Nossos automóveis vão cumprir as metas de descarbonização?

A classificação de híbridos e utilização de biocombustíveis não são compatíveis com a realidade do mercado brasileiro

Em comparação com países de primeiro mundo, Brasil ainda demorou a reduzir as partículas por milhão (ppm) de enxofre presente no diesel
Reduzir a emissão de CO2 dos veículos leves e pesados é uma questão de sobrevivência (Foto: Shutterstock)
Por Boris Feldman
Publicado em 05/10/2024 às 09h00

A Anfavea (associação das fábricas de veículos) divulgou no final de setembro uma pesquisa intitulada “Avançando nos Caminhos da Descarbonização Automotiva no Brasil” que encomendou ao Boston Consulting Group (BCG) e que levou a diversos setores do governo, inclusive ao vice-presidente Geraldo Alckmin. Ela foi compilada a partir de centenas de entrevistas com fornecedores, consumidores, produtores de biocombustíveis e outros do setor.

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Através deste estudo, a entidade pretende contribuir para o desenvolvimento de um ecossistema coerente com os compromissos de descarbonização assumidos pelos países nas Conferências da ONU sobre as Mudanças Climáticas (COP) e que terá lugar, em 2025, em Belém (PA).

Segundo o estudo, as emissões do setor automotivo atingem 242 milhões de toneladas de CO2 por ano, mas poderão atingir 256 milhões em 2040, caso não se implantem novas tecnologias e biocombustíveis. O que exige uma combinação de esforços que envolve os setores de geração de energia, infraestrutura de recarga, fabricantes de veículos leves e pesados e biocombustíveis.

O que a pesquisa revela é que, adotadas novas tecnologias de propulsão que envolvem híbridos e elétricos, além de biocombustíveis, nos próximos 15 anos as emissões totais de gás carbônico (CO2) poderiam ser reduzidas em 280 milhões de toneladas. E cerca de 50% adicionais caso se adotem: renovação da frota, inspeção veicular e aumento do poder calorífico dos combustíveis (etanol e diesel).

carro hibrido chassi stellantis portal
Grau de descarbonização dentre as variantes de carros híbridos dependem do tipo de tecnologia (Foto: Stellantis | Divulgação)

O estudo da Anfavea/BCG foi realizado de forma criteriosa, a partir de pesquisas muito abrangentes e revela um grande potencial do setor automotivo brasileiro de reduzir significativamente o nível de emissões de CO2 caso sejam realmente aplicadas as novas tecnologias de propulsão disponíveis hoje no mercado. Mas sinaliza que a venda de veículos híbridos e elétricos pode ser maior que a de veículos a combustão até 2030. E até 90% deles em 2040. E a importância de se elevar o teor dos combustíveis. É aí que “a porca torce o rabo”.

Distorções técnicas na meta de descarbonização

Da previsão de descarbonização escapam alguns detalhes técnicos e os números podem não refletir um quadro preciso do futuro do nosso mercado. Quais?

  • A afirmação de que, até 2030, a venda de carros híbridos ou elétricos poderá superar a de veículos com motores a combustão é apenas parcialmente correta. Na verdade, os veículos elétricos e híbridos plug-in contribuem significativamente para a redução de emissões. Mas o ”Full-Hybrid” ou híbrido pleno (não plug-in) reduz o consumo de combustível em percentuais apenas razoáveis, contribuindo discretamente para a descarbonização. Maior distorção ainda está no “híbrido-leve”: a rigor, funciona somente com o motor a combustão pois o elétrico (de baixa potência) entra apenas como coparticipante de forma discreta. Também chamado de “Mild-Hybrid”, é mais uma resposta das fábricas às exigências de descarbonização que propriamente uma solução do problema. E deveria ser classificado pelo BCG como automóvel com motor a combustão. Já o PHEV (híbrido plug-in), ao contrário, pode rodar grandes quilometragens (às vezes dias ou semanas) apenas com a energia das baterias.
  • Outra questão não levada em conta no estudo da Anfavea são os problemas causados pelo aumento da participação do biocombustível na gasolina e no diesel. O Projeto de Lei “Combustíveis do Futuro”, já praticamente aprovado pelo Congresso, sugere o aumento dos percentuais de etanol na gasolina e biodiesel no diesel. Mas nenhuma legislação é capaz de resolver a dificuldade técnica e os problemas que poderão prejudicar o funcionamento dos motores.

No caso do etanol, ao contrário dos flex, carros a gasolina não foram projetados para receber 35% de etanol na mistura. São aqueles produzidos antes de 2003 (início da tecnologia flex) ou os importados de qualquer época.

No caso dos motores a diesel, a elevação do teor de biodiesel dos atuais 14% (B14) para 20% em 2030 (B20), pode provocar entupimento e travamento de motores de ônibus, caminhões, jipes e máquinas agrícolas. Segundo os frotistas, quase uma catástrofe. Pois o biodiesel absorve umidade provocando borra no fundo do tanque. Existem soluções para o problema, mas de custo elevado. O HVO (Hydrotreated Vegetal Oil) ou “Diesel Verde”, por exemplo, tem exatamente a mesma molécula do diesel, mas custa cerca do dobro.

No frigir dos ovos, o estudo desenvolvido pela Anfavea é pertinente, adequado e oportuno. Mas algumas questões de ordem técnica precisam ser solucionadas, pois há que se ter maior rigor na classificação dos automóveis elétricos e híbridos e no aumento da utilização do biocombustível.

No caso do biodiesel, a própria Anfavea se manifestou oficialmente contra o aumento de seu teor no diesel. Em 2021, ela publicou um manifesto em conjunto com outras entidades do setor afirmando que a elevação do teor de biodiesel deveria ser precedida de uma “análise ampla e criteriosa, que garanta a viabilidade técnica e a segurança para seus produtores e usuários”.

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2 Comentários
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Polvo 7 de outubro de 2024

A grande massa de veículos que roda aqui na grande SP são de carros de aplicativos, como Uber e 99 e de entregas de E-commerce, como Shopee, Mercado Livre, Magalu, etc. Pra diminuir a poluição dessa imensa frota, esses trabalhadores precisariam ter a possibilidade de utilizar um veículo que polua menos. Como custa caro demais, os elétricos e híbridos ficam na mão de uma minoria que dispõe de alto poder aquisitivo.

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Santiago 5 de outubro de 2024

E pra completar,:
Os veiculos elétricos à bateria não soltam fumaça, mas dependem da eletricidade “pronta para o consumo” e indisponível em grande escala a partir de matrizes limpas. O parque hidroelétrico já está no seu limite, o parque eólico já encontra limitações ambientais e de espaços, enquanto que o parque fotovoltaico ainda não tem potencial de produzir em grande escala (apenas de forma auxiliar e em algumas situações particulares).

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