O que ninguém te contou sobre a CNH sem autoescola

Entenda as principais propostas da resolução divulgada em consulta pública e como isso pode mudar o processo de habilitação na prática

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O projeto CNH sem autoescola o processo “mais acessível, flexível e desburocratizada”, mas traz preocupações sobre o aprendizado e segurança viária (Foto: Ernani Abrahão | AutoPapo)
Por Julia Vargas
Publicado em 25/10/2025 às 13h00

A obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) sem autoescola está cada vez mais próxima da realidade. No início do mês de outubro, o presidente Lula autorizou que o projeto CNH + Acessível, que retira a obrigatoriedade dos Centros de Formação de Condutores (CFCs) no processo de habilitação, fosse avaliado em consulta pública.

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Dessa forma, durante um mês (até dois de novembro), a minuta do projeto está disponível para análise dos brasileiros, que poderão contribuir enviando comentários e sugestões. Com isso, o que antes era um conjunto de falas, propostas e textos por parte do Ministério dos Transportes e da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran), se tornou um projeto mais concreto, formal e aberto ao público.

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Isso permitiu que a equipe do AutoPapo analisasse todo o documento. Foram identificadas novidades e mudanças que não haviam sido divulgadas anteriormente, incluindo algumas contradições em relação às falas passadas. Para Roberta Torres, especialista em educação no trânsito com mais de 24 anos de estudos na área, a minuta não está focada no processo de ensino aprendizagem.

De acordo com a estudiosa, “a discussão está totalmente focada no preço e numa ideia falsa de ‘desburocratização’. Falsa porque o processo burocrático irá continuar de acordo com a proposta, pois os exames e as etapas permanecem. A única coisa que eles estão querendo excluir é a parte da aprendizagem obrigatória”.

Confira a seguir, o que foi descoberto sobre a iniciativa CNH sem autoescola e como essa proposta pode mudar o processo de habilitação na prática. Para participar da consulta pública, basta acessar o site Participa + Brasil.

Aulas de direção serão opcionais

No artigo 10 da minuta do projeto, é estabelecido que as aulas práticas, ou seja, de direção, serão optativas. Isso significa que, assim que for aprovado no exame teórico e adquirir a Licença de Aprendizagem Veicular, o candidato já poderá realizar o exame prático, sem precisar fazer nenhuma aula.

De acordo com o artigo 38 do projeto, “a partir da aprovação nos exames teóricos, independentemente da realização prévia de aulas práticas de direção veicular, o candidato poderá agendar a realização do exame de direção veicular, destinado a avaliar as habilidades do candidato na condução do veículo”.

Pauta não vai vencer após 12 meses

Devido à pandemia do covid-19, muitos aspirantes a motorista tiveram a oportunidade de realizar o processo da CNH em 2 ou 3 anos em razão das dificuldades impostas pelo isolamento social. No entanto, passado esse momento, voltou a valer o período de apenas 12 meses para conclusão da pauta.

Mas, com a proposta de CNH sem autoescola, o processo de formação, segundo o artigo 11, será encerrado apenas em caso de:

  • Expedição da CNH ou da ACC;
  • Solicitação do próprio candidato;
  • Inaptidão permanente constatada em exames de aptidão física e mental ou em avaliação psicológica;
  • Aplicação de medida administrativa ou sanção prevista no Código de Trânsito Brasileiro ou na respectiva Resolução;
  • Não atendimento dos requisitos estabelecidos na respectiva Resolução; ou
  • Óbito do candidato.

Fora isso, “o processo de formação do candidato permanecerá aberto por tempo indeterminado, e será encerrado apenas nos casos estabelecidos”.

Curso teórico em várias modalidades, carga horária flexível e novas avaliações

Atualmente, o curso teórico é fornecido pelos Centros de Formação de Condutores (CFCs) e tem carga horária total de 45 horas-aula. Ele é dividido nas seguintes disciplinas:

  • Legislação de Trânsito;
  • Direção defensiva para veículos de duas ou mais rodas;
  • Noções de Primeiros Socorros;
  • Noções de Proteção e Respeito ao Meio Ambiente e de Convívio Social no Trânsito;
  • Noções sobre Funcionamento do Veículo de duas ou mais rodas.

