Mercedes não assume erro de projeto em motor de Classe C e SLK
Se você tem um Mercedes Classe C, de 2008 a 2013, com mais de 50 mil km, prepare o saldo bancário! É enorme a chance de acontecer um grave defeito no motor
Por Boris Feldman06/08/18 às 12h07Com Alexandre Carneiro
Donos de automóveis Mercedes-Benz C 180, C 200, C250, SLK 200 e CLK 200 produzidos de 2009 até 2013 estão sofrendo com um problema nas engrenagens dos eixos de comando de válvulas, que se identifica por um ruído quando o motor é acionado. A dificuldade enfrentada pelos usuários destes modelos é que o defeito só aparece em elevadas quilometragens, acima de 60 mil ou 70 mil km, quase sempre depois de vencido o período de garantia.
O motor que os equipa é identificado pela fábrica como M-271 e o defeito não ocorre apenas no Brasil mas em todo o mundo. Não o reconhece como erro de projeto (vício de origem) e sequer se digna a explicar o motivo – simplesmente lembra ao dono do carro que a garantia já expirou. Não alega mau uso nem combustível ou lubrificante adulterados ou fora do padrão recomendado. O problema é tão escandaloso e difundido que existem vídeos (no YouTube) explicando, passo a passo, como repará-lo fora da concessionária reduzindo o custo da reposição das engrenagens defeituosas e da mão de obra.
No Brasil
O comportamento da Mercedes no Brasil não é muito diferente porém mais rigoroso, pois não se responsabiliza nem mesmo para o usuário que levou o carro para revisão na concessionária mesmo depois de vencida a garantia. Quando decide bancar o reparo, diz tratar-se de uma “cortesia” e não se considera responsável pelo problema.
O AutoPapo foi consultado há tempos pelo dono de um destes carros. O problema foi encaminhado para a fábrica e ela acabou concedendo a garantia. Ou melhor, “cortesia”. Mas deixou muito claro que só não estava cobrando, pois o proprietário provou ter levado o carro para todas as revisões previstas pela fábrica. Ou seja, a garantia não seria concedida se o carro não tivesse comparecido à concessionária para as revisões depois de encerrado o prazo de garantia. É como se estivesse fazendo um favor ao usuário.
Epidemia
Oficinas especializadas foram todas unânimes em afirmar tratar-se de uma “epidemia mecânica”. Os casos são volumosos no Brasil e numa ligeira pesquisa na internet percebe-se que se trata de um problema que ocorre em todo o mundo.

Como estes motores foram utilizados até 2013, são exatamente os automóveis que estão atingindo agora quilometragens mais elevadas, entre 60 mil e 80 mil km, que apresentam o problema, com solução caríssima, de quase R$ 15 mil.
Fica então a questão: a fábrica só é obrigada por lei, a conceder garantia por três meses. Mas todas oferecem um mínimo de um ano. Algumas chegam a cinco ou seis anos. Os carros Mercedes-Benz são garantidos por dois anos. Então, se um defeito só aparece em quilometragens mais elevadas, vencido o período de garantia, a fábrica não tem obrigação legal de se responsabilizar pelo reparo. Muito embora não haja dúvida, pelo volume de casos ocorridos, tratar-se de um erro de projeto pois o defeito acontece em todo o mundo e sempre em quilometragens mais elevadas.
Então, a “cortesia” só é concedida quando o dono “bota a boca no trombone”. Seja levando o problema para a imprensa ou ameaçando entrar judicialmente contra a fábrica, como muitos já fizeram. Caso contrário, faz o proprietário pagar o reparo sem o menor constrangimento e mesmo sabendo ter culpa no cartório.
Resposta
A Mercedes, consultada pelo AutoPapo sobre o problema no motor M-271, enviou a seguinte resposta:
A Mercedes-Benz não reconhece que o problema descrito em seu questionamento se trate de uma ‘epidemia’, nem mesmo ‘vício de origem’ e tampouco atinja todos os clientes da marca que possuem uma Classe C com motor M271. Os automóveis Classe C com a referida motorização começaram a ser comercializados no Brasil em 2007 e desde então foram vendidos 18 mil veículos.
De acordo com o nosso histórico de atendimentos (incluindo garantia, cortesias e vendas de peças) a quantidade de problemas relacionados a este tema é ínfima. Com relação aos processos de cortesia cabe informar que a Mercedes-Benz do Brasil adota no país políticas de cortesia técnica iguais às adotadas pela matriz na Alemanha, além de adotar adicionalmente critérios locais de cortesia comercial que são oferecidos pela empresa (política adotada no caso específico mencionado em seu e-mail e não a concessão de ‘garantia’ como afirmado).”
A Mercedes, portanto, não reconhece que o problema atinge um grande volume de motores e diz ser “ínfima” a quantidade deles relacionados ao tema.

