Professora sabia ensinar, mas nunca aprendeu a dirigir seu Fusquinha

"Ela nunca entendeu direito como é que funcionavam as tais marchas. Sabia apenas que deveria usar a primeira para o carro sair"

volkswagen beetle
Por Douglas Mendonça
Publicado em 08/04/2019 às 19h38

Esse “causo” aconteceu lá atrás, no final dos anos 70 ou, quem sabe, início dos anos 80. A protagonista era uma professora muito querida, daquelas da velha guarda que sabia ensinar como ninguém aos seus alunos do primário. Uma professora porreta! Além dela, outro protagonista foi seu sofrido Fusquinha 1962, daqueles que ainda tinham o fraco, mas confiável, motor 1.200, que não desenvolvia mais do que 25 ou 30 cv de potência.

Até combinava: Dona Teresa e sua enorme capacidade de ensinar e o valente Fusquinha que podia não desenvolver velocidade, mas levava a professorinha onde quer que ela precisava ir.

Dona Teresa, de tão enérgica na sua metodologia de ensino, não perdoava nem o seu filho, um grande amigo meu. Quando ele estudava no interior do estado de São Paulo, em uma das séries, teve o azar de ter a mãe como professora. Vocês pensam que ela facilitava a vida do filho? Claro que não! Acreditava que, por ser filho da professora, ele precisava dar o exemplo e ser o aluno mais estudioso da turma. Depois de adulto, ele confidenciou-me que sofreu muito nas mãos da mãe, que exigia dele sempre as melhores notas.

Quando veio morar em São Paulo, Dona Teresa trouxe com ela seu velho e confiável Fusquinha. Na capital, ela teria que dar aula em mais de uma escola e o carrinho seria uma ferramenta perfeita para poder lecionar em todas os locais em que pretendia dar suas aulas.

Volkswagen com motor 1.200, mais conhecido como Fusquinha


Mas Dona Teresa tinha um sério problema: dirigir o Fusquinha em cidades pequenas e planas, por estradas de sítios quase sem trânsito, era fácil. Mas como dirigir no caótico e complicado trânsito da capital paulista que, além de tudo, era repleta de ruas com subidas e descidas das mais variadas inclinações? E ainda existiam as subidas e descidas!

O desafio de passar as marchas

Ela nunca entendeu direito como é que funcionavam as tais marchas. Sabia apenas que deveria usar a primeira para o carro sair. Depois dessa parte, ela nunca soube ao certo em que momento cada uma delas deveria ser engatada. Pura barbeiragem!

A professorinha não se apertava: toda vez que se deparava com uma ladeira, fosse para subir ou descer, parava um motorista de preferência aqueles de táxi que eram mais solícitos, e ia logo perguntando: “Que marcha devo usar nessa subida?” Normalmente, aos risos, os motoristas respondiam: “Como seu Fusquinha tem um motor bem fraquinho, coloque a primeira marcha e vá com ela até o topo da subida que ele chega lá!”

Se fosse uma descida, a resposta era quase sempre a mesma:” Vá em segunda marcha pisando no freio para que o carro não desenvolva muita velocidade, e assim a senhora chega em segurança lá embaixo!”

Dessa forma, aos trancos e barrancos, Dona Teresa foi vendo o tempo passar, dando aula nas escolas em que lecionava. Por ser uma barbeira nata, e por andar sempre em velocidades baixíssimas, batia um para-choque aqui, um para-lama acolá, mas sempre sem machucar ninguém e causando pequenos prejuízos nos carros alheios e no seu próprio. Estão entendo por que o Fusquinha era sofrido?

O dia do martírio de um Fusquinha

Mas, em um belo dia ocorreu o inusitado: era um daqueles dias horríveis, em que a chuva começa ao amanhecer e permanece mansa o dia todo. Lá foi a professora Teresa para as sua infindáveis aulas. Até o Fusquinha 1.200 sentia que aquele não seria um bom dia: a água da chuva era quase nada diante do que estava por vir.

Lá vai Dona Teresa em dia chuvoso rumo a escola em que daria aula naquele dia. Mas em seu caminho tinha uma subida! Tinha uma subida em seu caminho! Naquele dia horrível, Dona Teresa com a mão para fora da janela, acenava para os motoristas que passavam apressadamente rumo aos seus destinos, sob aquela chuva típica paulistana. Vocês acham que alguém parou? É claro que não… Nossa destemida professora já entrava em pânico: “Que marcha devo usar nessa ladeira?”

Criativa, mas sem a mínima noção de direção, foi logo pensando: “Sabe o que vou fazer? Vou subindo a ladeira e mudando as marchas e, em alguma hora, encontro a certa…”

Ela não poderia ter tido uma ideia pior. Se deixasse de ser um pouco barbeira e fosse mais professora, saberia que se colocasse a primeira marcha e fosse devagar pela pista da direita, poderia demorar um pouco mais, mas certamente chegaria ao topo da ladeira.

Dona Teresa acelerou forte o Fusquinha embalou um pouco engatou a segunda, deixou embalar mais um pouquinho e logo engatou a terceira. Em vez de subir, o Fusquinha foi ficando fraco e dando trancos. Só faltava ele pedir: “Pelo amor de Deus, engate a segunda marcha, senão meu motor vai morrer e eu paro”. O Fusquinha, antes de morrer, foi dando tranco atrás de tranco e a professora não entendia nada, afinal de contas a terceira marcha não era para correr mais? Por que é que ele corria cada vez menos?

Até que, em um tranco desses bem fortes, antes do motor morrer, ela ouviu um grande estalo. O carro parou, mas a chuvinha paulistana não parava. Com o pé no pedal do freio, soltou vagarosamente o carro até o início da mal fadada ladeira, para tentar continuar a operação de vencer a ladeira. Dona Teresa não se dava por vencida nunca! Deu partida no motor e ele pegou de pronto, engatou a primeira e tentou sair. O motor funcionava, a marcha engatada e o pé fora da embreagem e o Fusquinha não saia do lugar. Parecia morto, o coitado. Não andava mais.

Um tranco assombroso

Naquele tempo, não existia celular. Foi a um telefone público e ligou para o filho em casa, relatando o que havia acontecido. Ele foi ao socorro da mãe e descobriu que ela havia feito algo inédito para um Fusca 1.200: deu tanto tranco tão grande na transmissão, durante a barbeiragem que fez, que quebrou a ponta do semieixo.

Quem conhece de mecânica sabe que essa é uma das últimas coisas que quebram em um Fusca, de tão grosso e robusto que é esse eixo. Virou até comentário entre os mecânicos da região, que alguém havia conseguido quebrar uma ponta de eixo de um Fusca 1.200. Assombroso!

Os únicos que sabem como se faz essa façanha é a nossa barbeira professora e o pobre Fusquinha, que não tem como contar a ninguém o seu terrível sofrimento nas mãos daquela impiedosa barbeira. Sorte do meu amigo que barbeiragem não é hereditária, pois ele acabou virando um dos bons pilotos do grupo seleto do nosso automobilismo de competição. Ironias da vida!

Foto Volkswagen | Divulgação

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3 Comentários
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Antonio Carlos 9 de abril de 2019

Também fui aluno da minha mãe. Pense num martírio!

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Antônio Alves da Costa 8 de abril de 2019

Gostei muito da história da professora.

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Marcelo Francelozo 8 de abril de 2019

Só o FUSCA para aguentar essas coisas !!

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