VW Fox: a ‘raposa’ que devorava dedos
Falha de projeto do Volkswagen Fox se tornou um perigo para proprietários que podiam ter seus dedos arrancados ao tentar rebater o banco traseiro
Falha de projeto do Volkswagen Fox se tornou um perigo para proprietários que podiam ter seus dedos arrancados ao tentar rebater o banco traseiro
Ao longo desses últimos tempos, tenho feito essas colunas lembrando episódios de nossa indústria automotiva em que houve flagrantes casos de erros de engenharia ou de projeto, manufatura, pós-venda, descaso de fabricação e afins, que acabaram gerando problemas, muitos deles sérios, aos consumidores. Esse caso de hoje ocorreu pela primeira vez no final de 2004, há pouco mais de vinte anos. Na época, um químico perdeu a ponta do dedo anular (vizinho do dedinho) quando tentava rebater o encosto do banco traseiro do seu carro com poucos meses de uso. Mas era só o começo…
VEJA TAMBÉM:
O carro era um pequeno hatch com nome inglês dado à raposa (Fox), e era fabricado por um grande fabricante alemão instalado no Brasil há muitas décadas. O tal modelo era de um projeto interessante, um dos primeiros hatches com teto alto, posição de guiar ereta, privilegiando a máxima ergonomia e bom espaço interno. Seu lançamento ocorreu no final de 2003, praticamente um ano antes de “devorar” o primeiro dedo. O motivo? Do porta-malas, era possível liberar a trava para rebater o encosto do banco traseiro através de uma tira com alça (vermelha, bem chamativa), que ficava presa a uma estrutura metálica do próprio banco.
Acontece que a tira vermelha nem sempre era de fácil acesso: vez ou outra, se “escondia”, e acabava sendo mais fácil liberar o sistema pela própria estrutura metálica (onde havia uma argola). E aí morava o perigo: o consumidor enfiava o dedo nessa tal argola, puxando a trava para rebater o banco, e num movimento rápido perdia a ponta do membro, pelos próprios movimentos bruscos e pressão do sistema de rebatimento. Estrago feito, tornando o mecanismo uma armadilha.
Apesar de não ser o procedimento correto de como rebater o banco (inclusive advertido e ensinado da forma certa no manual de instruções do carro), a “guilhotina” de ponta de dedos estava ali e podia fazer qualquer um de vítima. A fabricante alemã, de início, não tinha nenhum obstáculo ou impedimento evitando que o dono do hatch colocasse seu dedo onde não era devido.
Erro de projeto, ou falha de segurança, chame do que quiser. O fato é que não havia impedimentos para aquilo acontecer. E aconteceu pelo menos oito vezes, com diferentes consumidores, que perderam a ponta de diferentes dedos (sempre o que era colocado na argola metálica). Todos acionaram a marca na justiça, e provavelmente tiveram causa ganha, por mais que a fabricante alegasse que era um uso incorreto do sistema, e que a forma correta de manusear o rebatimento era descrita no manual.
É interessante notar que o primeiro caso conhecido aconteceu no final de 2004, e em meados de 2005 a marca começou a exportar seu hatch para a Europa: o sistema de rebatimento do encosto do banco traseiro era outro, sem riscos ao consumidor! No Velho Continente o buraco é mais embaixo, e se algum europeu perdesse a ponta do dedo, o bicho ia pegar! Por que dois sistemas diferentes para rebater o banco traseiro no mesmo carro? Sabe-se lá. Mas os europeus tiveram mais sorte, digamos assim…
O caso acabou tomando conta da mídia brasileira, até que chegou aos órgãos do governo em 2006, que foram investigar o caso a fundo. Não deu outra: recall e multa de R$3 milhões (R$7,5 milhões atuais, pela correção do Banco Central) dois anos depois, por mais que a fabricante ainda batesse na tecla de uso incorreto. O problema também se estendia a perua desse tal hatch, e a sua versão aventureira urbana, fazendo com que quase 480 mil unidades comercializadas no Brasil fizessem parte de um dos maiores recalls automotivos da história da nossa indústria.
A solução para acabar com a guilhotina de dedos foi simples: revestir de borracha a tal parte metálica onde estava a argola que os proprietários enfiavam o dedo. Assim recoberta, a argola faria, no máximo, um roxo ao dedo acidentado, mas sem cortá-lo fora. Menos mal! Além disso, colocaram grandes adesivos amarelos, bem chamativos, na parte traseira do encosto, aos olhos de quem abrisse a tampa do porta-malas: lá estavam avisos para evitar acidentes e as instruções de como rebater o banco.
O carro, chamado de “raposa” em inglês, foi fabricado até 2021, e os tais adesivos amarelos estiveram presentes até seu fim de linha, bem como a borracha que revestia a argola metálica. Ainda assim, o sistema de rebatimento permaneceu o mesmo, inclusive com a alça vermelha. Mas, além das proteções e avisos, a própria dimensão nacional dos casos serviu de alerta: os proprietários do tal carro aprenderam que, se bobeassem, seriam atacados pela “raposa devoradora de dedos”. Coisas da nossa indústria…
👍 Curtiu? Apoie nosso trabalho seguindo nossas redes sociais e tenha acesso a conteúdos exclusivos. Não esqueça de comentar e compartilhar.
![]() |
![]() |
![]() |
![]() |
![]() |
Ah, e se você é fã dos áudios do Boris, acompanhe o AutoPapo no YouTube Podcasts:
![]() |
![]() |