Douglas Mendonça 5.0: os piores carros que já testei
Douglas Mendonça recorda alguns dos priores carros que dirigiu, tinha carro que a transmissão cantava mais alto que o rádio e outro que a porta caiu
Douglas Mendonça recorda alguns dos priores carros que dirigiu, tinha carro que a transmissão cantava mais alto que o rádio e outro que a porta caiu
Já testei muita coisa ruim nesses meus 50 anos como jornalista automotivo, seja no Brasil ou fora dele. Infelizmente, a vida não é só feita de carros legais, esportivos e com projetos interessantes, e essas “tranqueiras” me motivaram a criar a lista dos piores carros que já guiei, como contraponto a série dos melhores. Algumas das marcas citadas nem vendem mais seus carros no Brasil, pois não conquistaram nosso público. Outras ainda estão ativas e são reconhecidas. Por isso, delas, vou me limitar a contar o caso, sem especificar fabricante ou modelo. Para bom entendedor, meia palavra basta.
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Quando falo em carros ruins, logo me vem na mente o Lada Niva, jipe russo que chegou por aqui nos anos 1990. Era uma época em que eu estava na revista Quatro Rodas, e compramos um Niva para encarar o teste de Longa Duração, para analisarmos a qualidade do carro, o nível do pós-venda, a disponibilidade de peças em um período de 50 mil km. Ele vinha com um motor 1.6 carburado e, por conta da idade do projeto, tinha sistema de ignição ainda por platinado. Uma receita tradicionalíssima, ainda mais lembrando da tração traseira padrão.
Na época, esperava que o jipe da Lada fosse um trator, inquebrável e robusto, afinal de contas era um projeto que previa o nível do asfalto e do trânsito russo, bem piores que os brasileiros. Mas, na verdade, o Niva era bem complicado de ser usado na cidade: descômodo, limitado no desempenho, com alto consumo de gasolina (e como bebia!) e uma tremenda barulheira de rodagem. Lembro-me bem que seu câmbio era tão ruidoso que atrapalhava até mesmo o som do rádio: era preciso aumentar bastante o volume para disfarçar o zumbido da transmissão.
O resultado prático dessas características negativas era que tínhamos cada vez menos pessoas interessadas em utilizar o Niva no seu dia a dia: ninguém queria dirigi-lo, e por isso não conseguíamos fazer seu odômetro caminhar rumo aos 50 mil km. No final das contas, o teste terminou antes, ao redor dos 10 mil km, por absoluta falta de pessoas que encarassem o Lada.
E os russos não vacilaram só no Niva: teve também o Lada Samara. Lá pelos idos de 1991, era divulgado como um projeto moderno e, curiosamente, desenhado pela Italdesign, do mago Giugiaro. O único problema é que os italianos nunca reconheceram esse feito: fica o dito pelo não dito. Na época, também anunciavam que a Porsche havia ajudado no desenvolvimento mecânico do Samara, algo que os alemães confirmaram. Parece ótimo na teoria, porém, o pessoal de Stuttgart não podia controlar a qualidade e precisão de cada Samara produzido lá na gigantesca fábrica russa de Togliatti.
Também tivemos um Samara no Longa Duração da Quatro Rodas, e, na ocasião, era eu quem cuidava da frota de testes da revista. Compramos um zero km numa cor azul marinho bem escura (quase preto) e o colocamos para rodar para muitos pontos do Brasil de acordo com o cronograma do teste. Eram vários motoristas nessa missão de 50 mil km com o Lada.
Em determinada época, esse Samara estava rodando à serviço do Guia Quatro Rodas na região centro-oeste do país, lá pelos lados do Mato Grosso. Uma repórter e um fotógrafo estavam viajando com ele. Num belo dia, os dois me ligaram de um posto de beira de estrada, avisando que a porta do motorista simplesmente não abria mais, e que era descômodo ter que entrar e sair pela porta do passageiro.
Enquanto falava com eles por telefone sobre o estranho problema, um gentil frentista, querendo ajudar, puxou a maçaneta e deu um tranco puxando a porta. O resultado? Catastrófico. A porta caiu inteira no chão! Com retrovisor e tudo, para o pânico dos dois que estavam usando o Lada.
Eu já declarava o final antecipado da viagem, e esperava a volta do Samara em cima de um guincho, quando descobriram a causa do problema: os parafusos que fixavam a porta na dobradiça tinham se soltado, e ela se apoiou apenas na trava da fechadura. Quando o frentista deu o tranco, o trinco se quebrou e a porta desmoronou no chão. Ao menos, puderam continuar viagem, já que conseguiram encaixá-la de forma provisória no seu lugar, e lá ela ficou até o momento da revisão seguinte, que já se aproximava. Se nem o torque dos parafusos que seguravam as portas era correto, imaginem a construção restante do carro. Medonho!
Outro desses ruins era o Gurgel BR-800, brasileiro no projeto e na produção. Seu erro estava no conceito básico: um carro pequeno, com motor de 800 cm³ e dois cilindros, que tinha pretensões de baixo consumo, mas com um enorme câmbio longitudinal, eixo cardã e tração traseira com diferencial! As ideias não batiam: na realidade, sua mecânica deveria ser a mais leve e compacta possível, de preferência com transmissão transversal e tração dianteira. Aquele motor 0.8 era baseado no VW 1600 a ar, de certa forma cortado ao meio, e gerava não mais que 6 mkgf de torque.
Com o grande câmbio de Opala 4 cilindros, cardã e eixo traseiro do Chevette, o BR-800 tinha trem-de-força muito superdimensionado para seu porte e proposta urbana. No frigir dos ovos, essa enorme massa produzia um momento de inércia que o pobre motor de 800 cm³ sofria para vencer, sacrificando desempenho e consumo do carrinho. A bizarra alegação do fabricante era de que “o câmbio e o eixo traseiro durariam mais que o carro”. Lembro-me que, no teste de aceleração, quando arrancávamos com o Gurgel de uma vez, suas janelas corrediças abriam-se sozinhas, tamanha fragilidade do projeto. Sem contar sua duvidosa qualidade construtiva.
E, como o carrinho era construído com diferentes componentes de várias marcas, tínhamos que conviver com um calhamaço de chaves quando íamos dirigi-lo: uma para a fechadura das portas, outra diferente para o porta-malas, outra para a portinhola do tanque, outra para o contato. Sem contar que cada uma tinha o emblema de uma marca diferente. Frágil e confuso: fracasso!
Na próxima semana, vou falar sobre mais algumas dessas tranqueiras. Não perca!
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Como é bom ver alguém falando sem paixonites patrióticas. Eu sempre achei toda a linha Gurgel uma aberração, mas o Mini era inaceitável! Não pode sequer ser chamado de carro.
Sobre o Niva, um vizinho teve um até uns 20 anos atrás e era muito estranho o barulho que ele fazia, principalmente na desaceleração. Se por for já era barulhento, imagine por dentro.
O pior que tem gente que ainda endeusa esses carros
Jovem, estamos falando de carros de 30/40/50 anos atrás, ande com um fusca de 50 anos atrás e tu vais ver que esses carros estavam perfeitamente integrados ao que se tinha à época, não há ” paixonite ” alguma. Mas que muito da nossa tecnologia automotiva pioneira foi morta no regime militar, isso foi, é só querer conhecer a história deste setor, e a propósito, leia sobre o Ford Corcel movido ” à água “… .