É provável que seja, mesmo, pois a maioria dos donos do automóvel não vai à Justiça e acaba autorizando o reparo na concessionária e – principalmente – em oficinas fora da rede onde o conserto tem menor custo.
Fóruns
A incidência deste defeito nas engrenagens dos comandos de válvulas do motor M-271 da Mercedes é tão grande que ocupa grande espaço nos fóruns para discussão de problemas entre os proprietários do modelo, no Brasil e em outros países. Há relatos no site Reclame Aqui e também em páginas do exterior.
Boca no Trombone
A Mercedes não é obrigada a conceder garantia. Mas evita casos na Justiça: a maioria dos usuários que puseram a “boca no trombone” foram atendidos pela concessionária, autorizada pela fábrica a executar o reparo em cortesia. É um daqueles assuntos nebulosos, que a concessionária sabe mas não confirma, a fábrica sabe mas não reconhece.
Consumidores ficam com o prejuízo
Localizar proprietários de veículos Mercedes-Benz afetados pelo problema nas engrenagens dos eixos de comando de válvulas do motor M-271 não é tarefa difícil: o AutoPapo conversou com cinco deles. Em comum, todos relatam comportamento negligente da empresa diante do defeito e de orçamentos caros, na casa das dezenas de milhares de reais, para solucioná-lo.
Uma das vítimas do problema é o advogado Gustavo Henrique Wykrota Tostes, de 50 anos. No ano passado, seu veículo C250 2011/2012, então com cerca de 80 mil quilômetros, precisou trocar as engrenagens do motor, serviço que custou, em concessionária, R$ 11.590. “Eu notifiquei extra-judicialmente a Mercedes, e a empresa acabou autorizando o reembolso do valor das peças. No fim das contas, eu paguei só a mão de obra”, explica o jurista.
Apesar de a Mercedes-Benz ter arcado com parte do valor do conserto, Wykrota explica que a multinacional nunca assumiu sua responsabilidade em relação ao problema. “Eles afirmaram que eu teria o valor das peças reembolsado como cortesia; não falaram em momento algum em cumprir com suas obrigações diante de uma falha do produto. Basta fazer uma pesquisa na internet para ver que o defeito é sistêmico”, pondera.

Porém, os aborrecimentos do advogado com o serviço de pós-venda da marca alemã não pararam por aí: “neste ano, aconteceu outro problema, também sistêmico, no módulo de comando eletrônico da caixa de marchas e na bomba de alta pressão de combustível. Eu notifiquei novamente a Mercedes, mas eles não arcaram com os custos, alegando que meu carro tinha alta quilometragem e não estava mais na garantia. Então, ajuizei uma ação judicial. Na defesa, a Mercedes alega que meu carro nunca apresentou vício; como, se no ano passado ela reconheceu o outro problema?”, questiona.
Wykrota destaca que é proprietário de veículos da fabricante alemã desde 2003 e que sempre cuidou de maneira exemplar de seu C 250, cujas revisões e serviços de manutenção foram feitos rigorosamente em dia. “Fiz questão de levá-lo sempre à concessionária, acreditando na assistência da marca. Mas a Mercedes está me colocando no mesmo patamar daquele cliente que não faz a manutenção adequada no carro”, conclui.
Mais casos
O problema também se manifestou no C 180 Coupé 2011 do engenheiro civil Vítor de Melo Oliveira, de 26 anos. “Eu sou um cara muito chato com o carro”, resume ele, que assegura fazer todos os serviços de manutenção previstos para o veículo. Todavia, neste ano, com apenas 60 mil quilômetros, ele precisou fazer a troca das engrenagens do comando de válvulas do motor M-271: “Ao dar a partida, surgiu um barulho que parecia ser de carro a diesel. Imediatamente eu procurei meu mecânico e foi diagnosticado o problema”, conta.
O valor do conserto, em uma oficina especializada em automóveis premium, fora da rede autorizada, ficou em cerca de R$ 10 mil. Por conhecer outros casos semelhantes, o engenheiro sequer chegou a procurar o fabricante. “O carro está fora da garantia e, ao pesquisar na internet, percebi que se trata de um vício. Em fóruns sobre a Mercedes, descobri que a marca não assume o problema; em um desses fóruns há pelo menos 50 casos iguais ao meu”, diz.
Na semana passada, o carro de Oliveira apresentou uma nova falha, dessa vez no sensor do sistema ABS de freios. “Esse problema também é crônico, e o reparo custou outros R$ 5.000. Isso num Mercedes, que todo mundo julga ser um bom produto”, pontua.
Outro a enfrentar o problema foi administrador de empresas Marcos Paulo Gonçalves, de 39 anos. “O carro é do meu pai, mas sou eu que faço a manutenção”, explica. Ele conta que o defeito pegou a família de surpresa: “O carro morria e era preciso esperar o motor esfriar para religá-lo. Ele foi rebocado duas vezes e, numa oficina especializada, fomos informados que esse problema é crônico. Cheguei a receber um orçamento de R$ 20 mil, mas, no fim, ficou por cerca de R$ 9.000”, relata.

