Código de Trânsito Brasileiro: em 20 anos, mudou alguma coisa?

Código de Trânsito Brasileiro chegava em 1998 com a promessa de um trânsito melhor, com redução de mortos e feridos; seria mesmo o início de uma nova era?

coluna ctb
Por Paula Carolina
Publicado em 22/01/2018 às 10h22
Atualizado em 14/02/2020 às 17h19

Era janeiro de 1998. Campanhas intensas alertavam sobre a entrada em vigor daquele que era considerado um dos mais modernos e avançados códigos de trânsito do mundo: o Código de Trânsito Brasileiro, o CTB. Passava-se a impressão de que a partir daquela data – 22 de janeiro de 1998 – tudo iria ser diferente.

A nova lei que se impunha (Lei 9.503, que instituiu o CTB) chegava com a promessa de um trânsito melhor, com redução de mortos e feridos, graças a uma bem elaborada gama de 341 artigos que focavam na educação, administração e gerenciamento por parte dos municípios e forte punição, com multas altas e uma novidade assustadora para a época: os pontos na carteira de motorista.

Jovem, recém-habilitada e a poucos meses da formatura como jornalista, tive a oportunidade de começar a cobrir o CTB nessa época, antes mesmo de sua entrada em vigor. Na noite da “virada”, pude observar de perto um movimento diferente do habitual. Chamavam a atenção os carros parando nos semáforos durante a madrugada e freadas evitando as faixas de pedestres. Nas mesas dos bares, o assunto fazia parte das discussões, mesmo que a tradicional cervejinha ainda estivesse longe de ser abandonada antes de se pegar a direção. Seria mesmo o início de uma nova era?

CTB completa 20 anos. Mudou?

Tinha tudo para ter sido. O CTB trazia muitos avanços e era necessidade imediata uma mudança de cultura para se lidar com o trânsito brasileiro. Só que, passado o furor inicial, as campanhas foram diminuindo. A tão apregoada educação foi perdendo prioridade para a arrecadação fácil e a credibilidade da nova lei foi posta em cheque.

Enquanto os municípios menores encontravam dificuldade para assumir a municipalização do trânsito, criar órgãos capazes de gerenciar e controlar o tráfego e até mesmo integrar seus sistemas com o do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran); os maiores (ou pelo menos parte deles) passavam a impressão de terem encontrado uma mina de ouro. Radares escondidos e sem aferição viraram forma fácil de ganhar dinheiro ao mesmo tempo em que formas tradicionais de fiscalização, com a presença de agentes  – tão necessária para se garantir a confiança num momento de mudanças  – pareciam ser deixadas de lado. Para complicar, a cobrança das multas era certeira, mas a pontuação nem tanto…

Como acreditar no sucesso da nova lei? Com o passar dos primeiros anos, no lugar da educação e mudança de cultura, vieram o afrouxamento nas condutas e o desrespeito às regras. A chamada indústria da multa passou a dominar as manchetes. A discussão saiu da esfera do trânsito e foi bater às portas da Justiça. Enquanto profissionais sérios e competentes se debruçavam em torno de destrinchar o novo Código e suas lacunas para defender o cidadão e moralizar as cobranças; surgiam os “tira-multas”, com promessas fáceis de ganhar recursos e nova forma de ganhar dinheiro. Perdidos no descrédito, motoristas bem e mal-intencionados se viam mais como parte de uma guerra do que como componente do trânsito com direitos e deveres. E as mortes continuavam. A impunidade também.

Dos conflitos, no entanto, foi surgindo o amadurecimento. Amadureceram a lei, as autoridades, os motoristas. E aos poucos batalhas foram sendo vencidas pela cidadania. A regulamentação do direito de defesa do motorista, em 2003, foi um grande marco, que fez recuperar um pouco da confiança no sistema. O julgamento dos recursos passou a ser mais organizado e, aos poucos, foi reduzindo a impressão de que sequer eram lidos (se não em todos, pelo menos em grande parte dos órgãos de trânsito a análise dos recursos passou a ser mais séria).

CTB completa 20 anos. Mudou?

Mas é em 2008, após uma década do Código de Trânsito Brasileiro, que vem aquela que se propõe a ser a principal das mudanças: a Lei Seca. A restrição do uso de álcool ao volante não era novidade, pois já estava prevista na implantação do Código. Só não era cumprida. Fez-se necessária regulamentação mais rígida: menor tolerância com a bebida alcoólica, maior rigor na fiscalização e, sobretudo, na punição. Esta última, a parte mais difícil, está sempre em discussão e novos critérios serão implantados a partir de abril. Tem tudo para dar certo e, de fato, fazer reduzir acidentes, desde que haja finalmente uma conscientização, acompanhada das prometidas punições severas.

