O Passat peixe que mergulhou no Lago da Independência

"Todo o bêbado pensa assim, que o álcool não interfere na qualidade de sua condução e que ele está vendo e dirigindo perfeitamente bem"

carro agua
Por Douglas Mendonça
Publicado em 22/10/2018 às 19h00

Esse “causo” é um daqueles que nos faz até mesmo prender a respiração. Mas não de emoção, como poderíamos pensar, mas para não morrermos afogado mesmo. Os protagonistas desse episódio verdadeiro, foram o proeminente advogado Dr. Mílton e o seu belíssimo Passat LS 1976 de duas portas.

Apesar da versão de três portas do Passat ser a grande novidade de 1976 para a linha – era chamado assim pois uma enorme tampa traseira levantava até mesmo o vidro, liberando uma boa área de acesso ao bagageiro -, o Dr. Mílton, mais conservador, fez questão que o carro dele não tivesse aquela grande e desengonçada porta traseira, mas, simplesmente, a pequena tampa que abria apenas o porta-malas.

O Passat LS 1976 tinha apenas duas portas e uma bonita cor azul-escuro. Carro sóbrio e discreto, típico de um advogado. Pois bem, Dr. Mílton tinha antes desse belíssimo Passat, uma perua Variant 1970 na cor bordô. Carro que servia muito bem para o seu trabalho e para o transporte da família nos fins de semana.

Mas, em 1976, o doutor achou que era hora de trocar a velha e familiar Variant por um carro mais moderno, que impressionasse positivamente sua clientela. Como sabemos, para um advogado é muito importante a imagem que os clientes fazem dele. Além do terno bem cortado pelo alfaiate, era importante também o carro em que ele se apresentava. O potencial cliente, vendo o advogado garbosamente bem vestido e transitando em um carro último tipo, era um claro indício de um profissional do Direito bem sucedido.

E o Dr. Mílton descobriu que seu novo Passat LS, com o motor 1.5 de 78 cv, além de chamar atenção pela modernidade, na época, era um carro tecnologicamente superior aos seus concorrentes de mercado. O advogado  rodava orgulhosamente com o seu Passat por toda a cidade de São Paulo e também fazia curtas viagens para Sorocaba para ver a família nos fins de semana.

O bom Passat, era só alegria! Mas, às vezes, o doutor abusava um pouco da canjebrina. Em alguns encontros com amigos e amigas da área do Direito, tomava whisky além da conta. E o que é pior: saia dirigindo com a cara cheia, como se nada tivesse acontecido. Na época, como infelizmente ainda hoje, isso era normal. Todo mundo que bebe acredita que está dirigindo muito bem, melhor até que se não tivesse bebido. Uma grande ilusão!

Em uma noite dessas com os amigos, o Dr. Mílton encheu o caneco de whisky e depois tentou voltar para casa dirigindo o seu Passat, ainda novo. Para piorar, chovia naquela noite fatídica. E o advogado, quando ficava assim alegre, perdia o rumo de casa e ficava zanzando pela cidade tentando achar o caminho de volta para sua casa. Numa dessas, ele estava na avenida que dava continuidade a rodovia dos Imigrantes e, perdidinho, rumava para o monumento do Ipiranga. Lá mesmo, onde, segundo a história, Dom Pedro I, sacou a espada e deu o famoso grito de “independência ou morte” à corte portuguesa.

O Passat e o lago

Pois bem… Noite, chovendo e o Dr. Mílton com a cara cheia de alegria rumando para o monumento da Independência. Para quem não conhece, em frente ao monumento há uma bela área com um lago, que, na realidade, é um espelho d’água com cerca de 40 cm de profundidade e que reflete o monumento, as bandeiras e tudo o que há ao redor.

E, claro, muito bem iluminado com as potentes luzes de mercúrio que dão a impressão de um dia claro. Chegando nesse ponto, Dr. Mílton estava tão perdido que, sem saber para onde ia, subiu na calçada e rumou direto com o seu Passat para dentro do espelho d’água, como se o Volkswagen fosse um peixe. E, não deu outra: “tchbum” dentro d’água.

Ele estava tão perdido, que não tinha a mínima noção do que tinha acontecido. Tentou engatar marchas e andar para frente ou para trás. Não obteve sucesso. E aí, fez aquilo que não deveria ter feito: Abriu a porta para tentar ver o que estava acontecendo. Nesse momento, para surpresa do motorista, seu belo e novo Passat encheu de água repentinamente. Foi nesse momento que ele ficou sem entender menos ainda. Desceu com água quase até os joelhos e, aí, percebeu a grande bobagem que havia feito. Aquela chuva que caia em cima do doutor foi boa para despertá-lo da grande asneira que fez.

Como em uma outra ocasião, telefonou ao filho mais velho – um grande amigo meu – e pediu socorro para tirar o belo Passat daquela encrenca. Por sorte, nada foi quebrado da mecânica e o motor funcionava perfeitamente e a suspensão e a direção estavam ligeiramente desalinhados.

O filho não se conformava e não conseguia entender como o carro do pai foi parar no meio do lago do monumento do Ipiranga. Perguntado pelo filho, ele respondeu: “Eu acho que as gotículas da chuva somadas a essa luz forte no para-brisa cegaram minha visão temporariamente, perdi o controle e cai no lago. Mas a culpa foi da chuva e da luz forte”.

Na cabeça do doutor, o whisky e a bebedeira não tinham nada haver com o incidente. Todo o bêbado pensa assim, que o álcool não interfere na qualidade de sua condução e que ele está vendo e dirigindo perfeitamente bem. Se todo bêbado tivesse o consciência do que a bebida faz com a qualidade de direção de um motorista, milhares de vidas seriam poupados todos os anos neste país.

Ainda bem que a história do Dr. Mílton acabou apenas em uma boa faxina. Só para complementar, eu comprei esse velho e bom Passat do doutor e ele virou meu carro de corridas. Em sua estreia, larguei na nona colocação e terminei minha primeira corrida em um segundo lugar. Claro sinal que o Passat continuava valente e que as bebedeiras do Dr. Mílton não interferiram na qualidade de seu monobloco. Ainda bem!!!

O Passat entrou na água no Lago da Independência
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3 Comentários
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Robertom 23 de outubro de 2018

Pena que esse monobloco sofreu um “pequeno” revés na Curva 3, quando um amigo foi dar umas voltas com o Passatão, o mais incrível é que ele não havia bebido umas canjibrinas…

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Dulce Helena Ferreira 22 de outubro de 2018

Essa não é uma história,essa e a nossa realidade.

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Miriam 22 de outubro de 2018

Como sempre,estes causos, são muito divertido,e escritos tão bem por você,que consigo até visualizar a cena! Kkk

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