Reflexos da reforma tributária no mercado de carros PcD

O texto sancionado pelo governo contém retrocessos históricos nas regras para isenções, mas também houveram melhorias

veículos dirigidos por PcD poderão estar isentos de rodízio
Novas regras irão complicar a vida das PcD que precisam de um automóvel (Foto: Shutterstock)
Por Alessandro Fernandes
Publicado em 02/03/2025 às 15h00

Anos de luta, suor e lágrimas de muita gente foram derramados para que as pessoas com deficiência (PcD) tenham direito a adquirir carros com isenção de impostos, para terem uma ajuda na forma de se mover pelas cidades, com um mínimo de dignidade na vida diária e um pouco de equidade com outras pessoas.

Tudo isso pra chegar ao dia 16 de janeiro de 2025, quando o Presidente da República sancionou o texto que regulamenta a Reforma Tributária, e então grande parte da conquista que tivemos até aqui foi por água abaixo.

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A regulamentação da Reforma Tributária se arrastou por meses, como todo processo legislativo. Mas nos últimos meses de 2024, várias aprovações aconteceram na surdina, a toque de caixa, para evitar debate e retaliações.

Voltando um pouco, o PLP 68/24 que regulamenta a Reforma Tributária, após passar por todas as comissões da Câmara dos Deputados, e apesar de diversas manifestações de pessoas com deficiência e entidades ligadas a este público, quase nada mudou em relação ao texto original – repleto de incoerências e injustiças.

Chegou ao Senado e como a representatividade das pessoas com deficiência é um pouco maior naquela casa, já que a única parlamentar cadeirante é senadora e vários senadores tem ou tiveram parentes com deficiência, eles melhoraram um pouco o texto.

Retiraram o artigo mais polêmico da reforma no que tange às pessoas com deficiência: a exigência de adaptação externa para conceder o direito às isenções ao PcD condutor, reduziram o prazo para ficar com um carro de quatro para três anos e aumentaram o valor que o carro poderá custar para ter direito às isenções, de R$ 150 mil na proposta original para R$ 200 mil. Mas manteve a principal restrição de valor, limitando o benefício em R$  70 mil. Apesar de manter algumas restrições, o texto trouxe um certo alívio ao público que será alvo das mudanças.

Porém, na Câmara dos Deputados eles rejeitaram quase todas as melhorias que vieram do Senado. Voltaram o prazo para ficar com o carro para quatro anos, voltou a exigência de adaptação para PcD condutor e mantiveram a limitação do benefício em R$ 70 mil – e nunca é tarde para lembrar que esse valor foi definido em 2009 e permanece congelado até hoje.

Assim foi para a sanção do presidente que era o único que ainda poderia fazer alguma coisa para salvar a situação, vetando os artigos prejudiciais para as pessoas com deficiência. Mas não fez absolutamente nada, sancionou o texto do jeito que estava.

Retrocesso histórico

Vou falar de cada retrocesso que foi aprovado na nova lei, número 214/25 que foi sancionada no dia 16 de janeiro, e quanto aos artigos pertinentes às pessoas com deficiência, começarão a vigorar a partir de janeiro de 2026.

O parágrafo mais limitante é terceiro do artigo 149 que determina que “quando a pessoa for fisicamente capaz de dirigir, o benefício alcançará somente automóveis adaptados, consideradas adaptações aquelas necessárias para viabilizar a condução e não ofertadas ao público em geral”.

Ou seja, a pessoa com deficiência que for condutor, que tiver uma CNH especial e quiser comprar um carro com isenção dos novos impostos, precisará ter em sua CNH a exigência de uma adaptação externa, ou seja, algum tipo de adaptação para conduzir o veículo instalada após ele sair da fábrica, como um pomo giratório ou uma adaptação tipo puxa empurra.

Portanto este parágrafo exclui completamente do direito as pessoas que precisam apenas de um câmbio automático ou direção hidráulica/elétrica para conduzir o veículo.

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Nem toda PcD precisa de adaptação em seu carro (Foto: Fiat | Divulgação)

O exemplo mais absurdo dessa restrição é o caso do amputado de perna esquerda, que não precisa de adaptação para dirigir já que basta que o carro tenha câmbio automático, e perde o direito. Em contrapartida, o amputado de perna direita terá o direito assegurado, pois para dirigir precisa instalar uma inversão de pedais, passando o acelerador para o lado esquerdo.

Duas pessoas com deficiência que tem a mesma dificuldade de mobilidade, o mesmo custo de vida mais alto que pessoas sem deficiência e foram separados pela nova lei. Essa situação tem sido considerada inconstitucional por especialistas. E a  incoerência é tanta que mais pra frente a mesma lei inclui monoculares e deficientes auditivos no direito à isenção, mas como eles não precisam de adaptação para dirigir, somente os que forem não condutores terão direito.

Somente deficiências ‘moderadas ou graves’

A próxima incoerência que excluirá o direito de milhares de pessoas é a eliminação de deficiências leves no direito à isenção. O primeiro artigo que fala disso é a alínea “c” do inciso II do artigo 149, que determina que autistas terão direito somente se forem classificados com “nível moderado ou grave”, excluindo portanto autista em nível leve, ou nos níveis iniciais de suporte. O que a lei não considera são necessidades e desafios que os autistas enfrentam, que justificam a necessidade de carro próprio.