Outras conquistas importantes marcaram a segunda década do Código de Trânsito Brasileiro e têm relação direta com a segurança dos veículos e passageiros. Entre elas estão a seriedade no uso das cadeirinhas e demais dispositivos de retenção infantil, a partir de 2010; a exigência de airbag duplo e freios ABS nos veículos novos, gradativa também a partir de 2010. Só para citar algumas.

CTB completa 20 anos. Mudou?

E o que esperar da próxima década que virá? Ainda há muito a ser feito. A educação, ponto principal,  ainda engatinha. Se colocada em prática nas escolas como planejado no início do Código, já haveria por aí uma nova geração de motoristas, com formação séria e mais consciente do trânsito.

Medidas como a inspeção veicular e o controle da travessia do pedestre sinalizam que sairão do papel. Dois temas bem distintos, mas que vêm sendo discutidos ao longo desses 20 anos. De implantação da inspeção veicular, já foram várias as tentativas. Mas dificuldades que vão desde um dilema social grave (quando se fala em restrição no uso de veículos velhos) ao problema do que será feito com essa frota, passando pelos lobbies dos mais diversos interessados, protelam uma solução. Se de fato entrará em vigor em 2019, só o tempo dirá.

Pedestres e ciclistas estão, literalmente, com os dias contados até abril, para a entrada em vigor da Resolução 706, que autoriza a aplicação de multas a suas infrações de trânsito. Se vai funcionar? Difícil imaginar. Se em 20 anos de Código de Trânsito Brasileiro ainda falta fiscalização e cumprimento de pontos tão mais fáceis e básicos, complicado imaginar um pedestre sendo multado. Principalmente se não houver campanhas, conscientização, educação.

CTB completa 20 anos. Mudou?
Foto iStock | Reprodução

Por outro lado, os esforços para redução de acidentes continuam. Em 2020, termina o período que ficou conhecido como Década de Ação pela Segurança no Trânsito, determinada pela Organização das Nações Unidas (ONU). Com este foco, o Projeto de Lei 8272/2014, aprovado mês passado pela Câmara dos Deputados e sancionado pela Presidência da República no último dia 11, deu origem à Lei 13.614/2108, que cria o Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (Pnatrans), impondo metas para redução de acidentes e mortes no trânsito. Entra em vigor em 60 dias da publicação, ou seja, na primeira quinzena de março.

Enfim, lei bem intencionada não falta. Falta fazer cumprir. Torçamos para que, com uma segunda dose de amadurecimento, ainda seja tempo de se fazer história no trânsito desse País.

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4 Comentários
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Luiz Fernando de Oliveira Carneiro 5 de junho de 2019

Muito bom o texto! Também me interesso pelo tema. Parabéns

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Frederico Nicolau Marchini Fonseca 22 de janeiro de 2018

Muitos países do primeiro tem penas muito mais severas que em nosso país para quem mata no trânsito na condição de bebado porém não punem o simples fato de beber. Tolerância Zero. É arrecadarória pretendendo criminalizar atitude criminal sem tipicidade; quem nada respeita dirige bebado e até mesmo sem carta

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Ivan Vasconcellos 22 de janeiro de 2018

Antes de mais nada. Já deixei meu apoio a ideia legislativa comentada acima. Parabéns pela iniciativa!
Segundo, no texto há um engano de datas no trecho “Lei 13.614/2108”. Certo de que um engano, mas creio que nós brasileiros talvez só tenhamos um transito educado e seguro em 2108 mesmo.
Excelente artigo!

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Rodrigo Martins 22 de janeiro de 2018

Pessoal, há uma consulta no portal e-Cidadania visando o aperfeiçoamento da Lei Seca, tornando-a mais justa. Apesar da sua aparente boa intenção, a Lei Seca é intrinsecamente imoral. Cabe esclarecer que dirigir sem condições físicas ou psicológicas é uma atitude absolutamente lamentável, mas não há crime sem dano. E toda lei que impõe uma sanção para uma conduta que não causa vítimas é moralmente injustificável. Existe uma diferença enorme entre beber e dirigir, e dirigir bêbado. A iniciativa da Lei Seca é louvável, mas sua aplicação, com tolerância zero, tem viés arrecadador. O correto seria instituir uma margem de tolerância, como acontece em muitos países desenvolvidos que sabem fazer a distinção entre causa e efeito. Assim, tiramos das ruas os irresponsáveis que colocam a vida dos outros em risco, frente a multar e incriminar quem consome quantidades ínfimas e/ou toleráveis de bebida. Se você apoia essa ideia, acesse o link abaixo, dê o seu voto favorável e compartilhe a informação.

https://www12.senado.leg.br/ecidadania/visualizacaoideia?id=91653

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