Fiat Uno Turbo e o dilema do ar-condicionado
Esportivo turbo top de linha não poderia receber ar-condicionado, diziam os engenheiros, mas não contavam com a solução de um italiano
Esportivo turbo top de linha não poderia receber ar-condicionado, diziam os engenheiros, mas não contavam com a solução de um italiano
Nós estávamos na primeira metade dos anos 1990, mais especificamente no mês de março de 1994. Três esportivos nacionais brigavam acirradamente pela preferência do consumidor brasileiro (de três das principais marcas do mercado). Nessa época, uma conhecida e respeitada fabricante italiana resolveu que seu pequeno hatch de sucesso iria ter uma versão esportiva para fazer frente aos outros três.
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Para isso, passou a trazer da Itália um conjunto motor/câmbio de muito sucesso nas terras europeias, que já era usado na versão do Velho Continente do tal hatch. Esse powertrain passaria a equipar também o nosso esportivo. Feitas as devidas modificações pela engenharia da marca italiana no Brasil, novos motor e câmbio importados estavam tinindo debaixo do capô da novidade. Uma beleza!
Mas a marca italiana não sabia que um enorme dilema iria atormentá-la: adaptações realizadas, tudo funcionando e nos conformes, porém não havia um dedo de espaço para instalação do sistema de ar-condicionado (composto por compressor, condensador e tubulações). Pensa daqui, tenta por acolá, e nada do sistema caber no exímio espaço deixado pelo motor turbo de 118 cv dentro do cofre do hatch esportivo. A engenharia comunicou, então, ao departamento de marketing e ao CEO da marca italiana, um conhecido e experiente dirigente da indústria automotiva, também nascido na Itália, que o novo esportivo não teria ar-condicionado.
O problema é que a concorrência tinha tal item disponível, e, coincidentemente, o esportivo, topo de linha, seria lançado simultaneamente com outra versão 1.0 de entrada dotada de equipamentos de luxo, incluindo o ar-condicionado! Saia justa: apresentariam, ao mesmo tempo, um esportivo cheio de tecnologias, mas que dispensava o equipamento de conforto, enquanto outra versão mais “pelada” do mesmo modelo trazia o item opcionalmente.
Sem sentido algum, mas a culpa ainda era a falta de espaço. Em um país em que as temperaturas médias normais estão sempre acima dos 30º, o ar-condicionado seria essencial para um carro que estava sendo lançado como um esportivo caro e de alta tecnologia (na época, seus preços chegavam aos US$ 25 mil). Para piorar ainda mais a situação, o evento de lançamento do hatch com motor turbo aconteceu no calorão nordestino de fevereiro. Mais precisamente, em Recife (PE). Imaginem o desconforto.
Inconformado com a negativa da engenharia, que dizia não ser possível instalar ar-condicionado no hatch esportivo topo de linha, o CEO da marca italiana conversou com um outro italiano, que era gerente da oficina assistencial que cuidava da manutenção dos carros da frota da fábrica. O chefão, utilizando o carro por alguns dias para testes e experimentos, percebeu que era absolutamente inviável vender um esportivo naquele preço, e para aquele público-alvo, sem o equipamento de conforto. Vá lá, o modelo era bem rápido e um verdadeiro esportivo, mas precisava do ar-condicionado.
O italiano que cuidava da oficina assistencial da marca, um experiente piloto, exímio mecânico e até um competente ferramenteiro, ganhou a incumbência do todo-poderoso da marca aqui no Brasil de tentar adaptar um sistema de ar-condicionado naquela unidade utilizada pelo CEO. Missão dada, missão cumprida! Depois de um curto período de tempo, o chefe de oficina apresentou ao chefão seu hatch esportivo com motor turbo e ar-condicionado gelando. E disseram que não cabia…
O CEO italiano preparou uma reunião com sua competente engenharia, sem dizer do que se tratava. Técnicos e engenheiros reunidos, aguardavam pela surpresa que os colocaria numa situação pra lá de difícil. O todo-poderoso da marca levou toda a equipe até o seu carro, funcionando e com interior fresquinho, graças à performance do ar-condicionado, instalado pela oficina da fábrica. Aos incrédulos, o sarcasmo do CEO: “para quem duvida, e acha que não é possível colocar ar-condicionado nesse carro, é só falar com o chefe da oficina assistencial que ele ensina!”.
Um tapa de pelica na cara de toda a equipe de engenharia, que até então insistia ser impossível a instalação do equipamento de conforto no tal hatch turbo, por conta da falta de espaço no cofre. Ficou claro que engenharia vai muito além do que saber fazer cálculos, dimensionamentos e previsões, mas também desenvolver um bom nível de criatividade na hora de tocar um projeto. Para eles, foi mais fácil falar que “não dava certo” do que pensar, imaginar e tentar viabilizar aquela ideia.
O carro hatch turbo foi lançado em março de 1994, lembram-se? Foi vendido sem ar-condicionado, claro que de maneira tímida, até fevereiro de 1995, quando ganhou o equipamento de série. Pensem em quantas vendas eles perderam para a concorrência por não oferecerem o item de conforto. Só comprou o carro sem ar-condicionado quem morava em regiões frias do país, ou então aqueles consumidores tarados apenas por desempenho.
Para a instalação do sistema de ar-condicionado, o técnico italiano da oficina assistencial foi obrigado a criar novos dutos para admissão do turbo, liberando um espaço para a colocação de compressor e sua correia, tubulações e o condensador, que ia na frente do radiador. O fato é que esse kit virou um item de série do carro, isso quase 1 ano depois do lançamento, e precisou de mudanças mais profundas no hatch esportivo: ele ganhou tomadas de ar maiores na dianteira, também atendendo ao sistema de refrigeração, e ainda “engordou” o carro em 30 kg. Por isso, foram necessários ajustes na sua suspensão dianteira.
Sem contar que seu preço salgou bastante com o novo equipamento: cresceu R$1.700 da época, ou quase R$19 mil nos dias atuais. Ainda assim, era um item de conforto indispensável num esportivo topo de linha como ele, mesmo nos anos 1990. Histórias da nossa indústria automotiva…
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Como sempre, começo parabenizando o AutoPapo por dispensar aquela praga de ‘login’ para fazer comentários !
Em seguida, pergunto: afinal, em qual regra de língua portuguesa está dito/escrito que “ar condicionado” deve ser escrito com hífen ?! Por quê, gente ?!?! É, definitivamente, SEM hífen !!!