Na época, o sedã do pai de Gonçalves, um C 180 2010/2011, estava com aproximadamente 90 mil quilômetros e não era mais coberto pela garantia de fábrica. Porém, o desgaste das engrenagens do motor M-271 ainda é motivo de preocupação para a família: “Temos outro C 180, mais novo, e nosso receio é que ele apresente o mesmo defeito futuramente. O reparo é caro, e não é o que se espera de um produto da marca. Por isso, estou em vias de vendê-lo”, desabafa.
Marco Antonio Malzone, de 60 anos, que atua como consultor empresarial, enfrentou o problema com as engrenagens do comando de válvulas do motor M-271 em 2015, com um Mercedes C 200 Kompressor 2009/2010. “O carro tinha 140 mil quilômetros e era da minha mulher. Ná época, ela era minha namorada e eu que fui atrás do conserto”, explica.
Ele relata que desconhecia se tratar de um problema crônico. “Na verdade eu nem tentei nada com a Mercedes porque o carro já tinha uma quilometragem alta. Na hora, eu até pensei que pudesse ser uma situação normal, porque nunca tinha tido um veículo tão rodado”, lembra. O reparo, segundo o consultor, custou em torno de R$ 7 mil. “Na concessionária, passava de R$ 12 mil”, finaliza.
Solução após apelo a executivo
O único caso encontrado pela reportagem no qual a Mercedes-Benz arcou com todos os custos foi o do empresário Prudêncio Sette, de 67 anos. Em 2011, ele notou que havia algo errado em seu Mercedes C 180 2010/2011, então com aproximadamente 50 mil quilômetros, cuja garantia havia expirado pouco antes: “Ele começou a não pegar direto quando eu dava a ignição. Demorava um pouco e só depois o motor funcionava normalmente. Levei a uma autorizada, abriram o motor e o orçamento era de R$ 12 mil”, relata.
Ao procurar uma oficina independente, o empresário acabou tendo contato com um jornalista, que mandou uma carta para o presidente da Mercedes-Benz do Brasil. O serviço de reparo foi feito gratuitamente, sob o argumento de se tratar de uma cortesia. “Mas isso só aconteceu porque houve essa intervenção, porque senão, nossa senhora”, destaca. Assim como outros proprietários, Sette foi atraído pelo renome da marca alemã. “Você compra um Mercedes pra não ter problema”, sintetiza.
Problema é bem conhecido pelos mecânicos
O AutoPapo apurou que o problema nos motores dos veículos C 180, C 200, C 250 e SLK 200 fabricados entre 2009 e 2013 é bastante conhecido por mecânicos especializados em veículos Mercedes-Benz. Fellippe Chiari, da Base Oficina, de Belo Horizonte (MG), explica detalhadamente o defeito: “A falha ocorre no ajustador do eixo de comando do motor M271: ele é feito de ferro fundido e sua operação com a corrente de distribuição de aço faz com que os dentes se desgastem prematuramente. Com isso, o sincronismo das válvulas pode avançar ou atrasar”, aponta
O sintoma, segundo Chiari, costuma ser o mesmo: “o cliente dá a partida no carro e escuta um barulho alto, que é causado pela folga da corrente de distribuição e dos dentes do regulador do comando”. Ele relata já ter visto o defeito se manifestar em um veículo com apenas 40 mil quilômetros e não tem dúvidas em afirmar que se trata de um caso crônico. “A solução é substituir o ajustador do eixo de comando, o que é muito caro”, adverte.

O empresário Amauri Goulart calcula que ao menos 30 automóveis Mercedes-Benz com o mesmo defeito já tenham passado por sua oficina, a Qu4tro Imports, também em Belo Horizonte. “É constante: todos os carros equipados com o motor M-271 dão o problema. Às vezes com 30 mil quilômetros, às vezes com 100 mil, mas cedo ou mais tarde o problema aparece”, afirma.
Goulart também não tem dúvidas de que se trata de um vício generalizado: “Não tem como prevenir, é um defeito crônico, de fábrica”. Ele acredita que a solução seria a convocação de um recall, algo que a Mercedes nunca fez.
Para o empresário e mecânico Anderson Ferraz de Oliveira, não há tanta clareza sobre a causa da falha no motor M-271: “Não sei se é decorrente de uso ou se é um defeito de fábrica mesmo”, opina. De qualquer modo, ele também conhece o caso e já atendeu proprietários de veículos defeituosos em sua oficina, a PKW, na capital mineira. “Em média, acontece aos 60 mil quilômetros, mas já vi o problema aparecer com maior e menor quilometragem”, pondera.