas.

Parafusos em milímetros e polegadas ao mesmo tempo

Já imaginaram, para as oficinas mecânicas da época, o trabalho que dava para manter dois jogos de ferramentas para um mesmo carro? Os profissionais precisavam ter um arsenal completo em milímetros, para mexer na carroceria, direção, suspensões e freios, e outro monte de ferramentas (em  polegadas) para reparar motor, transmissão, cardã ou eixo traseiro. Realmente, uma dificuldade.

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Só no fim dos anos 1970 que o Opala e perua Caravan passaram a utilizar todo ferramental de acordo com as normas da ABNT

Claro, durante esses 24 anos que o carro foi produzido no Brasil, esse e outros indigestos embates foram sendo resolvidos, e o equilíbrio da carroceria em função de diferentes pesos e medidas com relação ao projeto original foi sendo acertado. No seu final de vida, lá para o fim dos anos 1980 e início dos anos 1990, já era bem mais acertado e maduro que aqueles primeiros, de antes dos anos 1970.

Com esses era um “Deus nos acuda”, principalmente nos dias de chuva ou em situações de baixa aderência. A traseira vivia querendo ultrapassar a dianteira. Coisas da nossa indústria!

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1 Comentário
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Antonio Pereira 7 de janeiro de 2025

E quando que ser feito de sobras virou perjorativo?
Feijoada era feito com as partes que iriam para o lixo do porco, a couve e o feijão preto eram dados anos animais e hoje é uma iguaria patrimônio imaterial do Brasil.

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