Mas, o artigo 18 da nova resolução prevê que o candidato pode realizar o curso teórico com as seguintes instituições e modalidades:

  • Órgão máximo executivo de trânsito da União, realizado na modalidade de EaD, do tipo assíncrono (aulas gravadas);
  • Autoescolas, realizado na modalidade presencial ou de EaD, dos tipos síncrono (transmissão ao vivo) ou assíncrono;
  • Entidades de EaD, realizado na modalidade de EaD, dos tipos síncrono ou assíncrono;
  • Escolas Públicas de Trânsito, realizado nas modalidades presencial ou de EaD, dos tipos síncrono ou assíncrono; ou
  • Órgãos ou entidades integrantes do Sistema Nacional de Trânsito, realizado nas modalidades presencial ou de EaD, dos tipos síncrono ou assíncrono.

Dessa forma, o candidato poderá optar, de forma livre e consciente, pelo órgão ou entidade, bem como pela modalidade de aprendizagem que melhor atenda às suas necessidades e preferências. A carga horária dos cursos será definida por cada instituição, sem limite mínimo previamente estabelecido.

Novas disciplinas

Segundo o Anexo III da minuta, o texto ainda estabelece um novo currículo com as seguintes matérias:

  • Princípios de Segurança do Trânsito;
  • Normas e Princípios Gerais do Trânsito;
  • Condução Eficiente e Segura;
  • Saúde, Primeiros Socorros e Autocuidado no Trânsito;
  • Trânsito e Meio Ambiente;
  • Usuários Vulneráveis.

Avaliação única ou segmentada

Outra mudança é no tipo de avaliação, que, como previsto no artigo 20, poderá ser aplicada de forma segmentada, ao final de cada módulo do conteúdo, ou em avaliação única ao término do curso. A escolha fica a cargo da entidade responsável pela formação.

O critério para aprovação continua o mesmo, o estudante deve obter um aproveitamento mínimo do candidato de 70% de acertos. No artigo 21 ainda é informado que quem não atingir esse percentual poderá refazer a avaliação quantas vezes forem necessárias.

Prova teórica poderá ser feita de casa no seu computador

A presente legislação diz que o exame teórico deve ser realizado presencialmente em alguma unidade do Departamento Estadual de Trânsito (Detran) ou em um CFC credenciado com devido monitoramento. No entanto, o artigo 30 do projeto CNH Mais Acessível estabelece uma série de mudanças.

O órgão executivo de trânsito responsável, ficará responsável por definir o formato e a forma de aplicação dos exames teóricos. As provas podem ter formato físico (impresso) ou eletrônico (ambiente digital) e podem ser aplicadas na modalidade:

  • Presencial: local e horário previamente designados, sob supervisão direta do órgão ou entidade executivo de trânsito competente;
  • Híbrida: local e horário previamente designados, sob monitoramento eletrônico de responsabilidade do órgão ou entidade executivo de trânsito competente;
  • Remota: local e horário de escolha do candidato, sob monitoramento eletrônico de responsabilidade do órgão ou entidade executivo de trânsito competente.

A última opção, permite inclusive que a prova seja acessada por meio de hardware próprio do candidato.

Instrutores autônomos serão credenciados pelos órgão de trânsito

Um dos principais pontos da proposta de CNH sem autoescola é a permissão para que instrutores atuem de forma independente aos CFCs. Dessa forma, o artigo 75 da minuta afirma que os órgãos executivos de trânsito em cada estado serão responsáveis por credenciar, monitorar e exercer controle sobre esses profissionais e sobre as autoescolas.

Continuam a valer as exigências estabelecidas pelo art. 4º, da Lei nº 12.302, de 2 de agosto de 2010 para que o instrutor possa ministrar cursos teóricos, especializados ou aulas práticas de direção veicular.

Aulas de direção poderão ser feitas com instrutores autônomos diferentes

Atualmente, após a aprovação nos exames teóricos, é preciso fazer um curso de direção veicular com carga horária mínima de 20 horas aula oferecido por um CFC. Enquanto isso, os artigos 33 e 34 do projeto CNH sem autoescola prevêem outras possibilidades.

O candidato poderá, a seu critério, iniciar aulas práticas de direção veicular escolhendo a quantidade de aulas que preferir e se pretende contratar um instrutor autônomo ou uma autoescola. O profissional contratado para a formação poderá, inclusive, ser substituído a qualquer momento.

Você poderá fazer aulas e a prova de direção no seu carro, mesmo se ele for automático

A legislação atual prevê que, além da identificação de veículo de aprendizagem, é preciso que o modelo esteja equipado com freios e embreagem de duplo comando. Mas, o artigo 40 muda isso e diz que no exame de direção “poderá ser utilizado veículo disponibilizado pelo órgão ou entidade executiva de trânsito competente, ou apresentado pelo candidato”.

