Eduardo Pincigher faz uma análise de como os sedãs perderam espaço no mercado e praticamente desapareceram das concessionárias
Esbarrei dia desses com um texto curioso de uma comediante norte-americana. “Pra onde foram todos os carros pequenos?” era o título de sua coluna, o que faz um tremendo sentido para o mercado local. Copiei a ideia. Mas vou adaptá-la ao meu gosto e à realidade do Brasil. Essa foi parte da inspiração para escrever a coluna dessa semana.
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“Pra onde foram todos os sedãs?” Ela mencionava modelos importantes de seu passado, como Mitsubishi Mirage (hatch do porte de um Renault Sandero), Honda Civic e BMW Série 1. E o quanto odiava os pneus run flat de seu BMW, o que a fez trocá-lo por um Jeep Wrangler.
BMW Série 1 > Jeep Wrangler? Parei de ler, óbvio. Mas a ideia (do texto) era boa.
Fui levar as crianças ao colégio, hoje cedo, na zona sul de São Paulo. Entrei na fila para desembarcá-los na portaria da escola e eis que, estacionado, garbosamente, vejo um sedã bem bonito da Nissan. Na hora, não distingui pela frente se era Versa ou Sentra. Nunca os sedãs dessa marca chamaram minha atenção, como os Honda e os Mitsubishi (quando existiam).
Era Versa. Ótimo sinal! Que carro charmoso!
Com as devidas inspirações explicadas, torno a perguntar: “pra onde foram todos os sedãs?” Tirando o meu, pois é óbvio que eu me recuso a abrir mão deles, cadê os demais?
Volte rapidamente aos anos 1970. Esta foi a década que forjou minha personalidade automotiva. As ruas eram infestadas de Fusca, Brasília e Variant. Tinham muitas Kombi também. E alguns DKW, Belina, Caravan e TL.
A cobiça que brotava do olhar do Eduzinho, no entanto, lançava-se aos sedãs. A todos eles. Aos grandalhões (Galaxie e Dodge Dart), aos médios (Opala e Maverick) e até aos compactos (Chevette e Corcel). E ao mais bonito de todos eles, o Alfa Romeo 2300. Por mais trivial que fosse conviver com esses modelos, eu sempre os observava atentamente, empoleirado no banco traseiro do VW Brasília 75 do meu pai. Cruzava o que havia visto na rua com a leitura mensal de Quatro Rodas. E era capaz de distinguir o ano de fabricação de cada carro dessa década por detalhes como retrovisor, logotipos ou polainas.
Não sabe o que é polaina? Dá um Google.
Sendo mais honesto: o Corcel era a exceção que confirmava a regra. Só o incluí no parágrafo acima para reforçar a tese, mas a verdade é que eu sempre achei Corcel um carro insosso. Eu olhava pra ele também, mas mais para ter a certeza de que era o único que eu realmente não gostava. Êta carrinho sem graça… Pelo menos quando a Ford o substituiu pelo Corcel II, a antipatia… persistiu. De carrinho passou a um carro um pouco maior, mas que continuava sendo totalmente sem graça.
E carros devem ser divertidos. Até um Chevette podia ser divertido, visto que boa parte das ruas na periferia de São Paulo eram assentadas com paralelepípedos e, quando chovia, era flagrante o quanto o pequeno sedã da Chevrolet era divertido nas subidas.
Opala e Maverick também eram carros divertidos, mesmo que vítimas de problemas de projeto. Não importa. São divertidos até hoje, basta ver o que custam como antigos. Acho loucura botar tanta grana em um carro desses, mas cada um faz o que quer com o seu dinheiro. Eu não engolia muito um carro com suspensão traseira de carroça (desculpe se ofendi algum apaixonado por feixe de molas semielípticas, mas é a pura verdade). E nem o outro, que vivia com trincas nas longarinas e pivôs quebrados na suspensão dianteira. Mas os roncos do Ford V8 302 e do Chevrolet 250-S, vá lá, compensavam.
Além disso, por ser morador do bairro de Interlagos, eu vivia no Autódromo nesse período – traçado antigo ainda –, geralmente pulando o muro da curva 3 para ver treinos de Stock-Car e Marcas. E vários sedãs faziam parte desse cardápio.
Já adulto, formado em Jornalismo, ingressei na Quatro Rodas, em 1991. Fui escalado para a equipe técnica, como era chamado o time que fazia as avaliações e os testes de pista. Passei a usar esses carros, que eram objetos de reportagens, todo o tempo. Fui comprar o meu primeiro carro em 1993. Era um Gol LS 86. Mas ele não tinha graça. Logo pulei para sedãs mais divertidos.
Tive inúmeros. Só interrompi essa bem-sucedida saga quando me casei e o carro passou a ser usado pela esposa, que preferia hatches. Antes disso, porém, e não necessariamente nessa ordem, tive LTD 1972 (primeiro nome adotado pela Ford para seu Galaxie de luxo, depois chamado de Landau). Tive Opala Diplomata 1986, 6 cil., com câmbio manual e sem trinca. E alguns Voyage (LS 1984, GL 1989 e, o melhor deles, um Sport 1993). Depois de casado, misturados aos hatches médios, ainda consegui comprar alguns sedãs. Tive Corsa Sedan 1.8, Astra Sedan 2.0 16V, Clio Sedan 1.6 16V, Tempra 8V e 16V. Tive até Marea 2.0.
