Conversa para boi dormir

ilustra conversa pra boi dormir
Por Boris Feldman
Publicado em 08/07/2017 às 13h59
Atualizado em 12/03/2018 às 22h46

Na maioria dos países de Primeiro Mundo, toda a gasolina recebe aditivos para reduzir o nocivo efeito dos depósitos carboníferos nos motores. Depois da aditivação básica, cada empresa se encarrega de acrescentar seus próprios aditivos para aumentar a qualidade e oferecer mais vantagens ao consumidor.

Não existe no Brasil a aditivação básica da gasolina: ela é comercializada nos postos como vem da refinaria (a chamada “comum”) ou a distribuidora aplica fórmulas próprias para criar a sua “aditivada” e, neste caso, cada marca tem aditivação específica.

Se o motorista pretende manter a uniformidade da gasolina, ou abastece em postos de mesma marca ou compra a comum e acrescenta ele mesmo o frasquinho de aditivo no tanque.

A importância da aditivação levou o governo federal a estabelecer sua obrigatoriedade a partir de janeiro de 2014. Caberia à ANP estabelecer o modus operandi, ou seja, quais aditivos e em que volume, onde seria feita a mistura (refinaria, distribuidora?), custos, etc. Ou seja, uma operação de razoável complexidade, com dezenas de opções e envolvendo empresas privadas e órgãos públicos.

Incapaz de determinar como seria a aditivação, a ANP prorrogou a data inicial, de janeiro de 2014, para julho de 2015. Dezoito meses de reuniões, discussões, comissões e análises e…outra prorrogação, desta vez de dois anos, para julho de 2017. Alguém ouvir falar de aditivos na gasolina, este mês? Nem eu, pois agora a ANP desfechou o golpe fatal na aditivação, informando ter realizado em junho uma audiência pública para tratar do assunto.

E que, “ entre as mudanças propostas, está a suspensão da aditivação compulsória da gasolina e a convocação dos setores envolvidos no assunto para um estudo de reavaliação da real necessidade da implantação da medida em nível nacional. A reavaliação levará em conta a evolução das tecnologias aplicadas aos combustíveis e aos motores nos últimos anos, assim como a proteção dos direitos do consumidor. O mercado brasileiro mudou. A gasolina evoluiu, o teor de enxofre passou de 1000 partes por milhão (ppm) para 50 ppm. A matriz veicular teve aumento da participação dos biocombustíveis. Essa sucessão de fatos nos levou a fazer uma reflexão, a colocar o assunto em estudo para verificarmos o melhor custo-benefício para a sociedade”, afirmou a ANP em comunicado à imprensa. E criou uma comissão que deverá apresentar o resultado dos estudos em até 180 dias.

Uma “reflexão” que é pura conversa para boi dormir, pois é inegável que a redução do enxofre contribui para a limpeza do motor. Entretanto, os depósitos carboníferos não resultam do enxofre, mas da expressiva presença de carbono na gasolina e, por isso, a aditivação continua sendo praticada mesmo nos países com reduzido teor de enxofre na gasolina. Por quê a ANP voltou a prorrogar a exigência? Porque não quis enfrentar a Petrobras, que alegou dificuldades técnicas para efetuar a aditivação nas refinarias.

A ANP faz de conta ignorar um problemão enfrentado pelas fábricas de automóveis: elas sabem da importância de se aditivar a gasolina mas são obrigadas a recomendar (nos manuais) o abastecimento com a “comum” pela falta de padronização dos aditivos. O dono do carro raciocina que, se a fábrica não sugere a aditivada é por ela não ser necessária. E abastece com a comum, comprometendo – a longo prazo – a eficiência do motor.

Por essas e por outras é que o Brasil segue cumprindo sua vocação de país do Terceiro Mundo: não tira do papel decisões de relevância como a inspeção veicular (exigida pelo código de trânsito desde 1998), certificação de peças de reposição e acessórios e a exigência de equipamentos de segurança. Agora, vai também para o lixo a aditivação compulsória da gasolina.

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