Isso inclui automóveis próprios, de instrutores ou ainda de terceiros, o que fica a critério da instituição responsável. Dessa forma, será possível utilizar um carro automático ou que não tenha os pedais de freio para o examinador.

Essa possibilidade foi confirmada ao AutoPapo pelo Secretário Adrualdo Catão, que ainda reiterou que o aspirante a motorista vai poder carteira B em carro automático e, uma vez que estiver com a CNH em mãos, dirigir um carro manual, mesmo que nunca tenha feito isso antes.

O veículo precisa apenas atender às condições de circulação e segurança previstas no CTB e nas normas complementares do Contran. Logo, de acordo com o artigo 154 do Código de Trânsito, existem duas opções de identificar os veículos:

Os veículos destinados à formação de condutores serão identificados por uma faixa amarela, de vinte centímetros de largura, pintada ao longo da carroçaria, à meia altura, com a inscrição AUTO-ESCOLA na cor preta.
1º No veículo eventualmente utilizado para aprendizagem, quando autorizado para servir a esse fim, deverá ser afixada ao longo de sua carroçaria, à meia altura, faixa branca removível, de vinte centímetros de largura, com a inscrição AUTO-ESCOLA na cor preta.”

Essa possível mudança levanta preocupações especialmente em relação à segurança. Roberta Torres afirma que “esse é um dos pontos mais frágeis e irresponsáveis da minuta proposta”.

Segundo a estudiosa:

Colocar um aprendiz em um carro com um examinador, sem o auxílio do duplo comando de freio e embreagem em uma área de exame com pedestres, outros veículos e demais aprendizes é como criar um ambiente totalmente propício para sérios acidentes, que hoje chamamos de sinistros de trânsito, em especial, os atropelamentos.”

Vai ficar mais fácil passar na prova de direção

A Resolução 789 de junho de 2020 ainda vigente prevê tudo sobre o exame prático de direção, incluindo o seu processo de avaliação:

Art. 18. O candidato será avaliado no Exame de Direção Veicular em função da pontuação negativa por faltas cometidas durante todas as etapas do exame, atribuindo-se a seguinte pontuação:
– Uma falta eliminatória: reprovação;
– Uma falta grave: três pontos negativos;
– Uma falta média: dois pontos negativos;
– Uma falta leve: um ponto negativo.

Logo, será considerado reprovado o candidato que cometer falta eliminatória ou cuja soma dos pontos negativos ultrapasse a três. Dessa forma, para obter a aprovação, a pessoa só pode perder três pontos, o que significa cometer uma infração grave, três infrações leves ou uma média e uma leve.

O artigo 19 da resolução ainda lista quais são as faltas válidas para as categorias B, C, D e E; e em quais graus de severidade elas se enquadram:

  • Faltas Eliminatórias: avançar semáforo ou parada obrigatória; avançar sobre o meio fio; não colocar o veículo na área balizada, em no máximo três tentativas, no tempo estabelecido; avançar sobre o balizamento demarcado; transitar pela contramão de direção; avançar a via preferencial; etc.
  • Faltas Graves: desobedecer a sinalização da via ou ao agente de trânsito; não observar as regras de ultrapassagem ou de mudança de direção; não dar preferência de passagem ao pedestre que estiver atravessando a via; manter a porta do veículo aberta ou semi-aberta durante o percurso da prova; não usar devidamente o cinto de segurança; etc.
  • Faltas Médias: executar o percurso da prova sem estar o freio de mão inteiramente livre; trafegar em velocidade inadequada para as condições do local; interromper o funcionamento do motor, sem justa razão; fazer conversão incorretamente; usar buzina sem necessidade ou em local proibido; desengrenar o veículo nos declives; etc.
  • Faltas Leves: provocar movimentos irregulares no veículo, sem motivo; não ajustar devidamente os espelhos retrovisores; apoiar o pé no pedal da embreagem com o veículo engrenado e em movimento; dar partida ao veículo com a engrenagem de tração ligada; etc.

Anteriormente, o Secretário de Trânsito afirmou categoricamente ao AutoPapo, que o projeto CNH sem autoescola não alteraria as provas práticas. Mas, de acordo com o artigo 41 e 42 da minuta disponibilizada na consulta pública, o exame prático terá novos critérios de avaliação.

