Ford Ka Trail: pegando na mentira do novo ‘aventureiro’
Nova versão do hatch traz suspensão elevada e adereços visuais: fórmula manjada é a mesma dos concorrentes diretos
Nova versão do hatch traz suspensão elevada e adereços visuais: fórmula manjada é a mesma dos concorrentes diretos
Você provavelmente está familiarizado com aqueles programas de tevê com quadros que, alegadamente, testam a fidelidade do parceiro ou da parceira. Existem aqueles também que oferecem inúmeros prêmios e induzem o espectador a pegar o telefone e gastar alguns trocados a fim de alcançar um lugar ao sol. Você sabe, claro, que shows dessa estirpe não passam de um engodo e apelam para determinados aspectos com o intuito de conquistar mais audiência e tirar uma graninha extra. Pois bem, esse é o caso do Ford Ka Trail.
A nova versão do hatch, que parte de R$ 47.690, é comercializada pela Ford com toda pompa e circunstância de aventureiro, mas não passa de mais um embuste. Caso fosse uma atração televisiva, não passaria de uma reles pegadinha. Na verdade, como carro, também o é.
Em dado momento da apresentação do produto, um executivo da montadora – incapaz de citar predicados que alçariam o modelo ao status de trilheiro – mencionou que o veículo é ideal para “enfrentar as enchentes” que atingem inúmeras cidades do país.
Além disso, a montadora chegou a chamar o pseudo-trilheiro de SUV. Não, a reportagem não está compactuando com o Pinóquio. O Ford Ka Trail foi chamado de SUV. De acordo com um dos executivos da fabricante, o vão livre de 20 cm permite que o veículo seja classificado como tal. Tudo bem, né…
Comparado com as outras versões, o Trail ganhou 3,1 cm de altura com relação ao solo. Isso se deu graças às novas rodas aro 15” e ao trabalho do departamento de engenharia na suspensão – que conta com novas molas e amortecedores dianteiros e traseiros e maior barra estabilizadora dianteira. Um tour de force dos engenheiros para fazer com que o hatch encare as, bem… enchentes. Até porque, mesmo com tais melhorias, o modelo não é lá muito afeito ao off-road.
Os concorrentes diretos do Ka Trail (Chevrolet Onix Activ, Toyota Etios Cross e Hyundai HB20X) são mais engalanados, têm mais adereços. A discrição do veículo da Ford é um ponto positivo. O modelo conta com faixas esportivas nas laterais e na traseira, rack de teto decorativo, molduras nas caixas de rodas, lanternas fumê, faróis de neblina e apliques nos para-choques. Parece muito, mas nem todas as plumas e paetês são capazes de destruir o harmonioso design do Ka.
A fabricante foi igualmente comedida no interior – mais um acerto. Os bancos revestidos em couro sintético e tecido são agradáveis e casam bem com os tapetes personalizados. A única ressalva fica por conta dos pedais de alumínio, com pegada esportiva. São até bonitos (e, ainda por cima, dá para fazer um punta-taco bacana), mas não estão de acordo com a proposta do projeto.
O contato da reportagem com o Ford Ka Trail foi bastante limitado. A montadora optou por não colocar o seu “compacto aventureiro urbano” na lama, fazendo com que ficássemos restritos ao asfalto. O comportamento da suspensão é interessante, absorvendo bem as imperfeições do solo. O motor 1.0 de três cilindros em linha, que gera 85 cv de potência e 10,7 kgfm de torque quando abastecido com etanol, rende bem em rotações elevadas e não chega a incomodar.
A transmissão manual de cinco velocidades tem lá seus pormenores. O curso poderia ser mais suave e as trocas mais precisas. Já o volante tem boa pega e a direção transmite segurança a todo momento. Além disso, o veículo entra bem nas curvas e não há subesterçamento. Contudo, é óbvio que, se muito exigido, pode deixar o condutor na mão.
Em suma, o comportamento do Ka Trail não apresenta nada de diferente. O aventureiro de asfalto, mesmo com pneus de uso misto 185/65 e um pouco mais alto, não deve ser muito chegado ao lamaçal. Também teria dificuldades “para enfrentar enchentes” e não está pronto para as águas de março. No entanto, segura bem a bronca nas esburacadas vias de nossas cidades.
Em pesquisa divulgada pela Ford, o segmento dos “chamados utilitários aventureiros” cresceu de maneira exponencial nos últimos 14 anos, passando de 4% para 16% das vendas totais. Ainda segundo a montadora, “apenas 5% dos compactos oferecem uma pegada fora de estrada”. Não é o caso do Ka Trail e, tampouco, dos seus concorrentes.
O brasileiro se apaixonou pelo utilitário esportivo. Se tiver condições financeiras compra um. Caso contrário, apela para o de mentirinha mesmo. As montadoras, claro, perceberam essa mudança de comportamento do consumidor e oferecem cada vez mais opções de trilheiros (falsos ou não).
A Ford não é vilã, há espaço para o Ka Trail no mercado. Contudo, vendê-lo como um “compacto aventureiro urbano” é um exagero. É kafkiano. Mas é aquilo: se há demanda, o que fazer? Compra quem quer, não compra quem não quer. Simples assim. C’est la vie.
Ka Trail 1.0 – R$ 47.690
Ka Trail 1.5 – R$ 51.990
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