Recall de um único automóvel?
No mês passado, a Volkswagen chamou dono de apenas um Tiguan para substituição dos amortecedores traseiros; como se explica este surrealismo?
No mês passado, a Volkswagen chamou dono de apenas um Tiguan para substituição dos amortecedores traseiros; como se explica este surrealismo?
Como os jornais publicam recalls quase diariamente, ninguém prestou atenção no último anunciado pela Volkswagen, mês passado, chamando o dono de um novo Tiguan para substituição dos amortecedores traseiros. A empresa alemã se dirige “ao proprietário de um veículo Tiguan….”. Se você não entendeu, nem eu: anúncio de meia página na Folha de São Paulo para chamar o dono de um único automóvel? Como se explica este surrealismo?
O novo Tiguan All Space é recente lançamento mundial da Volkswagen e Importado do México para o Brasil. Foi detectada uma irregularidade na solda dos amortecedores traseiros num lote do SUV. E apenas uma das unidades exportadas para o Brasil nele incluída. Os mexicanos correram para avisar os colegas brasileiros. Tarde demais: o único automóvel relacionado já tinha sido vendido.
Foi fácil, claro, descobrir o dono que, avisado, o levou à concessionária para substituir os amortecedores. Custo da operação? Inferior a R$ 2 mil, entre o custo da ligação (…), peças e mão de obra. Porem, a maior dificuldade enfrentada pela Volkswagen foi oficializar o recall, pois o DPDC (Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, órgão do Ministério da Justiça) exige que a legislação seja respeitada não importa quantos os veículos envolvidos. Mas, se era apenas uma unidade, não bastaria enviar um WhatsApp ou ligar para seu dono?
Negativo. Para convocar um único automóvel, a fábrica teve que estampar anúncio de meia página para cumprir a exigência legal, como se fossem centenas ou milhares de unidades envolvidas.
O DPDC é o órgão governamental que controla e fiscaliza os recalls efetuados no Brasil. Ele tem que ser avisado de todos os detalhes que envolvem o reparo gratuito: a comunicação aos proprietários, identificação das unidades, componente a ser substituído e riscos envolvidos, pois o recall só é obrigatório se afetar a segurança. Pode exigir a realização do recall e até multar a empresa diante de um comprovado caso de omissão.
Se a fábrica realiza o recall, é porque há riscos em rodar com o automóvel. O motor pode apagar, vazar fluido do freio, o cinto não proteger no caso de um acidente, risco de incendio, etc. Entretanto, não chega a 40% o número de donos de carros envolvidos no recall que os levam para reparo na concessionária. (Em 2018, não chegaram a 20%!).
Foram imaginadas então algumas formas de aumentar este índice e, há cerca de dez anos, o Contran (Conselho Nacional de Trânsito) pensou em proibir a venda dos carros não submetidos ao recall. Desistiu da ideia por impedimentos legais. Decidiu então fazer constar o problema no documento do carro, pela portaria conjunta 69/2010 do Ministério da Justiça (DPDC) e Denatran. Assim, o comprador seria pelo menos informado da bomba-relógio que poderia explodir em suas mãos. E estimulado a levá-lo para o reparo.
Estão portanto envolvidos neste procedimento o DPDC, os fabricantes, o Denatran e os Detran´s. Oito anos depois, nada de constar o recall em aberto no documento do automóvel. O Denatran, consultado, alega dificuldades burocráticas mas garante que será viabilizado “no segundo semestre de 2019”. Argumenta que a demora no processo de registro do cumprimento do recall no histórico do carro poderia criar constrangimentos ao proprietário que decidir vendê-lo.
O DPDC e o Denatran publicaram há oito anos uma portaria para fazer constar no documento de um carro que ele não foi submetido ao recall. O órgão de trânsito diz que a medida só será implementada dentro de doze meses, por problemas burocráticos. Uma inacreditável passividade do DPDC, entidade encarregada de proteger e defender o cidadão/consumidor.
Este mesmo DPDC é suficientemente hipócrita para obrigar uma fábrica a cumprir a legislação e publicar anúncio de recall dirigido a um único automóvel. Mas não se preocupa com centenas de milhares rodando com algum grave problema de segurança.
É assim que o governo brasileiro se dedica à segurança veicular e integridade de seus cidadãos.
Foto Volkswagen | Divulgação
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Coisa típica de um país que quer ser sério, mas passa por ridículo.
Nesse caso, não seria mais prático e menos custoso chamar o cliente pessoalmente e comunicar ao DPDC que o problema foi resolvido?
Coisa de tolo.