O candidato iniciará a prova com 100 pontos e, à medida que cometer faltas, terá pontos descontados para cada infração de trânsito que cometer. Para ser aprovado, o aspirante a motorista deverá ter aproveitamento mínimo de 90 pontos.

Cada irregularidade valerá um ponto, que deve ser multiplicado pelo peso da gravidade da infração. Na prática, a pontuação equivale ao peso da falta, que pode ir de um a quatro:

  • peso um: infração de trânsito de natureza leve – 1 ponto;
  • peso dois: infração de trânsito de natureza média – 2 pontos;
  • peso três: infração de trânsito de natureza grave – 3 pontos;
  • peso quatro: infração de trânsito de natureza gravíssima – 4 pontos.

Desse modo, se os artigos 41 e 42 da minuta forem aprovados, o candidato poderá perder dez pontos e mesmo assim será aprovado, enquanto a legislação atual prevê apenas três. Ele poderá cometer duas faltas gravíssimas e uma média (ou duas leves) e não será reprovado.

Na prática isso significa que ele poderá fazer tudo isso no exame e ainda ser aprovado:

  • Avançar um semáforo ou placa de pare (infração gravíssima – 4 pontos);
  • Subir no meio fio (infração gravíssima – 4 pontos);
  • Transitar em velocidade até 20% superior à máxima permitida para a via (infração média – 2 pontos).

Além disso, o candidato reprovado, se não for eliminado por decisão dos examinadores, poderá fazer nova tentativa no mesmo dia, desde que o órgão ou entidade executiva de trânsito competente possa fazer esse atendimento.

Sobre essa flexibilização na avaliação do exame, Roberta Torres questiona: que tipo de motorista será o candidato que comete infrações gravíssimas e ainda é aprovado? Que tipo de mensagem isso passa para a população?

Para ela:

Essa minuta é uma aberração sem nenhum fundamento pedagógico e nenhuma responsabilidade com a segurança no trânsito. Estamos indo no caminho totalmente inverso daquilo que acordamos para a Década de Ações para a Segurança no Trânsito e o compromisso de reduzir em 50% o número de mortes e sinistros de trânsito até 2030.”

A especialista ainda reforça que é preciso urgentemente olhar para a formação de condutores com o olhar pedagógico. Ela afirma que a Senatran deve criar uma Base Curricular Nacional da Formação de Condutores, assim como o MEC já fez para a educação básica.

Esse currículo único funcionaria como a diretriz para as autoescolas, cursos teóricos (presencial ou EAD), exames, materiais didáticos, formação dos profissionais, etc. Isso porque hoje não há uma padronização e cada estado tem suas próprias regras, o que, segundo ela, abre brechas para ilegalidades nas avaliações.

Exame de direção poderá ser monitorado eletronicamente e de forma remota

O texto ainda prevê a possibilidade de modernização das provas práticas com monitoramento eletrônico, previsto pelo artigo 39. As ferramentas auxiliarão a atestar o cumprimento dos critérios de avaliação e fundamentar a decisão da comissão examinadora.

Nesse caso,  a comissão de exame de direção veicular poderá realizar a avaliação de forma remota, desde que assegurado o acesso às informações necessárias. Além disso, é direito do aspirante a motorista ter acesso a todas as informações eletrônicas geradas, podendo utilizá-las em eventual contestação dos resultados.

É possível fazer menos aulas para mudar de categoria

Para mudar a categoria da sua CNH para habilitações do tipo C, D e E, além de cumprir uma série de requisitos, é necessário fazer o curso de direção com carga horária de 20 horas aula. Mudando mais uma vez, a parte prática do processo de habilitação, o artigo 48 da nova resolução prevê que esse número caia pela metade, passando para 10.

O curso poderá ser realizado em autoescolas ou por meio do Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Senat). E, assim como tirar a primeira CNH (categorias A e B), também vai ficar mais fácil mudar de categoria, já que os novos esquemas de pontuação e avaliação previstos nos artigos 41 e 42 mencionados anteriormente também serão aplicados para esse processo.

Processo para obter a CNH pode começar nas escolas

O projeto CNH sem autoescola também diz no artigo 62 que os candidatos à obtenção da CNH ou da ACC matriculados no ensino médio poderão iniciar o processo de formação como atividade extracurricular. Mas, isso vale apenas para a parte teórica do curso, em que serão ensinadas as matérias do novo currículo, que já foi mencionado nesta reportagem.

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