Mas a restrição é ampliada no parágrafo primeiro do inciso IV do artigo 150, que lista todas as patologias que terão direito às isenções. O parágrafo em questão determina que a isenção dos impostos somente “aplica-se às deficiências de grau moderado ou grave”. E já foi discutido em várias instâncias por médicos e especialistas, que não existe na literatura deficiência física “leve”.

Este parágrafo é ainda mais restritivo, pois inclui os não condutores, que só terão direito aos benefícios se sua deficiência não for considerada leve. Portanto, apesar de haver uma lista com patologias que tem direito às isenções, independente das limitações decorrentes destas deficiências, que aos olhos da lei podem ser consideradas leves, trazem muitos obstáculos a quem as tem, que em grande parte são amenizados pode poderem adquirir um veículo com isenções e ter a garantia e segurança que um ele pode proporcionar.

Isenção de carro PcD: há quase 16 anos, o mesmo valor

Outro retrocesso absurdo foi a manutenção pelo presidente do inciso II do parágrafo segundo do artigo 149, que é relativo ao valor do veículo. O valor do carro PcD  que poderá ter isenção de impostos subiu para R$ 200 mil ou seja teremos isenção de qualquer carro que custe até este valor. Porém, todos os carros que estiverem dentro desse limite terão isenção somente sobre R$ 70 mil.

Curioso é que não existe nenhum veículo no Brasil que custe menos de R$ 70 mil. Portanto, a lei já nasce restritiva, e não será aplicada integralmente em nenhum modelo nacional. Uma incoerência para uma legislação que trata de veículos. O reflexo mais imediato desse congelamento é a diminuição da diferença entre o preço público e o preço com isenção.

Por outro lado, há alguns avanços na nova lei, como a inclusão de novos impostos no direito à isenção do carro PcD. Até hoje, temos isenção de IPI, ICMS, IOF e IPVA. Os dois últimos não entram na Reforma Tributária e num primeiro momento ficam como estão, mas em contrapartida outros três impostos serão incluídos: PIS, COFINS e ISS. Mas afinal, isso vai aumentar ou diminuir o percentual da diferença do preço com isenção para o preço público?

Em alguns casos vai aumentar o percentual e em outros casos haverá diminuição. Apesar de não haver um percentual definido sobre o quanto todos estes impostos representarão, fiz uma série de cálculos e simulações para entender o que muda na prática.

Meus resultados mostraram que para carro com motor até 1.0 poderá haver um aumento na diferença, que pode chegar a mais de 3%. Porém, para veículos com motor entre 1.0 e 2.0 haverá uma redução nesta diferença. Os carros ficarão mais caros para as pessoas com deficiência e muitas vezes não valerá a pena utilizar o benefício.

Hoje já estamos em uma situação complicada: o percentual médio que já foi de 22% no passado, hoje não passa de 14%. Muitas montadoras oferecem descontos ou bônus de fábrica acima deste percentual. Assim, um dos principais motivos da legislação de isenção de impostos perde sua eficácia, a busca por mais isonomia e inclusão social.

Tem solução?

A Lei entrou em vigor e se nada for feito até 31 de dezembro deste ano, serão estes os efeitos: milhares de pessoas perderão o direito e ficará mais complicado e menos interessante adquirir carro PcD com isenção. Mas se alguma das casas legislativas federais, Câmara dos Deputados ou Senado fizerem algum Projeto de Lei, pode alterar o texto aprovado. E ainda poderá haver regulamentação pelo Governo Federal para corrigir os absurdos maiores que expliquei acima.

Alguns senadores já sinalizaram que vão entrar com um texto ainda esse ano para eliminar a exigência de adaptação, aumentar o valor do teto do benefício e diminuir o prazo para trocar de carro. Mas como sabemos, os processos legislativos não são rápidos, podem se arrastar por meses e até anos, já que precisam passar por várias comissões e ter apoio de mais da metade dos parlamentares. Não é fácil.

O que a gente pode esperar para o futuro é poderá haver uma restrição para as pessoas que querem comprar veículos com isenção. Então, se você tem interesse, condições e direito, aproveite esse ano para comprar porque pode ser mais complicado a partir do ano que vem.

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2 Comentários
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NATANAEL DOS SANTOS LUZ 2 de março de 2025

Os políticos em geral não está nem um pouco preocupados com 40% da população que são o público PCD no BRAZIL.

Eles são hipócritas, porque qual o carro que se encaixa nessa categoria,ou melhor qual o carro no BRAZIL que costa 70 mil ? Não existe!

O teto deveria ser de 200 mil reais, o público PCD pessoa com deficiência não são vistos no BRAZIL!

Eu preciso de um carro pois moro numa cidade onde não é asesivel nem para os andantes imagina para os cadeirantes!

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Antonio Pereira 2 de março de 2025

O problema é que tudo no Brasil é distorcido.
Praticamente todo mundo é PCD hoje em dia, a fila preferencial em estabelecimentos comercias são maiores que as filas comuns, virou festa da uva, aí quem realmente precisa paga pelos espertinhos que compraram laudos apenas para ter o desconto.

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