Na equipe de Testes da revista, eu fui responsável por avaliar alguns dos primeiros sedãs importados naquele início dos anos 90. Fiz a estreia de Audi 100 e S4, Peugeot 405, 505 e 605, Alfa Romeo 164 24V, Renault 21, Hyundai Excel e Accent, Mazda Protegé e 626, Daihatsu Charade, Mitsubishi Galant e Diamante, dentre os que eu me lembro. Houve outros tantos em testes regulares da revista, isto é, sem que fossem lançamentos. Dezenas deles.
Minha vida foi recheada de sedãs.
Mais tarde, já nos anos 2000, eles eram os SUVs de hoje. Mandavam no pedaço. A Volkswagen tinha 4 em sua linha (Polo Classic, Bora, Santana e Passat). Na Chevrolet, mais 4 (Corsa Sedan, Astra Sedan, Vectra e Omega). Hoje a VW tem 2 (Virtus e Jetta GLi), enquanto a GM… só o Onix Sedan. Fato é que eles se tornaram raros nas ruas. A coisa tá tão feia que até um singelo Nissan Versa hoje chama minha atenção.
A gente sabe qual a motivo. Os sedãs estão desaparecendo pela mesma razão que já sumiram stations (camionetas), minivans e hatches de porte médio. Um aparte: você tem noção que o consumidor brasileiro de 25 anos atrás, se quisesse um hatch médio, podia escolher entre Audi A3, Chevrolet Astra, Ford Escort, Fiat Brava, VW Golf e New Beetle, Mercedes Classe A, Citroën Xsara, Peugeot 306, Renault Mégane e até Seat Ibiza? Hoje só um ou outro modelo premium, tipo BMW Série 1.
Só me resta sugerir.
Se você tem filhos, viaja muito nos finais de semana, valoriza a posição de guiar mais alta e eventualmente roda por alguma estrada mal pavimentada, eu até entendo a sua opção por um utilitário-esportivo. Se este caso acima não for rigorosamente o seu perfil, compre um sedã. Vem na minha.
Feita a compra, caso ainda esteja em dúvida, pegue uma estradinha sinuosa, cheia de curvas, descidas, subidas e frenagens fortes. E vá pra lá com seu carro para entender o porquê de um sedã ser tão “divertido”. Mas não estou aqui pra catequisar ninguém. (Mentira).
Tá bom, existe a cretinice de dizer que quem gosta de sedã é velho. Se você não quiser ser chamado de tio, escolha um hatch. Sempre que você comprar um modelo como esse, a possibilidade de a próxima geração ser mantida também aumenta. E quem faz hatch acaba projetando sedã…
PS. Isso foi mais uma crônica do que uma coluna. Não é toda semana que a gente consegue abordar um tema mais polêmico para colocar em discussão. Espero que você tenha apreciado esse estilo. Terei de usá-lo outras vezes.
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E perdendo espaço para o quê???
Para a deprinente moda dos hatches-caixote sem personalidade, emplacados no mercado pelo rótulo “suv” que atrai multidões ávidas pelo apelo de “estar de SUV”!!!
Ainda tenho a esperança de que isso seja uma moda passageira, e quem sabe um dia os automóveis mais autênticos voltem a dominar o mercado. .
Eduardo que bom ler este texto.
Eu tive alguns carros, hatches, uma station wagon, tive a oportunidade de dirigir alguns suves… E sedãs, dentre eles, o citado Nissan Versa.
Porém de todos os carros que tive, o que eu mais gostei de longe foi o Ford Escort GLX, ano 2000, com motor 1.8 – é a minha definição de carro perfeito: desempenho, agilidade e o melhor “ponto H” (posição de dirigir) entre todos, ao menos o que eu mais gostei.
E após este Escort, todos os outros que tive ou aluguei – sedãs, hatches e suves, além de um Peugeot 307 SW – sempre procurei de alguma forma “emular” a posição de dirigir do Escort. Inclusive nos suves (a saber, um Fiat Ideia e um Renault Duster).
Para mim, suv é o tipo de carro mais frustrante para mim no quesito prazer ao dirigir. Posicionei o banco no ponto mais baixo possível, mas a sensação de dirigir um carro alto não foi amenizada. Não sou chegado a carro com centro de gravidade alto, pesado e falta de agilidade numa saída de semáforo.
Por isso, viva os sedãs, os hatches, as stations… Não sou contra os suves, mas gostaria de mais opções no mercado. Façam sedãs básicos, com preços competitivos (quero dizer, abaixo de 80 mil), invistam em um bom marketing para esses carros, e veja o que acontece!
As ruas de minha cidade, cheias de quebra molas e valetas enormes, exigem um carro com grande altura livre do solo, como minha Duster.Penso em comprar um carro elétrico, mas eles são desafortunados nesse quesito.São muito caros ainda e a geração atual fica ” popotizada” por inutilidades como uma tela que gira sem ser catavento!